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Apicultura se prepara para alçar novos voos no estado

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Renata Moura – Repórter de economia

Até meados da década de 90, homens se enveredando pelo mato com vasilhames nas costas e facas nas mãos eram personagens comuns de se ver em áreas que registravam presença mais forte de abelhas, no Rio Grande do Norte. Os caçadores de mel, ou meleiros, como ficaram conhecidos, estavam em busca de enxames, de onde pudessem retirar o produto e, com a venda dele, uma fonte de renda extra. Hoje, quase duas décadas depois, a atividade continua, mas o sistema de trabalho em nada lembra o dos caçadores. “Nossa história agora é outra”, diz Antônia Marinho dos Santos, 38, trabalhadora rural que junto a milhares de outros homens e mulheres ajudou a mudar a cenário e fez nascer no estado a apicultura, atividade de criação de abelhas por processos racionais que fez avançar em mais de 2.000% a produção de mel nos últimos 10 anos e, cada vez mais organizada e profissional, planeja ampliar a presença em mercados não só dentro, mas fora do Brasil.

Os pequenos produtores, que hoje vendem a produção a grandes empresas exportadoras, querem passar a vender o mel de forma direta, com primeira parada na Europa. A expectativa é inciar os embarques no primeiro semestre de 2011. A comercialização indireta ao consumidor final no exterior é uma das dificuldades enfrentadas por eles hoje. “Quem negocia o mel da agricultura familiar, dos apicultores da agricultura familiar, são as grandes empresas. O apicultor não vai ter um preço justo para a produção porque não consegue vender ao consumidor diretamente”, diz o presidente da Federação de Apicultura do Rio Grande do Norte, José Hélio Moraes da Costa, mais conhecido como Cabo Hélio.

Os esforços para reverter a situação, de acordo com ele, já começaram em várias frentes. O trabalho inclui desde capacitação e sensibilização dos produtores, para que cada vez mais atuem de forma coletiva e organizada  ganhar força, até a adequação das casas de mel e dos entrepostos às exigências do Ministério da Agricultura.

Nesse trabalho, os pequenos produtores têm contado com a ajuda de diversos parceiros. O Serviço de Apoio à Micro e  Pequena Empresa (Sebrae) e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), por exemplo, têm  ajudado a implantar boas práticas de produção e fornecido  orientação para que obtenham certificações indispensáveis para a venda da produção no mercado formal.

ADEQUAÇÃO

Entre outras etapas que os apicultores precisam cumprir nessa direção está a obtenção do Sif, o Serviço de Inspeção Federal, que é um um sistema de controle do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil que avalia a qualidade na produção de alimentos de origem animal comestíveis ou não comestíveis. Os produtos aprovados recebem um selo de aprovação desses erviço, indispensável à comercialização dos produtos. “Nosso desafio é ter esse selo e também o selo do comércio justo e solidário, que vai permitir que vendamos nossa produção no exterior. A intenção é começar a exportar para a Itália”, diz Cabo Hélio, que tem atuado diretamente no processo de adequação da atividade.

“Temos grupos de apicultores organizados, negociamos a forma de venda, o valor de venda juntos, mas a maior dificuldade é a questão do Sif. Com esse selo teremos n mercados”, acrescenta o apicultor Edson Moreno, ex-meleiro e atual presidente a Coapismel, Cooperativa que está sendo formada pelos apicultores de Serra do Mel, o município com o segundo maior volume de produção em território potiguar.

Adequar a atividade à lei é um desafio

Um estudo do Sebrae realizado em 2002 sobre a cadeia produtiva do mel no Rio Grande do Norte mostra que a apicultura teve início como atividade profissional no estado na década de 80. Mas, de acordo com Gunthinéia Alves de Lira, professora e pesquisadora da unidade especializada em ciências agrárias da UFRN, a atividade só despontou com força em 2004 e, a  partir de 2005, começou a colocar o estado no meio dos exportadores do país. “Os produtores vendiam a produção para uma empresa em Mossoró que exportava. Depois, passou a vender para outra empresa que começou a operar em 2008”, diz. Nos últimos dois anos, os esforços têm sido empreendidos no sentido de adequar a produção às exigências do Ministério da Agricultura. “Estamos fazendo a adequação dos entrepostos e das casas de mel baseados na legislação”, diz a pesquisadora, que coordena a implantação do programa de boas práticas no estado. “Esse é um desafio”, frisa.

As casas de mel são unidades de extração do mel. O produto chega do campo até elas nas chamadas melgueiras, quadros com favos de mel de onde será extraído e passará por processos como centrifugação, decantação e envaze. Em todo o estado, há cerca de 250 unidades construídas com esse propósito. Mas nenhuma certificada. “Até 2008 as casas eram implantadas sem nenhum projeto técnico específico. Agora elas precisam obedecer a determinados critérios que indiquem que têm infraestrutura para a manipulação dos alimentos sem representar riscos para quem consome”, explica Gunthinéia. Os entrepostos, unidades para onde o mel é enviado após sair dessas casas e onde passa por um processo de beneficiamento que inclui a homogeneização e uma nova etapa de envase, também estão em busca de certificação.

