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Ares

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Dácio Galvão
[Escritor, poeta, e secretário de Cultura de Natal ]
Quando a pianista pernambucana, Dolores Maciel, nossa colega de trabalho, fez certa viagem ao exterior no final do século passado me perguntou o que eu gostaria que ela trouxesse de lembrança. Respondi: – CD de John Cage! Ganhei dois. Entre eles: In a Landscape. Música indeterminada amalgamando a criação em camadas sonoras oriundas das leituras do I Ching. Indeterminismo descendente da linhagem de Anton Webern. 
O silêncio e o ruído norteiam a música de John Cage “e nesse sentido ninguém entendeu melhor Webern do que ele” afirma o poeta concreto Augusto de Campos. Já nos anos de 1950, teorias concretistas direcionavam o conceito da “klangfabernmelodie” ou melodia-de-timbres de Anton. O foco era para melodias de palavras nos poemas ideogramáticos.
A evolução sonora desconstrutiva mergulhada na busca do silêncio ou do barulho veio se constituindo a em Arnold Schoenberg e Henry Cowell se efetivando com John. Sons de Charle Ives, Edgar Varése, Igor Stravinski colaboraram. Na composição “first construction in metal” Cage propõe para execução os metais percussivos (“gamelão, sinos, gongos, folhas de aço, cilindros de freio de automóvel, bigornas” …). Ora, de há muito se vê e se ouve o albino Hermeto Pascoal, e o último tropicalista Tom Zé, fazer uso de sons e ferramentas decorrentes: tocar ou fazer percutir panelas, calotas de rodas ou extrair sons de enceradeira, furadeira elétrica, cordas do piano bombardeadas por tênis, objetos … Hapenings. Nesses contextos de contatos, de sinapses heterodoxas com a trajetória-obra do compositor californiano eis que recebo de presente de uma irmã, psicanalista lacaniana e artista plástica, em 2016, o livro do filósofo-músico, De Segunda a Um Ano. Falas de ecologia, zen-budismo… Tradução de Rogério Duprat. 
Pois é. Agora quando batem os sinos pequeninos celebrativos do Natal, me pego surpreso lendo remessas à John Cage (1912-1992). Alento. Seu vinco está incluído no repertório da Orquestra Sinfônica da Bahia com Adriana Calcanhoto. Vai rolar dia 26/12 no projeto Sarau da Casa Rosa, em Salvador. Vem na vibe de Anjos Tronchos, de Caetano Veloso, do álbum Meu Coco. Discurso direto para desavisados: “…E, nós quando não somos otários / Ouvimos Shoenberg, Webern, Cage, canções”. Ela já havia executado a peça experimental 4’33, de Cage, por volta de 2012, em Porto Alegre.  Augusto discorre sobre a composição: “um pianista entra no palco / toma a postura de quem vai tocar / e não toca nada / a música é feita pela tosse / o riso e os protestos do público / incapaz de curtir quatro minutos e alguns segundos de silêncio.”
O dialogismo de Calcanhoto perpassa o linguístico. Já cantou Pedro Kilkerry, Sá-Carneiro, Waly Salomão, Oswald de Andrade, Gertrude Stein, Drummond, Gullar, Antonio Cícero…. Portanto, não há surpresa. Mas um respiro. Ares. São ruídos e silêncios puros inflando distensões em tempos enfadonhos de politicagens e exacerbações. Ares.
Cage lia escritos dos anarquistas Henry David Thoreau e Emma Goldman. Incrementou o conceito de América, lendo “Leaves of Grass” livro de Walt Whitman, que teve seus primeiros poemas traduzidos no Brasil pelo potiguar Luís da Câmara Cascudo. 
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