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Amor à vida e ao jornalismo

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“Sou um milagre da ciência. Hoje tenho apenas metade de mim. A outra metade os médicos já retiraram. Mas fiz um pacto com o Senhor Deus. Mesmo querendo ficar mais um pouco, apreciar suas belezas, curtir suas virtudes, serei o último a sair e a apagar a luz.”
Escrevendo à máquina, mesmo após os computadores, Agnelo produziu crônicas e reportagens
Era assim, de forma bem humorada, que o jornalista Agnelo Alves gostava de celebrar a maior de todas as suas paixões: a vida. “Eu amo viver” foi a frase escolhida por ele para realçar o perfil de sua conta no WhatsApp, aberta no dia 18 de junho de 2014, provavelmente por algum assessor, uma vez que ele, mesmo tendo acesso às mais modernas tecnologias da comunicação, em casa e no trabalho, ainda preferia escrever na velha máquina de datilografia que adorna seu apartamento, na praia de Areia Preta.

Nascido em Ceará-Mirim no dia 16 de julho de 1932, ano em que foi instituído o voto feminino, Agnelo cresceu respirando política. O pai era prefeito de Angicos quando ele nasceu; o irmão Aluízio Alves foi deputado constituinte em 1946 e fez carreira política no Rio Grande do Norte, sendo eleito governador em 1960. Agnelo seguiu os passos do irmão. Foi prefeito de Natal, cassado pela ditadura militar, elegeu-se duas vezes prefeito de Parnamirim, suplente de Senador (assumiu o mandato entre 1997/2000) e por duas legislaturas foi uma das vozes atuantes na Assembleia Legislativa do RN.

De saúde frágil, raquítico, mas com uma inteligência privilegiada, o menino Agnelo foi obrigado a abandonar os estudos no Colégio Marista. E de uma forma dolorosa para qualquer adolescente. Numa entrevista para a revista Palumbo, ele contou como foi: “Logo no primeiro ano de Marista fui acometido de tuberculose. Fiquei nove anos afastado de qualquer aglomeração. Não podia estudar em nenhum colégio. Naquela época, a tuberculose era uma sentença de morte. Mas eu sobrevivi.”

Passou quase dois anos respirando os ares de montanha de Belo Horizonte, para onde foi enviado a pedido do médico que o tratava. Em 1955, aos 23 anos de idade, conheceu a estagiária de serviço social, Celina Aparecida Nunes, com quem se casou numa cerimônia simples na Capela Santa Mônica, no Leblon, Rio de Janeiro,cidade onde nasceram dois de seus três filhos – Agnelo Filho e Carlos Eduardo.

Foi repórter político na Tribuna da Imprensa, trabalhou no Jornal do Brasil e no Diário Carioca. Depois de anos morando numa “república” no Rio de Janeiro, foi indicado por José Aparecido de Oliveira para atuar na assessoria de imprensa do presidente Jânio Quadros, juntamente com um amigo da pauta política que também estava de mudança para Brasília: o jornalista Carlos Castelo Branco.

De volta a Natal, engajou-se nas lutas políticas e no dia a  dia do jornal – a Tribuna do Norte -, fundado pelo irmão Aluízio Alves, a exemplo do que fizera Carlos Lacerda no Rio de Janeiro, para fortalecer a luta democrática. Sócio da empresa, Agnelo sempre disse que no jornalismo nunca almejou ser mais do que “um repórter”. Tanto que, durante anos, o título de uma das colunas semanais que assinou na TN foi “Agnelo Alves, o repórter”.

Detentor de uma linguagem clara, estilo acurado e irreverente, Agnelo exercitou no jornalismo a arte das entrevistas, da análise política e do texto curto. Criou e imortalizou, durante as décadas de 1970 e 1980, a figura do “Neco”, personagem que assinava as “Cartas ao Humano”, textos de crítica de costumes, política e social com os quais exponha suas análises, ideais e também desnudava a hipocrisia e o autoritarismo da ditadura militar e dos governos estaduais nomeados por ela, driblando a censura e a truculência do regime de exceção vigente no Brasil.  

Ao ser entrevistado para a edição especial do 65º aniversário de fundação da Tribuna do Norte, em março deste ano, Agnelo lembrou, emocionado, a motivação inicial para o jornalismo político. “Carlos Lacerda tinha a Tribuna de Imprensa no Rio de Janeiro e convidou Aluízio Alves para ser redator-chefe. Certo dia ele perguntou a Aluízio por que nós não fundávamos um jornal no Rio Grande do Norte. Fizemos uma sondagem junto a algumas pessoas. Consultamos Aristófanes Fernandes e envolvemos a UDN. Aí entraram, além de Aristófanes, Dinarte Mariz, José Xavier da Cunha, Jocelin Villar e vários outros que não quiseram aparecer, mas ajudaram.” E acrescentou:  “Se fosse fazer um artigo sobre a Tribuna do Norte eu diria: A Tribuna e eu fazemos hoje 65 anos de vida, de luta, de resistência. Valeu a pena.”

Depoimentos
“Agnelo nunca deixou de ser jornalista”, sentencia Márcio Cézar Pinheiro. “Ele dizia sempre que era jornalista e estava político, manteve sempre esse veio crítico, por isso que ele deu certo. Agnelo sempre foi uma pessoa crítica das coisas, observava muito e tinha um compromisso imenso”, acrescentou.

“Ele todo dia passava na redação para a gente comentar algum assunto e sempre tivemos uma conversa muito  agradável e inteligente. Eu era muito novo, mas sempre tivemos uma relação muito boa, muito respeitosa. Era uma relação de respeito mútuo”, comenta o desembargador-presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Cláudio Santos.

“No início da década de 1970 ele fazia um comentário no informativo Jornal de Integração Estadual. Eu acordava ele todas as manhãs para fazer o comentário, de dois ou três minutos. Na época ele era cassado e o pessoal me perguntava se não era perigoso deixar Agnelo falar, mas ele sempre deixava os assuntos políticos um pouco de lado e falava sobre outros temas. Nunca tivemos problemas”, relembra o ex-diretor da Rádio Cabugi, Wellington Medeiros.

 Em depoimento para o livro “Agnelo, cinco estações e uma visão”, o jornalsita Osair Vasconcelos escreveu: “Foi flutuando no mercúrio entre o frio e o quente que Agnelo parece ter conduzido a vida. Frio, construiu a carreira de jornalista, que o alçou entre os melhores da reportagem política no Rio capital federal.Do ponto de vistas dos relacionamentos pessoais, porém, não faltarão testemunhas da outra temperatura de Agnelo. O apreço demonstrado a muitas pessoas, a solidariedade, gestos de ajuda.”

No ar, o repórter
Ao longo de 25 anos de convivência quase diária, Virginia Coelli se tornou uma discípula e amiga de Agnelo Alves. Ao lado dele e da repórter de Política da TRIBUNA DO NORTE, Anna Ruth Dantas, ela é uma das apresentadoras do Programa Panorama Político, sempre às 18h na Rádio Globo/Natal (Rádio Cabugi) AM.. Ontem, no primeiro programa sem a audiência do seu ouvinte número um, a emoção embargou a voz da apresentadora Virgínia Coelli.
Agnelo no “Panorama Político”: a análise cotidiana do fatos
“Com ele, aprendi praticamente tudo. Ele gostava de ser repórter, eu também. A cada notícia, vibrávamos. A identificação pelo jornalismo era surpreendente”, relatou emocionada. Além de ter ensinado questões e características da política local, Agnelo Alves mostrou que era preciso sem imparcial e separar bem os posicionamentos políticos dos jornalísticos. “Na hora do jornalismo, ele separava muito bem a opinião política da jornalística. Isso é exemplar. Não havia cerceamento de argumentos,” disse a jornalista.
Fora do país, a jornalista e apresentadora do Panorama Político, Anna Ruth Dantas, não esteve presente nas despedidas a Agnelo Alves. Em seu blog no portal da TRIBUNA DO NORTE, ela postou um texto no qual exprime sua admiração, respeito e carinho que construiu ao longo de oito anos de trabalho conjunto com o jornalista Agnelo Alves e Virgínia Coelli. “A fórmula do programa, distinto de todos os demais, foi dada pelo próprio Agnelo. O Panorama Político era a conversa do início de noite, um balanço das notícias com comentários, uma boa pitada de bom humor e o papo de amigos”, relatou Anna Ruth Dantas.

A prisão e a cassação
Bastaram duas notas em outra coluna, a de Esportes, com mensagens consideradas pelos militares subliminares e subversivas, mas de autoria jamais conhecida, para a prisão do então prefeito e posterior perda do mandato. Além dele,  o então editor-chefe do jornal, Cassiano Arruda Câmara, e o responsável pela oficina de impressão do periódico, Baltazar, também foram detidos.

Na madrugada do dia 16 de maio de 1969, uma sexta-feira, uma misteriosa mulher loira dirigindo um veículo da marca Volkswagen chegou na oficina do jornal e entregou um bilhete, supostamente assinado por Agnelo Alves. A Baltazar. Ela saiu sem se identificar. As notas faziam menção a um jogador chamado “Duque” que, para reforçar um time de futebol local, ainda “estaria na estrada”. Os militares entenderam que era uma alusão ao general Hildebrando Duque Estrada, comandante da Guarnição em Nata.

As prisões ocorreram sem que os três acusados – Agnelo, suposto autor da nota; Cassiano, editor responsável pelo jornal; Baltazar, o gráfico – tivessem chance de defesa. Sumariamente, Agnelo Alves perdeu o mandato de prefeito. Cassiano Arruda Câmara ficou 49 dias preso. Agnelo foi solto logo em seguida e voltou a assinar publicações sob o pseudônimo de Neco. Baltazar saiu do Quartel General do Exército poucos dias após o episódio. Cassiano só foi liberado após ser julgado e absolvido por falta de provas.

Ao longo da vivência com Agnelo Alves, Cassiano Arruda Câmara afirmou ter vivido três momentos distintos. “A partir de 1963, quando entrei na TN como foca e ele era referência como jornalista combativo. Depois, na década de 70, quando eu saí do jornal e trilhei novos caminhos, passamos a colidir, brigar mesmo e fomos até ao exagero. Anos depois, nos idos de 1990, nos reconciliamos e prometemos almoçar juntos uma vez por semana. Lavamos a roupa suja e fizemos um pacto”, relembrou o jornalista Cassiano Arruda Câmara. Juntos, Agnelo e Cassiano foram atores principais de um dos fatos mais marcantes da história recente do estado potiguar.

Sobre a atuação política e o legado de Agnelo Alves, Cassiano Arruda Câmara destacou a história de Parnamirim antes e depois da administração de Agnelo Alves.  Além disso, apontou que Agnelos esteve presente nos episódios mais importantes da política local e não deixou de escrever, mesmo na Ditadura.

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