O Sebrae começou a encampar, com outros parceiros, um programa de alimentos seguros nas unidades certificadas. Há 12, no total, no estado. “A intenção é conscientizar os  da importância de se trabalhar  com alimentos que não representem risco à saúde do consumidor. E esse trabalho já tem trazido bons resultados”, diz.

Em Serra do mel, uma casa de mel da Associação dos Apicultores está sendo transformada em, entreposto e é de lá que os produtores esperam que saia o primeiro carregamento da agricultura familiar direto para a Europa. A obra está sendo realizada há seis meses e a ideia é em 22 de maio, dia do apicultor, fazer a primeira exportação.  “Esse é o nosso sonho”, diz Cabo Hélio, presidente da Federação do setor. “Acreditamos que exportando diretamente a renda  dos apicultores poderá pelo menos dobrar”, calcula ainda.

Estado exporta 70% da produção

Criação de abelhas jandaíra, que não tem ferrão, também cresceDe acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a produção de mel do Rio Grande do Norte chegou a 1,1 milhão de quilos no ano passado. A Federação dos Apicultores estima que haverá uma queda de 70% no volume este ano, em função da seca que reduziu a produção agrícola e a florada necessária para que as abelhas possam produzir. Apesar da quebra, em média 70% do total produzido deverá ter como destino, como ocorre tradicionalmente, a exportação.

Essa produção é comprada em grande parte pela Afical, agroindústria que beneficia e exporta 100% do mel que compra dos produtores. Mas não é só a produção potiguar que a empresa compra. “Recebemos mel de todos os estados do Nordeste”, diz o zootecnista e gerente de produção, Walter Moraes de Oliveira Melo. A produção do Rio Grande do Norte representa apenas 15% da capacidade instalada da indústria, que é projetada para processar 7 mil toneladas de mel por ano.

Na prática, a agroindústria recebe o mel, classifica, analisa,  e beneficia o produto, o que inclui seleção da matéria-prima, homogeneização,  filtração, decantação e envase. O objetivo do processo é retirar possíveis impurezas e adequar o produto ás exigências dos importadores. Nesse processo, o mel não recebe qualquer tipo de aditivo, diz o gerente de produção. Ele acrescenta que após passar por todas essas etapas o produto segue dentro de tambores de 280Kg  para a área de expedição, de onde sairá em caminhões em direção ao porto de Suape, em Pernambuco, onde será feito o embarque para o mercado norte-americano.

A Afical tem capacidade para processar 571 toneladas de mel por mês, mas opera apenas com 30% dessa capacidade porque não há matéria-prima suficiente à disposição, calcula o diretor administrativo e sócio da companhia, Armando de Medeiros Brito. “O Rio Grande do Norte tem um grande potencial, mas precisa desenvolvê-lo mais”, observa, acrescentando que o ideal seria que a produção do estado fosse suficiente para atender a demanda da indústria. Além de redução de custos, porque eliminaria ou reduziria a necessidade de comprar de outros estados, isso ajudaria a criar mais empregos na cadeia produtiva. “A atividade está se expandindo, mas ainda precisa se organizar mais”.

Avanço da produção está ligado à abelha africanizada

A expansão da apicultura no Rio Grande do Norte tem sido influenciada por uma série de fatores, que vão desde capacitação dos apicultores, oferta de crédito e desenvolvimento de pesquisas para aumentar a produtividade e melhorar, por exemplo, a qualidade da produção do setor. O o avanço da produção também está diretamente ligado à chegada da abelha africanizada no país, fruto de cruzamento entre abelhas africanas e europeias. Os animais frutos desse cruzamento ficaram mais resistentes a doenças e atingiram índices mais elevados de produtividade. Mas essa não é a única espécie com adesão no estado. A criação de abelhas sem ferrão, popularmente conhecidas como abelhas jandaíra, também tem crescido, diz o bancário aposentado e meliponicultor – criador de abelhas sem ferrão – Paulo Menezes, que está na atividade desde 1983 em Mossoró.

Paulo montou uma empresa e conta ter obtido há cerca de cinco anos o primeiro registro de mel de abelha sem ferrão do Brasil. Ele comercializa o produto a clientes de Natal e Mossoró. Paralelamente a isso, está diretamente envolvido num projeto chamado Padre Huberto Bruening, de preservação da abelha Jandaíra,  que tem como objetivo a introdução das abelhas principalmente em áreas de assentamento de Mossoró.

