sexta-feira, 29 de março, 2024
26.1 C
Natal
sexta-feira, 29 de março, 2024

Ariano, menino em Natal

- Publicidade -

Quando se celebra os 90 anos de nascimento do escritor Ariano Suassuna (16-06-1927 / 23-07-20140), dos maiores nomes da literatura brasileira, confiro em minhas anotações as profundas ligações da sua família com o Rio Grande do Norte, começando com o avô paterno, Alexandrino Suassuna, que era proprietário de fazenda no município de Martins. O pai, João Urbano Suassuna, nascido em Catolé do Rocha, sertão paraibano, vizinho de cerca com Patu e Almino Afonso, da banda de cá (“tromba do elefante”), morou em Mossoró, onde deu início ao seu oficio de advogado, logo após terminar o curso na Faculdade de Direito do Recife (1909).

Ariano nasceu em João Pessoa que, naquela época, se chamava Parahyba, assim desde o século 17. O nome foi mudado para João Pessoa em setembro de 1930. Ariano nasceu no Palácio do Governo, onde o pai morava e governava o Estado.  Com três anos de idade veio ao Rio Grande do Norte pela primeira vez.  A Paraíba vivia uma quadra difícil, trágica mesmo, de sua história política, após o assassinato, em Recife, do governador João Pessoa, sucessor de João Suassuna. Ariano chegaria em Natal de trem. Ele conta a história assim:

– A primeira vez que em que me vi num trem foi no ano atormentado de 1930. Estava com três anos de idade e fugíamos das perseguições que o Governo paraibano, através de sua Política, fazia contra nós, sob a inspiração e ordem do Presidente João Pessoa. Meu Pai, que era político, e fazia oposição a esse Governo, estava fora, no Recife, com o nosso primo João Dantas, chefiava a campanha política contra o Presidente Pessoa. Em Princesa, nosso aliado, José Pereira, chefiava a luta armada contra o Governo, numa insurreição sertaneja que o Presidente paraibano tentava, em vão sufocar (…)

– Lá um dia, ficando a situação insustentável, minha Mãe resolveu que sairíamos da Cidade da Paraíba, capital do Estado do mesmo nome, e iríamos para Natal, acolhendo-nos à proteção do Governo rio-grandense-do-norte do Doutor Juvenal Lamartine. A viagem foi feita de trem, e lembro-me apenas de que, no caminho, dentro do vagão, eu, irrequieto, andava para lá e para cá, cantando as estrofes desafiadoras que se tinham tornado hinos de guerra na luta do Sertão contra a Capital. Uma das músicas que eu cantava era assim “Minha boca está fechada/ a chave foi pra Teixeira! / Minha boca só se abre/ pra dar viva a Zé Pereira! / Minha boca está fechada, / a chave foi pra Lisboa! / Minha boca só se abre/ pra dar morra a João Pessoa! ”(…)

– E fomos para Natal, nesse trem, e num trem voltamos de lá para a Paraíba, julgando que a situação se acalmaria. Foi então que chegou o terrível mês de julho, com o assassinato do Presidente João Pessoa. Nossa casa foi cercada por uma multidão enfurecida, açulada por policiais e autoridades do Governo, que, entre outras coisas, tinham soltado assassinos da Cadeia para promover desordens, saques, incêndios e assassinatos contra as famílias da Oposição (…). ”

Do Armorial
Esta narrativa de Ariano (trechos transcritos) tirei do seu livro Almanaque Armorial, que reúne ensaios (artigos, crônicas) publicados em revistas e jornais, num período que vai de 1961 a 2000. O livro foi organizado por Carlos Newton Júnior, que escreveu o prefácio (José Olympio Editora, 2008).

Está na lista dos tais “livros essenciais”, os que enriquecem as estantes bem cuidadas. Estamos lendo o Ariano (já glorificado como dramaturgo, romancista, poeta, professor de Estética).  Em suas páginas vamos encontrar grandes nomes da literatura brasileira: José de Alencar, Guimarães Rosa, Euclides da Cunha, Machado de Assis, Gilberto Freyre, Hermilo Borba Filho, José Lins do Rego, João Cabral de Melo Neto, Joaquim Cardozo, Alceu Amoroso Lima, Olavo Bilac. Tem Fernando Pessoa e mais gente boa, vasta literatura.

Seus ensaios tratam também das artes plásticas, pintura e a gravura, a cultura popular.  Lá no meio, aparece Luís da Câmara Cascudo, quando o mote é o “romanceiro nordestino”:

“… devo, ainda mais, aos ensaístas brasileiros que pesquisaram e publicaram as obras, assim como salientaram a importância do Romanceiro Popular do Nordeste – principalmente a José de Alencar, Sylvio Romero, Leonardo Mota, Rodrigues de Carvalho, Euclides da Cunha, Gustavo Barroso e, mais modernamente, Luís da Câmara Cascudo e Téo Brandão”.

A política e o futebol também são motes. Mais os discursos de Ariano em sua posse na Academia Brasileira de Letras e na Academia Paraibana de Letras.  Livro que me deixa ancho da vida por conta da generosidade do autor com este cansado escrevinhador de jornal. Me autografou o Almanaque assim: “Para Woden Madruga, com o abraço amigo de seu velho companheiro de literatura (e de cabras). Ariano Suassuna – Rio, 22.VII.2008”.

Ariano e Oswaldo
No livro Alpendres d’Acauã – Conversa com Oswaldo Lamartine de Faria, organizado por Natércia Campos (Universidade Federal do Ceara e Fundação Jose Augusto), a partir de perguntas de amigos feitas a Oswaldo, Ariano Suassuna (que trata Oswaldo de amigo e primo) fez esta pergunta:

“Estive em Natal pela primeira vez em 1930, como exilado e refugiado político. Os Suassunas foram protegidos, então, pelo governador Juvenal Lamartine. Pelo que sei a casa em que ficamos, em Natal, pertencia a sua família e ficava perto do mar. Vmc.  se lembra dela? Ainda está de pé?”

Oswaldo responde:

– Naquele 30 eu era menino-amarelo, de calça curta… Daí fui me valer dos mais velhos, esquecido que sou um deles. Muitos já se foram com a Caetana e alguns que restam “sabem de tudo, mas não se lembram de nada”. Apenas uma minha cunhada, Nasinha Lamartine, com 85 anos, lúcida e de excelente memória, afirma ter visitado Da. Ritinha, sua mãe, em companhia das minhas irmãs, na então R. Cel. Pedro Soares, atual João Pessoa esquina com a Felipe Camarão. A casa era residência do engenheiro Júlio Rezende, casado com a minha prima Beatriz, filha do historiador Manoel Dantas.

– Mas esse endereço é no centro da cidade e a única casa de meu pai próximo ao mar era na Praia do Meio (antiga do Morcego). Agora, com sua vinda a Natal (6/nov), tudo se esclareceu. Vocês, da R. Cel. Pedro Soares, foram para nossa casa da praia, na pequena península (Ponta do Morcego) onde hoje funciona a Peixada da Comadre. Era a última, à direita, de um conjunto erguido pelos Palatiniks. ‘Ali se acabava o chão e principiava o mar’. Nas grandes marés de janeiro o rebentar das ondas nas pedras borrifava água nos alpendres. Isso vimos e conferimos juntos nesse novembro fim de milênio.”

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas