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Ao som de contos bregas

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Ramon Ribeiro
Repórter

“Eu já não consigo mais viver dentro de mim, e viver assim, é quase morrer. Venha me dizer sorrindo que você brincou e que ainda é meu, só meu, o seu amor”, diz os versos da canção que consagrou o cantor Márcio Greyck, deixando-o, inclusive, à frente do Rei Roberto Carlos nas paradas de sucesso do início dos anos 70. “É impossível acreditar que eu perdi você”, a tal música, é a típica letra dor de cotovelo, um clássico do que se convencionou chamar de Brega.

“Torturas de Amor” reúne 12 narrativas inéditas de escritores como Bráulio Tavares e Astier Basílio, a partir de canções bregas


“Torturas de Amor” reúne 12 narrativas inéditas de escritores como
Bráulio Tavares e Astier Basílio, a partir de canções bregas

As letras que se encaixam nesse gênero musical geralmente são inspiradas em histórias reais de desilusões amorosas profundas, não raro vividas pelos próprios compositores. Mas tanto quanto música, o brega é literatura. Tanto que, num movimento inverso de inspiração, digamos assim, um time de escritores do nordeste partiu de clássicos da música brega para escrever uma série de contos. O resultado está no livro “Torturas de Amor” (editora Penalux, 2019), organizado pelo jornalista e historiador campinense Bruno Gaudêncio. A obra foi lançada na última semana em Campina Grande e nos próximos meses chegará em outras cidades do Nordeste. Em Natal não tem nada confirmado, mas o autor adoraria aparecer por aqui com o livro.

“O brega é narrativo, fala de amor e tragédia – e de cornidão”, conta Gaudêncio por telefone, reforçando que o brega é um campo vasto para a literatura. “Odair José mesmo fala que os compositores bregas são cronistas do simples”.

Odair, por sinal, é um dos artistas lembrados no livro, com a música “Eu vou tirar você deste lugar”. Outros sucessos que inspiraram contos são “A Beleza da Rosa” (gravado por José Ribeiro); “Entre espumas” (gravado por Roberto Muller); “Você é doida demais” (Lindomar Castilho); “Tortura de Amor” (Waldick Soriano), de onde o título do livro foi emprestado; “É impossível acreditar que eu perdi você” (Márcio Greych); dentre outros, totalizando 12 contos.

Segundo Gaudêncio, ele fez uma primeira seleção de músicas reunindo algo em torno de 30 canções. O recorte foi o de só usar os clássicos, aquelas canções que bateram recorde de vendas e audiência nas rádios entre o final dos anos 60 e início dos 80. Para escrever os contos, sua ideia foi a de só convidar autores do Nordeste. “Esse recorte do Nordeste é porque a maioria dos artistas do brega eram nordestinos”, diz o organizador. Originalmente ele pretendia contar com escritores de todos os estados da região, mas não obteve retorno dos convidados de Sergipe e do Rio Grande do Norte – por aqui, o jornalista e escritor Thiago de Góes se aventurou por essa relação Brega e Literatura com o livro “Contos Bregas” (Jovens Escribas, 2005). No final, Gaudêncio conseguiu 12 contos, o que lhe pareceu suficiente.

Como é bem comum as músicas bregas tratarem de dor de cotovelo, o organizador também procurou dar uma diversidade de temas. “No brega tem muita música que fala de carro, tem umas que citam animais.  E outra coisa, o ponto de vista muitas vezes é machista. Então procurei também chamar escritoras, até para vermos um olhar feminino sobre as músicas”, comenta.

O time de autores conta com sete homens e cinco mulheres. Alguns tem abrangência apenas em seus estados, outros, como o escritor e compositor Braúlio Tavares, são conhecidos nacionalmente. “O Bráulio até lembrou que tem um brega composto em sua carreira. Mas não chegou a fazer sucesso algum”, conta Gaudêncio. Além de Braúlio, participam do livro Adrianne Myrtes, André Balaio, Astier Basílio, Bruno Azevêdo, Débora Ferraz, Joana Belarmino de Sousa, Kátia Borges, Ricardo Kelmer, Roberto Menezes da Silva, Tiago Germano e Vanessa Trajano.

