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Anotações para um livro de memórias

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Nei Leandro de Castro – escritor

A Praça Pio X era um dos lugares mais bonitos da cidade. Havia um coreto no meio da praça e as meninas circulavam por ele, lançando olhares furtivos para os rapazes. Mas como era difícil arranjar um namoro com uma daquelas moçoilas! Foi na Praça Pio X que tive uma das maiores emoções de minha vida: ver e ouvir de perto Luiz Gonzaga, com sua safona, com seus xotes e baiões. Inesquecível!

Perto da Praça Pio X, na Av. Floriano Peixoto, conheci Margarida. Era de Recife e passava as férias escolares na casa de umas primas. Foi uma paixão avassaladora à primeira vista. Bonita, muito bonita, era cobiçada por toda a macharia da cidade. Não sei por que, resolveu namorar comigo. Certo dia, fui com Leonardo Godoy a Recife, só pra ver o meu amor. Tomei um porre no Bar Savoy e estraguei o nosso namoro para sempre. Fui à agência da Varig, onde Margarida trabalhava, e por puro ciúme cobri Margarida de palavrões, na frente de todo mundo.

Quando voltei a Natal, para me vingar de mim mesmo, casei com uma mulher que não tinha beleza, nem bondade, nem juízo. Com um mês de casamento, recebi uma caixa de Margarida. Ingenuamente, resolvi abrir a caixa na frente da mulher com quem eu estava casado.  Eram todas as cartas e poemas de amor que eu havia feito para a minha namoradinha de Recife. Foi o primeiro grande escândalo de um casamento desastrado.

Com sete anos de casamento, depois de uma das dezenas de brigas do casal, saí de casa com a roupa do corpo, peguei um ônibus e fui para em Salvador, onde Godoy estava morando. De lá, fui para o Rio de Janeiro, onde Moacy Cirne me deu um grande apoio. Em seguida, fui para Lisboa, pois havia  ganho uma bolsa de estudos da Fundação Calouste Gulbenkian.  Em Lisboa, conheci o poeta Ernesto Manoel de Mello e Castro, que me apresentou a Esmeralda, uma lisboeta que fora modelo em Paris e estava de volta a Portugal. Outra paixão fulminante. Eu estava morando com Esmeralda, que estava grávida de três meses, quando me veio uma notícia de Natal, através de uma amiga. A carta da amiga dizia que minha filha Simone estava perdendo a visão e   um médico dissera que era problema emocional, falta do pai. Larguei tudo, inclusive um curso no Instituto Francês de Imprensa, em que eu estava matriculado, e corri de volta para Natal. Tudo não passava de uma das muitas farsas de que fui vítima.

O meu casamento só teve algo de útil. Depois de ler a obra de Guimarães Rosa, resolvi fazer uma pesquisa sobre a sua linguagem. Durante cinco anos, nos momentos de folga, eu me trancava num quarto, lia e anotava os livros de GR, particularmente o “Grande Sertão: Veredas”. Nunca fui interrompido ou importunado durante essas minhas leituras, o que era algo milagroso.

Ao escrever a introdução desse livro, fui ao Rio de Janeiro, só para mostrar os originais a GR, que trabalhava no Itamaraty. A secretária de Guimarães Rosa me impediu de me aproximar do meu escritor favorito, apesar dos meus rogos. Pouco tempo depois, após tomar posse na Academia de Letras, GR morreria de um infarto.

Pensamento da semana: “País bonito e um país sem feiúra.” (C. Arlini)

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