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Aquela casa…

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Vicente Serejo

artigo

São Paulo – Talvez tenha caído muito mais em mim, mais do que em qualquer outro, e bem lá dentro do coração, a mais perfeita tradução do poema de Napoleão Veras sobre aquela casa, encantada e distante. Intacta, suspensa no ar, como o quarto do poeta Manuel Bandeira. É que também sou sesmeiro da saudade da Praça Pedro Velho, a antiga, a que não existe mais, ensombrada por velhos fícus, perdido território da infância, e de quando ainda, graças a Deus, não era cívica.

Segui os versos como rastejador de abelha no cinzento silencioso e triste da caatinga. É tudo verdade. Onde os belos sobrados que hoje são apenas a moldura desfigurada de um tempo imenso de vida? Tem razão o poeta – tudo faz parte de um sumido paradeiro ignorado. Ainda que alguns se ergam nas fachadas aparentemente iguais, a quem perguntar pelas janelas que na memória se abrem num doce riso de ternura olhando os geométricos jardins desaparecidos?

Ouço o piano. As notas musicais enchendo outra vez aquelas salas guardadas em tapetes vermelhos. Os lustres, os candelabros, os cristais, tudo se acabou, como nos versos da canção popular. E os gansos sinaleiros, todos brancos – eram cinco? – que dormiam à sombra de uma cajazeira? E vigiavam a paz do sobrado, grasnando no portão que dava para o pátio dos fundos, forrado de pedras, na simetria do requinte que fazia da casa um palácio de jardins sem quintal?  

Ali ainda mora até hoje uma juíza de nome que ficou para sempre pregado nas paredes da memória. E que mais parece um alexandrino cantante, o primeiro verso de um soneto que começa assim: Vandeci Albanez Ferreira Veras. Era com dábliu que se escrevia? Naturalmente mais solene? Não sei. E o doutor Zulmar, sempre do outro lado das armações escuras, jogando baralho com os amigos nas tardes de domingo, como se a vida fosse incapaz de surpreendê-lo?

Lembro as copeiras, de aventais alvíssimos, engomadíssimos nas rendas de fino trato, e que mais pareciam anjos esvoaçando pelas salas. Tudo impecavelmente posto nos seus lugares. Móveis em arabescos e florais de ferro, fechados em cristais e sobre a nobreza da transparência, pousadas como pássaros gigantes, peças de finíssima louça branca. Eram franceses, e de finos fios dourados, aquelas travessas que dormiam intocáveis do outro lado do vidro sem mácula? 

Doutora Vandeci que um dia chamei lua da infância, aquela mulher flamejante que nas noites de festa recebia os convidados de tomara-que-caia preto. Todo preto. Iluminado apenas por um colar de pérolas sobre o colo nu e sensual. Themis e Marco Polo, os filhos. Ela tão bonita, ele ferindo o silêncio cerimonioso no seu carro de rolimã. Como numa magia de dirigir o Simca Chambord que todos os dias saía da garagem como se voasse para espantar o mundo… 

LIÇÃO – “Rio de Janeiro Perdido”, novo livro da arquiteta Ana Borelli, tem elogio de página inteira, em O Globo. Os ícones arquitetônicos que a cidade perdeu por abandono ou desprezo.

DETALHE – A visão de Borelli é exatamente a quem tem faltado à Natal provinciana e bocó, na medida em que registra e defende ícones. Traços da fisionomia da cidade. Tombados ou não. 

SUTIL – Todas as capas da Ilustrada que registram espetáculos ou filmes censurados agora saem com barras cortando as fotos. É uma forma ambígua e visual de denunciar a intolerância?

ALIÁS – O povo carioca exigiu que a estátua do ‘Grito do Pequeno Jornaleiro’, escultura de Anísio Oscar Mota, voltasse ao lugar histórico, na Rua do Ouvidor, como em 1933. E já voltou.

MEDO – O mundo não anda fácil nem mesmo para os que sabem melhor enfrentá-lo. O tema do Festival Literário de Óbidos, Portugal, é o medo. E lá a intolerância política não retornou.

JUSTO – Padre Sátiro Cavalcanti será homenageado pela Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, proposta do padre e imortal João Medeiros Filho. Sátiro merece todas as homenagens.

VISÃO – José Delfino, anestesista nas horas vagas, lança amanhã, quinta, dia 10, 18h, na galeria de Fernando Chiriboga, lá no Midway, seu novo livro “Visão Deteriorada do Mundo”.

MÉQUI – Genial a tal virada de marketing do Mc Donalds no Brasil ao adotar a expressão “Méqui” privilegiando a prosódia e não a grafia. É como pronuncia comum toda a juventude.

COLAPSO I – Pode ser coincidência, mas os fatos, se vistos do mesmo ângulo, geram força e elegem as expressões. As palavras entram na ordem do dia e expressam a forte exatidão dos sentimentos individuais e coletivos do presente. A expressão da hora, por exemplo, é colapso.

COLAPSO II – Do ex-ministro da educação, Renato Janine Ribeiro, saiu “A Pátria Educadora em Colapso”. Há os ensaios de sociologia política – “Brasil em Colapso”, vários autores; e “O Colapso da Democracia no Brasil, da Constituição ao golpe de 2016”, de Luís Felipe Miguel.

COLAPSO III – E Várias entidades – Folha de S. Paulo, grandes editoras e o SESC – anunciam nos dias 15 a 19 próximos, o seminário internacional “Democracia em Colapso?”, em S. Paulo. Ícones internacionais como Angela Davis, Michel Löwy, Patrícia H. Collins e Silvia Federici.

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