Brega em alta entre jovens
Antes de “Torturas de Amor”, Bruno Gaudêncio já tinha organizado outras coletâneas, como “Inventário lírico da rainha da Borborema: 150 anos de Poesia” (A União, 2014), juntamente com José Edmílson Rodrigues, e “O Demônio de cada um” (Penalux, 2016). Sobre a motivação para o livro novo ele explica que veio de uma constatação.

“Desde jovem escuto música brega por causa dos meus pais que gostavam e por causa de uma vizinha. E também tem o rádio, com o programa Postal Sonoro e suas músicas melodramáticas. Então eu já tinha esse imaginário. Mas percebi outra coisa. Vi que tinham coletâneas de contos baseados em músicas de Noel Rosa, Raul Seixas, Chico Buarque, Beatles, mas nada parecido com o brega, uma música de narrativa forte e com grande presença no Nordeste”, justifica.

Bruno Gaudêncio selecionou canções com diversidade de temas: “O brega é narrativo, fala de amor e tragédia”


Bruno Gaudêncio selecionou canções com diversidade de temas: “O brega é narrativo, fala de amor e tragédia”

O historiador acha que nos últimos 15 anos houve um retorno daquele brega dos anos 70, atingindo nesse sentido, um público novo. “O brega caiu novamento no gosto das pessoas. Tem um público nostálgico, mas também muitos jovens que estão descobrindo todos esses compositores antigos. A gente vê também algumas versões novas, com som diferente. Teve o Caetano Veloso e o Zeca Baleiro que regravaram algumas coisas. Isso também ajuda a trazer o brega de volta”, reflete o Gaudêncio. “E diferente do passado, quando o brega era marginalizado, a gente vê nesses últimos anos até uma aceitação nas universidades.  O próprio Bruno Azevedo, que participa do livro e tem toda uma literatura na estética brega, é um sociólogo com estudos sobre esse tipo de música no Maranhão. O brega vive um bom momento”.
Músicas e contos
“Eu vou tirar você deste lugar”, de Odair José; inspirou Adrianne Myrtes

“Fuscão preto”, gravado por Almir Rogério; inspirou André Balaio

“A Beleza da Rosa”, gravado por José Ribeiro;inspirou Astier Basílio

“Se meu amor não chegar”, gravado por Carlos André; inspirou Braúlio Tavares

“Garçom”, de Reginaldo Rossi; inspirou Bruno Azevêdo

“Tortura de Amor”, de Waldick Soriano;  inspirou Débora Ferraz

“A Cruz que carrego”, gravado por Evaldo Braga; inspirou Joana Belarmino de Sousa

“Você é doida demais”, de Lindomar Castilho;  inspirou Kátia Borges

“Eu não sou brinquedo”, gravado por Genival Santos; inspirou Ricardo Kelmer

“É impossível acreditar que eu perdi você”, de Márcio Greyck; inspirou Roberto Menezes da Silva

“Eu não sou cachorro não”, de Waldick Soriano); inspirou Tiago Germano

“Entre espumas”, gravado por Roberto Muller; inspirou Vanessa Trajano.

Trecho
Trecho do conto “Paula Klee não curte Odair”, de Adrienne Myrtes, inspirado na música “Eu vou tirar você deste lugar”, de Odair José:

“Vou dizer pra você que ela é puta. Puta. Vamos dar nome à manada. Essa conversinha de garota de programa pra elas se sentirem melhor, pensarem que são iguais a todo mundo, nunca  colou  comigo.  Garotas  de  programa,  no  meu  tempo, eram a Xuxa, a Angélica, Eliana e até a Mara Maravilha que hoje é serva do senhor. Amém. Paula Klee é puta e exerce o ofício com gosto e talento nato. É proativa, domina a logística da cama, oferece serviços extras ao solicitado. Agrega valor ao que faz. Tudo negociado na base dos adicionais ao preço original, é preciso esclarecer. Fato é que as coisas foram claras entre nós desde o início, sem firulas, sem floreios. Paula se encaixou com perfeição nos meus princípios: homem é homem, mulher é mulher e puta é puta; o resto é perfumaria. E o cheiro dela, meu amigo, o cheiro dela”.

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