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Amor de igual

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Isaac Ribeiro – repórter

Atenção jovens mancebos paqueradores. É bom estarem atentos na hora das piscadelas e cantadas fortuitas nas festas, bares ou shows, pois do lado de sua pretendente, de olho em você, pode estar a namorada… dela! Sim, porque é cada vez mais frequente casais de meninas na faixa dos 18 anos — às vezes um pouco mais, um pouco menos — de mãos dadas, trocando carinhos e até mesmo beijos em locais públicos. Mas afinal, mudaram as meninas ou mudou a sociedade?
Aumenta o número de homessexuais meninas. A sociedade que mudou ou foram elas?
O preconceito ainda é grande, é verdade, mas sente-se também uma aceitação muito maior. Afinal, faz tempo que lutamos por igualdade de direitos, liberdade sexual e de expressão e mais tolerância para todos.

E o que será que os pais pensam disso? Muitos preferem culpar as amizades ou a influência da mídia, com o número crescente de personagens gays, seja em reality shows ou, principalmente, em novelas.

Revelar-se, assumir-se homossexual é um momento delicado e de libertação, quase sempre envolto em conflitos, medos, incertezas e preconceito, tanto para quem assume quanto para a família. Além de uma certa frustração por parte de alguns pais, abastecidas na tradição, há também a preocupação de proteger os rebentos dos intolerantes e da violência que se vê hoje nas ruas e estampadas nos noticiários. 

A psicóloga Débora Sampaio escolheu a homossexualidade das meninas adolescentes como tema de seu doutorado, motivada, entre outros, pelo aumento de casos de pais preocupados com a opção sexual de suas filhas, em busca de orientação.

De acordo com o que ela tem observado em seu cotidiano de consultas, os conflitos são maiores nos pais; muito menos do que nas garotas. Neles, logo após a revelação, surgem os questionamentos e a busca por um culpado, mesmo que sejam eles próprios. “Onde foi que eu errei?”, “O que foi que eu fiz?”, “Foi porque eu me separei?”, “Será que não dei muita atenção a ela?”, “Será que foi porque eu não a acompanhei?”

Débora Sampaio ressalta ser a adolescência um período de muita vulnerabilidade, onde abrem-se os caminhos para as experimentações. Sem generalizar, nada é definitivo nessa fase; a menina pode ficar com a amiga, o rapaz pode ficar com o amigo, e mesmo assim não serem homossexuais de fato, como argumenta a psicóloga.

“É o momento em que o jovem consolida a sua identidade sexual, que muitas vezes já vem desde infância. Pode ser ocasional, situacional? Pode! Por exemplo, a adolescente pode ter ido para uma festa com as amigas e elas convidarem para experimentar como é ficar com uma menina… Pode ser, por influência, a experimentação.” Porém, segundo ela, o ato de assumir-se homossexual dificilmente é motivado apenas por influência.

“A identidade homossexual não é escolha. Isso é muito claro. Mas também não é doença e nem perversão, como se colocava antigamente. Até a década de 40, eu acho, existia no CID-10 (Código de Classificação Internacional das Doenças), o homossexualismo como doença. Mas isso já foi retirado. Não falamos nem mais ‘homossexualismo’, porque o termo “ismo” já dá o indicativo de patologia. Falamos de ‘homossexualidade’ porque tem a ver com sexualidade. Então, no caso, a homossexualidade não é doença”, analisa a psicóloga.

Para contar a história abaixo, chamaremos nossa personagem apenas por “B”, hoje com 16 anos. Ela lembra que aos nove anos já “namora” uma vizinha sua da mesma idade. Brincavam de casinha e ela sempre assumia o papel do pai, mesmo que apenas em seus pensamentos — o que, para “B”, sempre foi muito natural.

As lembranças de suas primeiras fantasias — desejos? —  são bem claras até hoje. E não precisou de incentivo de ninguém, ela conta. “Lembro-me uma vez que minha mãe me levou ao circo. Eu pirei pela Tiazinha da época. Ela dançava quase nua e depois disso eu ficava pensando no quanto ela era bonita e atraente. E então comecei a perceber que era das meninas que eu gostava.”
O tempo passou, menos aquele sentimento. Seus pais descobriram tiveram uma reação até “razoável”. O pai ficou bem triste e a mãe disse já ter percebido há muito tempo. Mesmo admitindo a insatisfação, preferiram não interferir. “Não demorou e ficou tudo bem”, diz.

“B” concorda com o aumento de casais homossexuais e que não é difícil encontrar duplas de meninos e de garotas, principalmente, em qualquer lugar que se vá. Mas ela diz não gostar de estar com sua namorada em determinado local e perceber os homens olhando e “pensando coisas horríveis” sobre ela.

