Ramon Ribeiro
Repórter
“Torturas de Amor” reúne 12 narrativas inéditas de escritores como
Bráulio Tavares e Astier Basílio, a partir de canções bregas
As letras que se encaixam nesse gênero musical geralmente são inspiradas em histórias reais de desilusões amorosas profundas, não raro vividas pelos próprios compositores. Mas tanto quanto música, o brega é literatura. Tanto que, num movimento inverso de inspiração, digamos assim, um time de escritores do nordeste partiu de clássicos da música brega para escrever uma série de contos. O resultado está no livro “Torturas de Amor” (editora Penalux, 2019), organizado pelo jornalista e historiador campinense Bruno Gaudêncio. A obra foi lançada na última semana em Campina Grande e nos próximos meses chegará em outras cidades do Nordeste. Em Natal não tem nada confirmado, mas o autor adoraria aparecer por aqui com o livro.
“O brega é narrativo, fala de amor e tragédia – e de cornidão”, conta Gaudêncio por telefone, reforçando que o brega é um campo vasto para a literatura. “Odair José mesmo fala que os compositores bregas são cronistas do simples”.
Odair, por sinal, é um dos artistas lembrados no livro, com a música “Eu vou tirar você deste lugar”. Outros sucessos que inspiraram contos são “A Beleza da Rosa” (gravado por José Ribeiro); “Entre espumas” (gravado por Roberto Muller); “Você é doida demais” (Lindomar Castilho); “Tortura de Amor” (Waldick Soriano), de onde o título do livro foi emprestado; “É impossível acreditar que eu perdi você” (Márcio Greych); dentre outros, totalizando 12 contos.
Segundo Gaudêncio, ele fez uma primeira seleção de músicas reunindo algo em torno de 30 canções. O recorte foi o de só usar os clássicos, aquelas canções que bateram recorde de vendas e audiência nas rádios entre o final dos anos 60 e início dos 80. Para escrever os contos, sua ideia foi a de só convidar autores do Nordeste. “Esse recorte do Nordeste é porque a maioria dos artistas do brega eram nordestinos”, diz o organizador. Originalmente ele pretendia contar com escritores de todos os estados da região, mas não obteve retorno dos convidados de Sergipe e do Rio Grande do Norte – por aqui, o jornalista e escritor Thiago de Góes se aventurou por essa relação Brega e Literatura com o livro “Contos Bregas” (Jovens Escribas, 2005). No final, Gaudêncio conseguiu 12 contos, o que lhe pareceu suficiente.
Como é bem comum as músicas bregas tratarem de dor de cotovelo, o organizador também procurou dar uma diversidade de temas. “No brega tem muita música que fala de carro, tem umas que citam animais. E outra coisa, o ponto de vista muitas vezes é machista. Então procurei também chamar escritoras, até para vermos um olhar feminino sobre as músicas”, comenta.
O time de autores conta com sete homens e cinco mulheres. Alguns tem abrangência apenas em seus estados, outros, como o escritor e compositor Braúlio Tavares, são conhecidos nacionalmente. “O Bráulio até lembrou que tem um brega composto em sua carreira. Mas não chegou a fazer sucesso algum”, conta Gaudêncio. Além de Braúlio, participam do livro Adrianne Myrtes, André Balaio, Astier Basílio, Bruno Azevêdo, Débora Ferraz, Joana Belarmino de Sousa, Kátia Borges, Ricardo Kelmer, Roberto Menezes da Silva, Tiago Germano e Vanessa Trajano.
Brega em alta entre jovens
Antes de “Torturas de Amor”, Bruno Gaudêncio já tinha organizado outras coletâneas, como “Inventário lírico da rainha da Borborema: 150 anos de Poesia” (A União, 2014), juntamente com José Edmílson Rodrigues, e “O Demônio de cada um” (Penalux, 2016). Sobre a motivação para o livro novo ele explica que veio de uma constatação.
Bruno Gaudêncio selecionou canções com diversidade de temas: “O brega é narrativo, fala de amor e tragédia”
“Eu vou tirar você deste lugar”, de Odair José; inspirou Adrianne Myrtes
“Fuscão preto”, gravado por Almir Rogério; inspirou André Balaio
“A Beleza da Rosa”, gravado por José Ribeiro;inspirou Astier Basílio
“Se meu amor não chegar”, gravado por Carlos André; inspirou Braúlio Tavares
“Garçom”, de Reginaldo Rossi; inspirou Bruno Azevêdo
“Tortura de Amor”, de Waldick Soriano; inspirou Débora Ferraz
“A Cruz que carrego”, gravado por Evaldo Braga; inspirou Joana Belarmino de Sousa
“Você é doida demais”, de Lindomar Castilho; inspirou Kátia Borges
“Eu não sou brinquedo”, gravado por Genival Santos; inspirou Ricardo Kelmer
“Eu não sou cachorro não”, de Waldick Soriano); inspirou Tiago Germano
“Entre espumas”, gravado por Roberto Muller; inspirou Vanessa Trajano.
Trecho
Trecho do conto “Paula Klee não curte Odair”, de Adrienne Myrtes, inspirado na música “Eu vou tirar você deste lugar”, de Odair José:
“Vou dizer pra você que ela é puta. Puta. Vamos dar nome à manada. Essa conversinha de garota de programa pra elas se sentirem melhor, pensarem que são iguais a todo mundo, nunca colou comigo. Garotas de programa, no meu tempo, eram a Xuxa, a Angélica, Eliana e até a Mara Maravilha que hoje é serva do senhor. Amém. Paula Klee é puta e exerce o ofício com gosto e talento nato. É proativa, domina a logística da cama, oferece serviços extras ao solicitado. Agrega valor ao que faz. Tudo negociado na base dos adicionais ao preço original, é preciso esclarecer. Fato é que as coisas foram claras entre nós desde o início, sem firulas, sem floreios. Paula se encaixou com perfeição nos meus princípios: homem é homem, mulher é mulher e puta é puta; o resto é perfumaria. E o cheiro dela, meu amigo, o cheiro dela”.