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Amor, sim. Mas que amor? (3)

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Jorge Boucinhas

Neste fim-de-semana termina-se de discorrer sobre a forma romântica de amar, quiçá a mais citada e recitada na literatura. Já vistos alguns dos seus aspectos e feita uma tentativa de rever suas razões últimas (e geralmente inconscientes), prossegue-se agora a tessitura de considerações sobre ele, que tem sido dado por um dos motores que ajudaram a justificar a crença da espécie humana na existência de possibilidade de felicidade no plano terreno. 

Afora as idéias já mencionadas, uma outra Teoria, dita “do Apego”, apresenta-se como forma interessante de abordar suas prováveis causas. Formulada pelo inglês John Bowlby, psicanalista (e por isto mesmo fortemente eivada de concepções freudianas), sugere que a atitude da pessoa frente ao amor é ditada pela relação mantida no início da vida com seus pais, os primeiros provedores, a figura preponderante sendo a mãe.  Conforme o grau de confiança estabelecido com eles, podem estabelecer-se três padrões de relacionamento: o de tipo “seguro” (quando o bebê sente-se envolto por proteção e afeto), o de tipo “esquivo” (quando se sente só e desamparado) e o de tipo “ansioso” (quando ora sente-se protegido ora abandonado). Obviamente os indivíduos que  foram submetidos a um tipo “seguro” terão muito mais probabilidade de conseguir estabelecer relacionamentos satisfatórios e de longa duração, enquanto os que tiveram um de tipo “ansioso” nunca terão certeza de serem plenamente aceitos pelos companheiros. Os “esquivos” sofrerão por ficarem marcados por tão grande temor de serem machucados que só excepcionalmente chegarão a criar laços profundos com outrem.

Voltando-se à natureza íntima da paixão, torna-se ao pensar de Freud, que assimilou-a à loucura e deixou escrito que ela, literalmente, “vira” qualquer cabeça. A pessoa apaixonada perde seu auto-domínio e, junto com isto, perde a capacidade de executar uma análise objetiva do ser objeto de sua irracionalidade: a idealização torna-se inevitável e a imaginação solta-se. Uma simples atenção, como um pequeno regalo, passa a ser encarado como declaração amorosa, e a mulher adquire, aos olhos do homem que a deseja (ou vice-versa), os ares de princesa encantada (ou príncipe, conforme o caso). O alvo do erotismo transforma-se, virando a imagem amada um receptáculo onde vai sendo agregado tudo de bom que é possível se conceber.  

Apenas o tempo (ou um grande desilusão) poderá fazer arrefecer a tensão emocional e permitirá ver o(a) amado(a) tal como é (e olhe-se que isto inclui a improvável idéia que alguém pode chegar a conhecer verdadeiramente outrem!). Aliás, esse momento é particularmente delicado.  Para o psiquiatra e psicanalista francês Robert Neuburger, pode a ser o momento mais importante na história de um casal, pois é quando os dois abandonam o seu narcisístico isolamento individual em si mesmos para formar um grupo, embora, também narcisisticamente, só um grupo dual.

O senão maior, porém, é que as qualidades, reais ou fictícias, que atraíram um indivíduo para o outro podem tornar-se, com o passar do tempo, defeitos insuportáveis. Em trabalho realizado na California University uma psicóloga entrevistou mais de trezentas pessoas que discorreram sobre affaires amorosos já findos. Quem sentira atração por um parceiro devido suas expressões e atos muito diretos e objetivos referiu que, com o decorrer do tempo, o que antes parecia maravilhosa sinceridade passou a ser encarado como rudeza e falta de tato. Em outros casos, o que inicialmente fora percebido como um atraente humor brincalhão passou a ser visto como tendência a fazer palhaçadas.

Com base nesta constatações (e em outras similares), o que fazer para contornar a tendência de o fim da lua-de-mel transformar-se no início do desabamento do relacionamento? Para os estudiosos do assunto parece haver uma maneira: já na fase do enamoramento antever e aceitar que surgirão diferenças e será preciso encarar os defeitos e as limitações do parceiro. Só então será possível o pleno conhecimento recíproco, imprescindível ao aprofundamento da relação. E é bom lembrar que próceres da Psicologia não crêem que, obrigatoriamente, ao encantamento deva-se seguir a frustração.  Pode seguir-se um amor mais profundo e tranquilo. 

Ademais, cabe aqui a velha e insistente questão: melhor tal amor sereno ou a paixão? Usa-se dizer que o primeiro é o mais importante, mas parece certo é que cada qual tem seu valor e seu tempo.  Evolui-se de um para o outro, ambos merecem seu lugar, pois vive-se só um dia de cada vez – e deve-se-o usufruir bem. Carpe diem!

Até a próxima semana!

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