O projeto é direcionado às mulheres. Cerca de 250 já foram capacitadas para trabalhar na atividade. Como as abelhas não possuem ferrão, o trabalho não oferece riscos, nem exige o uso de roupas de proteção, necessárias ao trabalho com a  outra espécie. “Esse projeto leva uma atividade para o campo que dá retorno financeiro e tem o aspecto ambiental porque a abelha poliniza a flora nativa. Quando ela visita as flores faz a polinização, ajuda a combater a desertificação na região”, diz Menezes. O projeto é desenvolvido com o apoio do Sebrae, da prefeitura e também da Federação Apícola.

Mais de 6 mil apicultores capacitados

O trabalho de transformação de agricultores e também de meleiros em criadores de abelha começou no Rio Grande do Norte em 2002. Do início da oferta de capacitação até hoje, só o Sebrae “formou” mais de 6 mil homens e mulheres no estado. “Os apicultores começam a acreditar na atividade depois de terem sido treinados. Isso é um diferencial porque faz com que produzam um mel de qualidade melhor do que a maioria dos estados do Brasil”, observa Jerbson Mendonça, pesquisador e professor de apicultura do curso de Zootecnia da Escola Agrícola de Jundiaí/UFRN. A oferta de crédito também ajudou a formatar a atividade. Dados fornecidos pelo Sebrae apontam que as primeiras linhas de financiamento foram abertas pelo Banco do Nordeste no final da década de 90. No ano 2000, teriam sido realizadas 36 operações. O número se expandiu rapidamente nos anos seguintes.

Entre 2005 e 2010, 1.888 operações de financiamento para apicultura foram realizadas pelo banco, no valor total de R$ 15.428.833,67. “Isso reflete o crescimento que a atividade vem tendo nos últimos anos”, diz o superintendente da instituição financeira no estado, José Maria Vilar,acrescentando que o banco também tem incentivado a atividade por meio do apoio a eventos e a pesquisas.

No campo dos financiamentos, um dos beneficiados foi Izael Batista da Silva, 43, que nasceu na Paraíba, mas mora desde os anos em Serra do Mel. “Pediu dinheiro emprestado para começar na atividade. Foram três empréstimos ao todo para comprar colmeias, macacão, botas e poder me estruturar”, conta. Izael é também um dos apicultores que foram treinados pelo Sebrae. Cabo Hélio, Antônia, Edson – marido dela, Pedro José Alves e Vilma Félix da Costa – mulher de Cabo Hélio – também fazem parte do grupo. As mulheres, aliás, montaram o grupo e tem produzido bolinhos e cosméticos usando o mel como matéria-prima. No mercado interno, a produção do produto como alimento é comercializada em grande parte em programas governamentais, que inserem o mel, por exemplo, na merenda escolar. Pouco da produção é vendida hoje aos atravessadores.

BATE-PAPO» Valdemar Belchior – Gestor de apicultura do Sebrae

“Conseguimos transformá-los em apicultores”

Como o Sebrae tem desenvolvido o trabalho de capacitação dos apicultores?

Nosso trabalho começou em 2002. Como identificamos que muitos dos que poderiam atuar na atividade eram analfabetos ou semianalfabetos, desenvolvemos uma metodologia de 60 horas para que aprendessem fazendo, na prática, e não na sala de aula. Isso fez uma grande diferença.  Partir daí começamos a atuar em várias frentes. Começamos cursos de boas práticas apícolas, tentando trabalhar a parte de qualidade, temos trabalhado a parte de capacitação rural, para dar uma ideia a eles de gestão do negócio, temos trabalhado um programa  voltado para que estejam sempre preocupados com a limpeza e a organização do local em que trabalham. Trabalhamos também a parte de mercado. Temos procurado levá-los a  feiras,  trabalhado também a parte de rotulagem dos produtos. Tem sido feito todo um trabalho para que eles cheguem lá na ponta com um lucro bem melhor. Antes, o atravessador levava tudo.

Qual foi o perfil de produtores que vocês encontraram no início?

Cerca de 98% das pessoas que fizeram esse trabalho eram agricultores que não conheciam da atividade, que começaram a trabalhar e estão produzindo. Não havia apicultores.  Havia também no grupo alguns meleiros, que retiravam mel no meio do mato, de qualquer jeito. Conseguimos transformá-los em apicultores.

Houve dificuldades para desenvolver o trabalho?

Uma dificuldade foi convencê-los de que essa é uma atividade lucrativa. Outra foi que o pessoal  passou muito tempo achando que as abelhas africanizadas eram  assassinas. Mas porque não conheciam o manejo dela, não sabiam como trabalhar com ela. Hoje, eles sabem que temos uma das melhores abelhas do mundo e que, além de produtiva, ela é resistente a doenças.

Agora, quais sãos os principais desafios da atividade?

Há alguns desafio. Um deles é a diversificação. Além do mel, temos outros subprodutos da abelha que são bem rentáveis mas que não estamos trabalhando ou que trabalhamos pouco. Tem o pólen, a própolis, que é antibiótico natural, tem a geleia real e a apitoxina, que é o veneno da abelha, usado como medicamento. São subprodutos que se trabalhar com o apicultor vai ter geração de renda melhor.

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