“Por ser algo que chama atenção de todos, acho melhor evitar a exibição. Acho que é com respeito que iremos conquistar o que desejamos. Ah… eu penso que hoje em dia as pessoas são mais livres, têm a cabeça mais aberta para tudo e com isso deixam de se reprimir e agem como querem.”

Sem acreditar muito em uma possível “colaboração” de personagens gays em novelas na tevê aberta como forma de incentivo para que os mal-resolvidos se assumam, nossa personagem considera ter a mídia o papel fundamental no suporte social a quem se sente discriminado em seu próprio meio, fortalecendo a coragem de enfrentar todos aqueles que acham que ser gay é ser diferente.

Débora Sampaio » psicóloga

 “A homossexualidade feminina é mais invisível”

O interesse da psicóloga e professora universitária Débora Sampaio pelo estudo da homossexualidade feminina na adolescência surgiu depois de sua dissertação de mestrado, cujo tema  foi o consumo de álcool pelas meninas. O aumento no número de pais atendidos em seu consultório,  preocupados coma a orientação sexual das filhas, principalmente, a tem motivado ainda mais a se aprofundar no estudo em um doutorado. Confira alguns trechos da entrevista concedida ao TN Família.

Atende muitos casos de conflitos de pais com a escolha sexual de suas filhas?
Eu tenho recebido muitos casos de meninas com 13, 14, 15 anos, que os pais trazem porque descobriram que estavam tendo uma relação, ou que ficaram, estavam namorando com outras colegas. Normalmente, a preocupação é mais dos pais. Às vezes, as meninas podem até ter o conflito. Por exemplo, eu já vi situações aqui que elas tinham ficado com uma amiga mas que às vezes o sentimento é confuso, que não sabia se porque eram muito amigas, porque andavam sempre juntas, porque dormiam uma na casa da outra ou se, de fato, era uma paixão mesmo, ou se era algo de um carinho muito grande. Então, às vezes também existe a confusão da adolescente.

Esse “ficar” estaria no campo apenas do desejo platônico ou de já ter tido contato sexual mesmo?
A maior parte dos casos que recebo aqui na clínica não tem tido ainda o contato sexual; já tem ficado, de beijo, abraço, carinho, mas a relação sexual ainda não tem acontecido. No caso de meninos, percebo que começa mais cedo. Já atendi casos de meninos de 13, 14, 15 anos que já tinham iniciado uma vida sexual, sendo homossexuais do sexo masculino. Tenho recebido meninas na faixa a partir dos 15 anos, 16, 17 anos.  O que acontece? A homossexualidade feminina é mais invisível porque as meninas têm mais liberdade e contato entre elas. Uma menina vai para a casa da outra, elas trocam de roupa juntas, às vezes tomam banho juntas, dormem juntas na mesma cama… É diferente do menino, que não tem esse tipo de contato tão íntimo na adolescência. Eles não tomam banho juntos, não dormem juntos na mesma cama; existem alguns pudores nos meninos que com relação às meninas acaba passando mais despercebido, acaba sendo uma coisa mais invisível. Às vezes, nós temos esse esteriótipo de que a homossexual feminina, a lésbica, ela é masculina; e não necessariamente. Às vezes são extremamente femininas e delicadas. Então, ela acaba sendo mais invisível socialmente; e até para as próprias famílias.

É notório o aumento de casais de meninas juntas, de mãos dadas, trocando carinhos, se beijando, em shows, festas, bares, nos shoppings. Mais até que casais de meninos. Na sua opinião, esse comportamento assumido e desafiador é reflexo de quê?
Ao longo da história, essa questão da homossexualidade sempre existiu. Por exemplo, alguns autores apontam que na Idade Média era muito comum, mas sempre muito direcionado para os meninos. Meninos iniciavam a vida sexual com homens mais velhos, troca-troca… E com relação às meninas, o que aconteceu? Aí vem toda essa questão do movimento feminista, da revolução sexual,  a própria criação da pílula anticoncepcional, a questão da liberdade sexual da mulher; de fato a mulher tem tido mais liberdade e espaço para se assumir quanto homossexual, o que quer dizer que não existia antes. Mas como eu coloquei, era mais invisível socialmente. Agora, hoje, o que se questiona é o exagero no sentido do estímulo, da grande exposição, como se de algum modo a sociedade tivesse até estimulando essa questão bissexual. Por exemplo, é muito comum os adolescentes, antes de ele se assumirem homossexuais, eles se assumirem bissexuais. É como se fosse pra ir preparando. Hoje eu vejo como normal ser bissexual. Eu vejo os adolescentes dizendo: “É porque eu fiquei com uma menina; não, fiquei com menino; acho que sou bi”. Então, o que se questiona também hoje é a naturalização da bissexualidade, do estímulo, do que tudo é “normal”, do “faz parte”, e isso está tudo muito comum no discursos dos adolescentes.

E qual a reação dos pais? Eles estão preparados para receber a notícia que seu filho ou filha é homossexual?
Não. Normalmente, o apoio emocional deve ser dado até mais para os pais. Mas eles fazem: “Tratem da minha filha”. É como se o psicólogo fosse mudar, corrigir o comportamento da adolescente; como se a gente pudesse fazer a pessoa mudar de ideia, de opção. E, normalmente, os pais quando descobrem eles se revoltam, se angustiam, por que vem uma frustração muito grande. Eles têm muitos desejos para aquele filho que está ali, de ter netos, de ver a filha casando, entrando na igreja de véu e grinalda, muitas expectativas. É uma grande frustração; eles não sabem como lidar com isso, começam a buscar culpados, vem uma culpa muito grande — “O que foi que eu fiz?” ou “O que foi que eu não fiz para que isso acontecesse?”. Os pais vivem, na maior parte dos casos, um luto. Luto no sentido de sonhos, expectativas que tinham em relação aquele filho, que eles vêm indo por água abaixo.  

DEPOIMENTOS:

Os depoimentos abaixo foram enviados por e-mail e concedidos sob a condição de se preservar a fonte. Portanto, para evitar exposições e possíveis constrangimentos, resolvemos não usar nenhum tipo de identificação.  As entrevistas completas estão no site da TN Online (www.tribunadonorte.com.br).

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“Não sei precisar se hoje é mais ‘comum’ ou se as mulheres estão menos ‘temerosas’ mas, sim, concordo que hoje em dia vemos mais casais de meninas trocando afeto em público. Nunca tolhi minhas vontades de estar perto de quem gosto, fazer um carinho, dar um beijo ou pegar na mão, mas respeito o local e aqueles que estão nele.”

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“Tudo começou aos 15 anos, quando comecei a desconfiar dos meus sentimentos por minha melhor amiga, eu pensava muito nela e sentia algo diferente, não entendia muito bem o que estava sentindo. Até o dia em que ela começou a namorar um garoto, então senti um ciúme tremendo.”

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“Já beijei uma garota em público, mas ainda me sinto apreensiva e preocupada com as pessoas ao redor. Então pelo fato de ainda não me sentir bem procuro ser mais discreta.”

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 “Acho importante que as pessoas vejam e comecem a conviver com isso em seu dia a dia público, assim elas começaram a ver que é algo normal. Temos que quebrar esse tabu.”

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“Alguns adolescentes vêm o ato de ficar com pessoas do mesmo sexo como algo transgressor e, nessa fase, o que é transgressor é legal e vira moda. Logo, alguns adolescentes acabam ficando com o mesmo sexo por modismo. Mas não vejo isso como um problema.”

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“Se comparado a algum tempo atrás, certamente é mais comum de se ver, mas, a sociedade ainda não considera uma atitude ‘comum’ aos seus olhos. Eu também tinha esse comportamento até ser sido jogada no chão por ter dado um beijo em minha namorada em uma festa da UFRN. Infelizmente, após esse episódio, fomo obrigadas a agir com mais discrição, sem nos permitirmos as mesas atitudes dos casai ‘normais’, não por falta de vontade ou direito, mas por medo de outra bofetada..”

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“Hoje em dia a coisa está totalmente mais aberta. Em todo tipo de festa se encontra um casal homossexual aos beijos. Eu não costumo ter esse tipo de comportamento, depende muito do tipo de festa e do ambiente. Faço carinho na minha namorada, sem problemas, qualquer pessoa percebe que eu estou com ela.”

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“Considero-me bissexual por não excluir a possibilidade de me envolver com algum homem um dia. Já tive paixões por meninos na adolescência. Gosto de ser livre e ter as possibilidades para escolher. Mas quando penso em ficar com alguém e paquerar, sair pra balada, são mulheres que procuro.”

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“Eu até me espanto com essa liberdade toda. Mas acho ótimo! Acho lindo! Admiro a coragem e o despudor dessas garotas. Eu me comportava assim até meus 24 anos… Hoje tenho uma postura mais discreta. Acredito que isso possa interferir na minha vida profissional. Então evito extravagâncias. Não acho agradável me deparar com duas pessoas se beijando desesperadamente, mas isso também vale para casais héteros.”

“Eu sempre soube que eu era ‘diferente” das meninas do meu convívio. Foi muito difícil eu mesma me aceitar. Mas quando eu tinha 15 anos conheci uma amiga que era homossexual e era bem resolvida com ela mesma. Acabou que ela de certa forma me esclareceu e me mostrou que eu não tinha reprimir as minhas vontades, os meus desejos, a minha natureza por causa da sociedade.”

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