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Aos olhos da musa do Cinema Novo

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Michelle Ferret – Enviada especial a Gramado

Considerada a musa do Cinema Novo, Helena Ignez estreou em Gramado o filme “Canção de Baal”. Inspirado inteiramente no dramaturgo Bertold Brecht, a obra é uma alucinação visual e poética. Ou como definiu a própria diretora, “uma fábula musical antropofágica”. “O filme foi feito da necessidade de me expressar do sentimento de um vácuo imenso”, contou a diretora Ignez.

Feito sem nenhum apoio financeiro e livre de editais, o filme se revela urgente. “É quase um filme de guerrilha, de resistência. Como disse Brecht, vamos apostar nessas almas”. Ela que participou de produções de filmes como “Pátio” de Glauber Rocha e foi uma das atrizes mais fortes do cinema novo, trouxe essa inquietação toda derramada na obra. Helena foi casada com Glauber com quem tem a filha Paloma Rocha.

Baseado na peça teatral homônima do longa, o filme traz como personagem principal Baal, um poeta e compositor que cria suas ilhas de desordem na tentativa de desconstruir o próprio mundo. A inquietação de Helena para filmar Baal partiu de outro filme. Ela que em março filmou “A Luz nas Trevas: a volta do bandido da luz vermelha” – uma sequência do revolucionário e marginal filmado em 1968 “O Bandido da Luz Vermelha”, dirigido por Rogério Sganzerla, falecido em 2004 e marido de Helena –  trouxe para as telas uma outra realidade, a desconstrução de si. “Minha sensibilidade já estava aguçada com “Luz nas Trevas” e em Canção de Baal eu precisava dizer tudo o que sentia. É um filme autoral feito com muito amor e gerado no berço do teatro que eu acredito”.

Além de ser um texto de Brecht, o filme é totalmente teatral. Feito como esquetes cantadas, as cenas foram gravadas em uma só fazenda de Serrinha, no Rio de Janeiro contando com atores vindos do teatro e da música como Simone Spoladore e Carlos Careqa — criador da trilha sonora e protagonista do filme. “Quem faria o papel de Baal seria Arrigo Barnabé, mas por motivos de saúde ele indicou o Carlos e foi um criador extraordinário”.

O filme traz falas originais de Brecht num depoimento doloroso, quando ele frágil, está sendo julgado por sua própria arte. “Esse é o julgamento de todos nós que lidamos diariamente com arte. O filme fala da arte, da ingenuidade do artista. Traz um poeta desempregado que é a própria condição da maioria. Dessa participação no julgamento que vivemos diariamente entre a loucura e a realidade”. Entre tantos filmes que estão soltos por aí nas telas do cinema e nas locadoras, “Canção de Baal” é um filme de resistência, da sobrevivência da dinastia, uma obra que vai além da estética e recria o próprio olhar no cinema, esse cansado e já acostumado com histórias inteiras prontas sem precisar do exercício do pensamento.

Política e América Latina em gramado

Empregos perdidos, cidades inteiras esquecidas no interior da Argentina e uma dor que nunca foi apagada. Esses são pontos fortes no filme “Lá Próxima Estación”, primeiro longa estrangeiro em competição no Festival de Cinema de Gramado exibido na segunda noite. Como uma denúncia e um profundo trabalho de pesquisa e investigação feito por Fernando Solanas, o longa é primoroso e traz um protesto em forma de grito dando voz aos milhares de trabalhadores que perderam suas rotas de vida com a privatização do sistema ferroviário da Argentina, quando 80 mil trabalhadores foram  demitidos e 1 milhão de pessoas emigrou do interior para as capitais, tornando-se marginais de si mesmas.  Com o abandono, todos os trens que permaneceram nas estações foram saqueados sem que os governantes pudessem responder quem seria o culpado. Com imagens antigas e recentes, o filme é um retrato da realidade do poder público, da falta de cuidado com os cidadãos e a ausência de uma política preocupada com os bens coletivos. O interessante do diretor é a preocupação em levar para o cinema a realidade vivida pela maioria dos moradores da América Latina, nos países de terceiro mundo, onde as condições de sobrevivência está nas mãos de uma política mal configurada e sem interesse no coletivo. Este é o quarto filme  de uma série de cinco longas partindo da crise da Argentina abordando temas da sociedade contemporânea como a democracia, corrupção, privatizações, pobreza e as crises de energia elétrica.  Junto a ele, estão também “Memoria del Saqueo” (2004)” La Dignidad de los Nadies” (2005) e “Argentina Latente”. E preparando para começara ser gravado o longa “Los Bienes de la Tierra”. Como disse Gerardo Gandini.

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