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Ariano do riso ao drama

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Ramon Ribeiro
Repórter

O sertão, a capacidade de sobrevivência do povo nordestino, a mescla entre humor e tragédia, erudito e popular, várias são as marcas da rica obra do escritor, poeta e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna (1927-2014). No ano em que completaria nove décadas, esse ícone do teatro brasileiro teve seu universo artístico levado ao palco com o festejado espetáculo “Suassuna – O Auto do Reino do Sol” (2017). Figurando em várias listas de melhores peças do ano, com indicações em importantes premiações nacionais, tendo ganhado algumas, como o de melhor espetáculo do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), a montagem inédita será apresentada em Natal nos dias 20 e 21 de janeiro, no Teatro Riachuelo.

Cia Barca dos Corações Partidos aceitou o desafio proposto por Andrea Alves, amiga do dramaturgo

Cia Barca dos Corações Partidos aceitou o desafio proposto por Andrea Alves, amiga do dramaturgo

No elenco está a companhia carioca Barca dos Corações Partidos, que assumiu o desafio proposto pela produtora Andrea Alves, da Sarau Agência, de homenagear Ariano. Amiga do escritor, ela teve a ideia de produzir o espetáculo depois de ouvir do amigo que ele se sentia um palhaço frustrado e que dentre os vários personagens que criou, seu predileto era o palhaço do “Auto da Compadecida”. O palhaço de Ariano se tornou o mote da montagem.

Para dar corpo ao projeto, Andrea convidou um trio de conterrâneos do dramaturgo: o músico Chico César, o escritor Bráulio Tavares e o ator, diretor e palhaço Luiz Carlos Vasconcelos. Juntos com a Barca dos Corações Partidos, ergueram coletivamente um espetáculo que não é uma biografia de Ariano, nem uma montagem Armorial, mas um musical que passeia com liberdade criativa pelo legado artístico do dramaturgo.

“O Ariano falava de ter sido um palhaço frustrado, mas eu achava ele um palhaço genial. Quem tem aquela cara não precisa de maquiagem. Palhaço precisa ser sincero, e Ariano era”, conta por telefone Luiz Carlos Vasconcelos, que assina a direção do espetáculo – o texto é de Bráulio Tavares e a direção musical é Chico César, Beto Lemos e Alfredo Del Penho. Fundador do celebrado grupo Piollin, em João Pessoa, Vasconcelos é diretor de montagens emblemáticas, como “Vau da Sarapalha” (1992). Ele chegou a ter contato direto com a obra de Ariano ao atuar em “A Pedra do Reino” (2007), elogiada minissérie da Globo baseada no romance homônimo do dramaturgo paraibano – a produção contou com Bráulio Tavares como um dos roteiristas.

De acordo com Vasconcelos, que tem larga experiência com a arte circense – ele se apresenta como o palhaço Xuxu desde 1978 –, em “Suassuna – O Auto do Reino do Sol” quem rouba a cena são justamente os palhaços. “Eles comandam o espetáculo de uma maneria muito comovente, seja nos momentos de humor, ou de tragédia”, afirma o diretor.

Luiz Carlos Vasconcelos assumiu a direção, assim como Chico César assumiu a trilha e Bráulio Tavares o texto

Luiz Carlos Vasconcelos assumiu a direção, assim como Chico César assumiu a trilha e Bráulio Tavares o texto

Na trama, duas histórias se cruzam no sertão da Paraíba: um amor proibido e uma trupe circense. O circo está à caminho da Vila Taperoá, onde fará uma homenagem ao “poeta Ariano Suassuna”. Na estrada, a trupe se depara com uma seca braba e, em determinado momento, encontra o casal em fuga Iracema Moraes, sobrinha do Major Antônio Moraes (vilão de A Pedra do Reino), e Igor Fortunato. A família dos dois está em guerra. Desse contato, a história se desenrola em tons tragicômicos. De maneira não óbvia, o espetáculo faz referência a personagens icônicos, como a dupla João Grilo e Chicó, de Auto da Compadecida, maior sucesso de Ariano, além de citações a formação do dramaturgo, em elementos de Shakespeare e Miguel de Cervantes.

A música também tem papel fundamental na montagem. Chico César, Beto Lemos e Alfredo Del Penho – estes dois atores músicos da Barca dos Corações Partidos – criaram músicas em cima de formas tradicionais da poesia popular, tão cultivada por Ariano. Tanto as canções como o texto foram surgindo a medida que os ensaios avançavam, ainda em 2016. A estreia de “Suassuna – O Auto do Reino do Sol” aconteceu em junho de 2017. Desde então o espetáculo vem sendo apresentado em vários estados do país, por meio do patrocínio do Ministério da Cultura.

