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Armador

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Rubens Lemos Filho

Gerson de Oliveira Nunes,  Canhotinha

No sábado passado, Gerson de Oliveira Nunes,  Canhotinha de Ouro , completou 79 anos, de bem com a vida. Usando rede social e comentando no rádio. Imagino o que Gerson, um dos maiores craques do mundo, sofre ao ver sucessores tão medíocres. Didi, o Príncipe Etíope, Zizinho, ídolo de Pelé, Ademir da Guia, o Divino e Gerson compõem a seleta religião dos deuses criativos do futebol.

Agora não duvide. É Verdade. Batata. Sem brincadeira. Sempre quis ser um meio-campista. Estaria satisfeito, aposentado agora, sem dinheiro porque no meu tempo, craque recebia migalha dos milhões hoje pagos aos bagulhos. O meio-campista é o regente do futebol. Altero o tempo do verbo. O meio-campista foi. Mutilaram o meiúca Inteligente no neologismo “segundo volante” Uma barbaridade.

Quando o ABC entrava em campo e Danilo Menezes dominava uma bola escondendo-a na malícia do seu pé esquerdo e soprava um lançamento de 40 metros, parecia Carlos Heitor Cony escrevendo uma crônica. Beleza e simplicidade juntas.

Quando Dedé de Dora, o príncipe do Seridó, joia técnica  de Currais Novos, cortava da direita para a esquerda e soltava um bólido, imperativo na postura e visionário no passe, lembrava a elegância de David Niven, o educado e impiedoso explosivista do clássico Os Canhões de Navarone, revisto semana passada, balas cortando o silêncio da madrugada sombria.

Quando Marinho Apolônio partia célere da intermediária, criando caminhos, desvencilhando-se de cartas de baralho na forma humana dos seus marcadores, invadindo a área, ameaçando a pancada e deslocando o goleiro na sutileza felina, Chico Buarque ritmava o sonho em samba, cantando Vai Passar, hino da campanha memorável das Diretas Já.

Queria ter sido um meio-campista. Queria ser o primeiro convocado e disputado nas peladas e campeonatos de rua contra rua. Desejava saber driblar, controlar a bola em embaixadinhas, igual ao menino que brinca com laranjas no sinal de trânsito à espera de esmolas no sentimento comodista da piedade geral dos motoristas e caronas.

Sem talento para o meio-campista pretendido, rebatia bolas na defesa e até arriscava toques curtos e medidos, tímidos para quem rasgava as defesas em fintas e danças feiticeiras aterrorizando zagueiros.

Restaram-me algumas ideias e as mãos para teclar em Olivettis, Remingtons e agora em modernos teclados que suportam letras e formulações tortas. Mas é o que ainda consigo. É o meu limite. Todo homem deve conhecer o seu lugar e a sua fronteira.

Não fui um meio-campista, mas sou um adorador dos legítimos resistentes, daqueles que sabem dominar a bola com carícia, olhar o campo do oponente antecipando a jogada, arquitetando o gol na inteligência do  bom poeta, na perspicácia do criterioso ourives, na afinação do violonista completo. O armador reúne em si inteligência, elegância e liderança.

Então, não admito Casemiro e Arthur na função que foi de Didi, Zizinho, Gerson e Ademir da Guia. E mais:  Rivelino, Zico, Sócrates, Falcão, Dirceu Lopes, Geovani do Vasco, Adílio do Flamengo, Pita do Santos e do São Paulo. E do Rei Potiguar, Alberi. Pelé fica fora de listas.

Arthur é usado numa tarefa nobre com seu futebol remediado. Nem tão pobre e nada exuberante. É limitado, tímido, falta-lhe a sensualidade, o deboche do craque cerebral, desobediente a táticas burras. 

Arthur não aprende que a timidez é proibida na missão de iluminar uma partida de futebol. Eu não fui um meio-campista. Os irregulares de Tite (ele mesmo um brucutu), também nunca serão. O meio-campo é a catedral dos ilustres em chuteiras.

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