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Artesanato reconhecido

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Por Cinthia Lopes
Editora

Seu Ernandes já não precisa calejar as mãos de tanto lixar a madeira bruta com a qual esculpe pássaros de curvas e dobras perfeitas. O artesão de Serra de Martins adquiriu uma lixadeira elétrica com o dinheiro que ganhou na comercialização das peças autorais, inseridas no projeto Lugares de Charme. Quando trabalhava de forma precária, fazia 20 bichinhos em madeira por semana e suas peças não eram valorizadas. Atualmente, são 200 peças comercializadas entre 35 a 150 reais, variando de acordo com o tamanho e a complexidade do trabalho. Seu cartão de visitas agora é o coletivo Candeeiro, formado por ele e outros artesãos da cidade serrana. As peças únicas também não precisam de serviços terceirizados, como pintura, pois o artista escolheu manter o tom original, agregando mais valor. Motivado, fez uma página no Facebook, vídeos no youtube com a ajuda de um amigo e possui o próprio MEI (Microempreendedor individual).
Ceramista Abraão, de Martins, é um dos poucos homens a trabalhar com cerâmica: ‘Tudo que temos hoje devemos ao barro’
Ancorado na argamassa da economia criativa e da sustentabilidade, o projeto Lugares de Charme foi idealizado em 2015 pela designer e artesã Cristiana Ribeiro, mestra na arte do crochê aplicado a moda e decoração. Em parceria com o Sebrae e as prefeituras de Martins e Serra de São Bento, deu viabilidade ao projeto e com ele conquistou o Prêmio Brasil Criativo, do Ministério da Cultura. Perto de completar dois anos, o projeto não só consolida histórias como a de seu Ernandes, mas também parte para novas investidass. A partir de outubro, as peças desenvolvidas pelos artesãos vão ter um espaço próprio no restaurante Camarões Potiguar.

As marcas Candeeiros, de Martins, e Benditas Mãos, desenvolvida por artesãs do município da serra da Borborema, ficarão seis meses em exposição no restaurante de Ponta Negra, tudo para venda. O projeto também tem novo destino. Este mês deverá chegar a Guamaré.
O encontro com o artesão Ernandes e seus pássaros de madeira
Bonequinhas de pano, arte em cabaça, madeira e barro, crochê e fuxico ganham um olhar de design e decoração, sendo mantidas as identidades, tipologias artísticas originais, em peças decorativas e utilitárias.

Com desdobramentos no turismo e na identidade cultural, a ação capitaneada por Cris ribeiro incentiva criação de coletivos de artesãos através da parceria de comerciantes convidados e de gestores públicos, para o desenvolvimento de coleções de artesanato que possuam potencial de mercado, em espaços como cafés, museus e restaurantes. Cris informa, entretanto,  que não se trata de abrir um cantinho para exposição de artesanato em ambientes turísticos. “Os trabalhos são incorporados ao cenário dos empreendimentos, após repaginação realizada pelos próprios artesãos, por nossa equipe e os donos dos estabelecimentos. Todo mundo põe a mão na massa”. Os empreendendores ganham uma decoração nova e mantêm o diálogo permanente com os artesãos, fazendo a reposição das peças. Já a prefeitura entra com parte do investimento e logística, assim como o Sebrae, como por exemplo aquisição de tintas ou materiais extras. O projeto Lugares de Charme também foi aprovado pela Lei Câmara Cascudo, mas aguarda captação.
Peças decorativas expostas nos ambientes dos restaurantes
Artistas

Além de Ernandes, são muitos artesãos integrados ao projeto, como o ceramista Abraão, um dos poucos homens a trabalhar manuseando o barro, ao lado de sua mãe e mestra Dona Ozelita. Outras artesãs e crocheteiras que a cada tempo livre produzem seus fuxicos e crochês sentadas em suas calçadas, como dona Marcele e Elizânia, assim como a bonequeira Maria Salete de Serra de São Bento, entre muitos outros artistas.

