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Aqueles carnavais que se foram

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Lívio Oliveira
Advogado público e escritor/[email protected]

AQUELAS MATINÊS no América Futebol Clube eram mágicas. Eu não era nem sócio, mas era um menino esperto e bacana. Ninguém nem percebia quando eu entrava. De repente, estava no salão do Tirol, com meus onze ou doze anos, abraçando a cintura macia de alguma menininha linda e passeando com um ritmo arrastado e um sorrisão de orelha a orelha. A turma lá do Barro Vermelho já havia “embiocado”. Não me perguntem como. Ficávamos os dias do Carnaval repetindo essas aventuras e repercutindo as maravilhas do Impacto 5. E eu não queria nunca que aquilo acabasse. Terminava cada matinê com os pés doloridos e um cansaço gigantesco dentro da jardineira, mas o coração ganhava em alegria e saúde.

OS BLOCOS DE ELITE eram uma atração à parte. Causavam alvoroço com aquelas charangas fazendo barulho bom nos trenzinhos coloridos puxados, cada um, por um pequeno trator. Eram muitos. Cada qual com uma identidade. O meu preferido era o Saca-rolha, até porque fazia “assalto” obrigatório na Segundo Wanderley. Um dos líderes era Marcos (de apelido impublicável), filho de Seu Brás, liderança forte do Alecrim Futebol Clube. As meninas de meias três quartos, minissaias e mamadeiras (alto lá, que ainda não existiam mamadeiras de piroca!) dependuradas no pescoço já me impressionavam. Eu também observava aqueles porres gigantescos dos marmanjos. Muitas vezes, eles faziam os trajetos dos blocos adormecidos de torpor nas carroças de madeira dos blocos.

NÃO TÍNHAMOS bloco de elite. Aliás, eu era muito novo pra isso. Rolava de tudo um muito. Mas a turma do baixo clero da Segundo Wanderley não se acomodou. Foram feitas umas camisetas e umas jardineiras de um bloco alternativo chamado sugestivamente de… “Os Furões”. Acho que tinha hino e tudo. Só acho, até porque não tínhamos quase nada de estrutura carnavalesca. Talvez as pernas muito inquietas, que percorriam bons cantos da cidade. Isso não diminuía o meu orgulho de vestir a camisa branquinha, com um desenho muito amador, do “gigantesco” bloco d’Os Furões. Orgulho que ficou logo malferido no primeiro dia do Carnaval, quando um folião vândalo arremessou, do interior de um fusquinha bem detonado, um invólucro esquisito que continha um pinto “gorado”, morto ainda dentro da casca. Não precisa nem dizer como ficou o cheiro da camiseta, ex-manto sagrado, d’Os Furões da Segundo Wanderley. Mesmo assim, após lavar e enxaguar mil vezes, mantive o desejo e a atitude carnavalesca para aquele ano.

OS “ASSALTOS” traziam alegria para a molecada. A gente ficava esperando alguém anunciar que uma casa do Barro Vermelho seria alvo de ataque do bloco. Tudo era combinado, claro. Eles lá, nós cá. Os rapazes e as meninas dos blocos entravam animados, bebiam e comiam tudo o que tinha na geladeira e na despensa. Não sobravam provisões. Era o esperado. E ainda estávamos por perto, meninada sem limites, umas hienazinhas, para levar uns sanduíches e refrigerantes e preencher a barriga antes das demais brincadeiras e artes de rua.

DEPOIS DOS CLUBES, depois dos blocos, o Carnaval de Natal caiu muito. Vem melhorando com o tempo, mas não possui mais aquela fantasia, ao menos para mim. O que me agrada é ainda ver e ouvir algo parecido com outras épocas, quando sai, por exemplo, em Ponta Negra, o Bloco dos Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens. É uma grande homenagem ao Carnaval mais autêntico e lúdico. Vou ver se confiro neste ano. É porque bateu uma saudade…
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