Quais são as principais marcas do universo de Ariano Suassuna que estão no espetáculo?
“Suassuna – O Auto do Reino do Sol” vai nos dois extremos de Ariano. O riso deslavado e a dor profunda. Mostra a comédia, onde o “Auto da Compadecida” é o maior expoente, e a dor humana, vista na “Pedra do Reino”, por exemplo.

Como foi o desafio de dirigir um musical?
Toda montagem é sempre um desafio. Mas no caso desse trabalho com a Barca dos Corações Partidos foi um processo tranquilo. Já nas primeiras semanas de ensaio surgiram 20 fragmentos musicais. Agora, antes de qualquer coisa, é preciso dizer que “Suassuna – O Auto do Reino do Sol” se trata de um espetáculo de teatro. Tem uma ênfase na música porque o elenco permite. São artistas que tocam instrumentos e cantam. Meu papel foi aproveitar isso.

Bráulio Tavares e Chico César são conterrâneos teu. Já havia trabalho com eles antes?
Conheço o Bráulio da Paraíba. Convivi um pouco com ele. Mas essa é a primeira vez que trabalhamos juntos. E o Chico eu já tinha dirigido um espetáculo dele. Foi um prazer trabalhar com os dois nesse novo projeto. A montagem foi bem coletiva. O Bráulio propôs uma sinopse e a partir disso fomos pensando textos, falas e fomos incorporando com outros elementos que surgiam em pesquisas, até mesmo referências da formação de Ariano.

Quando Ariano era vivo, você chegou a se aproximar dele?
Tive contatos pontuais, conversas amistosas. Encontrava com ele nos Festivais de Palhaço. Mas nada muito grande. Eu mitificava muito ele.

Da obra de Ariano, qual seu personagem favorito?
Gosto do Antônio Moraes, antagonista de Pedra do Reino. No espetáculo colocamos na voz dele algumas coisas da biografia de Ariano, como as ideias monarquistas. Foi um dramaturgo que criou personagens fantásticos. O João Grilo é incrível, faz muito sucesso. Admiro a obra de Ariano como um todo.

“Suassuna – O Auto do Reino do Sol” figurou em listas de melhores do ano e ganhou prêmios importantes, como o de melhor espetáculo de 2017 pela APCA. Como vocês estão recebendo essa repercussão ao projeto?
Recebemos com alegria esse reconhecimento em tão pouco tempo. Confirma a qualidade do trabalho. A aceitação do público também tem sido maravilhosa. A comoção da plateia é visível. Gostaria de estar viajando mais com a equipe para fazer anotações. Porque o processo continua. Não temos parado de ensaiar.

Existe a possibilidade do projeto ser adaptado para a televisão ou cinema?
Muitas pessoas já comentaram isso. Viram esse potencial de se tornar uma minissérie. E é verdade. Daria um belíssimo material para TV. Mas por enquanto não tem nada garantido.

Paralelo ao seu trabalho na televisão e cinema, você não deixa de se apresentar como o palhaço Xuxu, que você criou em 1978. O que te fascina tanto nesse personagem do circo?
Não escolhi ser palhaço. Aconteceu. Hoje não sei viver sem o Xuxu, porque aquilo sou eu. Se não existisse, já teria enlouquecido. Fazê-lo é terapêutico e vou continuar fazendo. Ano passado fiz turnê com ele o mês setembro inteiro. Quando me convidam, eu faço.

Luiz, em que outros projetos você está envolvido?
Atualmente estou gravando Marighella, projeto do Wagner Moura para o cinema. Tem sido um processo muito comovente para todos os envolvidos. Faço Joaquim Câmara Ferreira, um dos cabeças da luta armada em São Paulo, parceiro de Mariguela na Ação Libertadora Nacional. Demos uma pausa nas filmagens com as festas de fim de ano e vamos retomar nos próximos dias. Neste ano deve estrear o filme “Filho de Boi”, em que atuei. Também em 2018 quero retomar alguns trabalhos com o grupo Piollin, aqui em João Pessoa. Iniciamos a montagem de um espetáculo em 2013, mas tivemos que interromper, agora quero botá-lo em prática de novo. Estamos negociando com alguns atores. E para TV tenho estudado alguns convites.

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