Na telinha
Cris Ribeiro atua há 15 anos com a marca Especiário e seu trabalho é reconhecido no Brasil e até no exterior.  No mês passado, a marca estreou no programa ‘Mais Cor Por Favor’, no Canal GNT. Próxima semana, também vai estar no Mais Você e no É de Casa, ambos da Tv Globo. Paralelo às suas atividades de designer, ela mantém ativo o estande da Especiário Convida, onde integra peças do Lugares de Charme. O artesanato de Martins e São Bento foram comercializados na Casa Cor, tiveram a primeira exportação para o Canadá, através do Rotary. Cris conseguiu inserir a marca Benditas Mãos, de Serra de São Bento, no evento Casa Brasil Decor, de decoração de designers contemporâneos, realizado no Recife.
Pássaros de madeira

Bate-papo com Cris Ribeiro, designer

Existem projetos que mapeiam o artesanato do RN, sem interferir. Há também ações que mexem na essência e não dão continuidade. Seu trabalho aponta para outros caminhos?
A minha experiência em trabalhos com o artesão já tem mais de 13 anos e isso me ensinou a entendê-lo na sua essência, na sua forma de ser, expressar-se através da sua arte. O artesão nato precisa ser orientado com o propósito de posicionar-se da melhor forma no mercado para escoar suas produções. Um trabalho de interferir sem ferir. Isso requer um tempo mais duradouro e presente. O que é muito comum são as realizações de oficinas que ferem a essência por que são voltados para exposições em feiras. Infelizmente essas intervenções não ajudam o artesão a se perpetuar.

 O Interferir sem ferir significa apresentar possibilidades ao artesão?
Refiro-me a preservar a técnica, tipologia utilizadas pelo artesão provinda de uma história única da sua vida. Preservar a forma crua, desnuda e sem qualquer influência externa de como ele desenvolve feliz o seu produto. O olhar e sentimento dele é o mais importante. Estou ali para entender, aprender e ajudá-lo a entender sobre o seu valor e o do seu produto, tantas vezes desvalorizado a partir dos mesmos. 
Cris Ribeiro
Como foi a experiência em Martins?
Foi uma experiência inesquecível, com certeza. Martins é uma cidade muito rica culturalmente. A sua história ainda está muita viva nas ruas e nas pessoas. A região influenciada pelas belezas naturais complementa. Encontramos trabalhos de grandes artistas espalhados em cada canto da cidade. Identificamos cinco tipologias fortes utilizadas por estes artistas, artistas plásticos, escultores, ceramistas e crocheteiras. Descobrimos  Ernandes Alves (escultor em madeira), Abrãao e Dona Ozelita (ceramistas)  e um grupo de crocheteiras talentosas.
 
Abraão é um dos raros homens a trabalhar com cerâmica?
 Ele me disse uma frase que me marcou muito: ‘Tudo que temos hoje, devemos ao barro’. Ele e sua mãe Ozelita são os únicos ceramistas da região que ainda perpetuam o trabalho herdado por suas bisavós e avós indígenas. O sustento da família com muitos membros foi, por muitos anos, através da cerâmica. Os valores que encontrei através destes grandes artistas e o amor pelo trabalho junto ao barro, como eles falam, foram relíquias desta edição. O artesão trabalha verdadeiramente sob a influência do amor. Todos os produtos que eles desenvolvem são moldados no momento da atuação com o barro por suas mãos. Eles têm uma idéia do que farão, mas não se cobram quanto a sua finalização, o seu Design. Não há uma coleção fixa. O Cliente chega no seu sítio e informa o que deseja. O único produto e carro chefe das suas produções, obra–prima assinada pelo Abrãao é um lindo burrinho com cabelos de sisal. O que trouxe para eles como sugestões foram algumas técnicas para facilitar na produção.

E o artista dos pássaros?
O Ernandes foi uma grande surpresa. Um cara pacato, extremamente inteligente, um autodidata. Apaixonado pela natureza e pelos bichos, em especial os pássaros, me mostrou através das suas mãos a beleza da arte em esculpir madeiras. A madeira que utiliza é trazida por amigos que andam pelas ruas e encontram restos nas marcenarias e calçadas da cidade.
 
Como foi o mapeamento dos empreendedores?
Foi feito em 14 restaurantes às escuras, desses quatro foram selecionados em virtude do caráter competitivo e vantagens que dessem resultado tanto para o empreendedor quanto para os artesãos. Característica peculiar forte, localização, história. É o caso dos mirantes, ladeados por uma natureza impar.  A maturidade de receber o trabalho e de dar continuidade a ele tem que estar presente no empreendedor. Existe um investimento alto e ele tem que entender o comprometimento com os artesãos. Caso não aconteça o diálogo, eles são descredenciados do projeto. 

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