Mais de três milhões de pessoas trabalham com cultura no Brasil. A estimativa é apenas um dos dados que compõe o levantamento “Sistema de Informações e Indicadores Culturais 2003”, divulgado esta semana pelo IBGE. O estudo envolve o perfil dos trabalhadores na área e o consumo da população com cultura.
Se você lembrar que a população brasileira ultrapassa os 180 milhões de habitantes, o número parece insignificante. Por outro lado, é bastante gente para um setor que não consegue fisgar nem 1% do PIB nacional.
A pesquisa, vista do plano local, chama mais atenção quando se constata que os promotores locais e o poder público não possuem nenhum estudo semelhante realizado.
Para a reportagem não ficar com aquela cara de caderno de Economia, o VIVER convidou o produtor cultural e sociólogo Josenilton Tavares para comentar os principais números desse levantamento.
Segundo ele, apesar de usar uma metodologia única, a pesquisa é importante porque traz à tona questões como a mão de obra e enfoca a economia cultural – tema ignorado na maioria das vezes por quem promove a cultura no Estado. “É muito importante até porque não existem dados sobre a economia cultural no Rio Grande do Norte. O Sebrae, na área de empreendedorismo, vem desenvolvendo um trabalho muito bom, mas sinto uma imaturidade, falta uma preocupação maior do estado e dos próprios produtores. E sobre as falhas, acho que não existe uma pesquisa segura, mas o fato desse levantamento existir já é um momento bom”, conta.
O trabalhar da cultura é jovem e tem mais eco
O estudo aborda pontos curiosos da área cultural. Uma das conclusões aponta que embora a cultura exija um maior grau de escolaridade, paga salários dentro da média dos outros setores. O perfil do trabalhador diagnosticado pelo IBGE diz tudo: a maioria homem, 11 anos ou mais de estudo, trabalha por conta própria, salário médio de R$ 704,93, a maioria não contribui com a previdência social e trabalha relativamente menos horas.
Trazendo para o plano estadual, Josenilton Tavares discorda de que os “homens da cultura potiguar” ganhem a média. “Nesse ponto, vejo o contrário. Os produtores ganham muito bem. Aqui a economia da cultura paga melhor. O que sinto aqui é que falta um sindicato, uma entidade, ainda é muito solto”, analisa.
Celular entra na lista de produtos culturais
Faz tempo que o telefone celular deixou de ser um mero meio de comunicação. Na lista de produto de entretenimento, ele ganha destaque no estudo do IBGE. Pela pesquisa, a família brasileira gasta mensalmente R$ 115,50 com cultura. Desse dinheiro, quase a metade (R$ 50,97) é com telefonia. Completam a lista os eletrodomésticos ligados à área, como televisão e DVD (R$ 17,25), e lazer, festas e outras atividades (R$ 13,82).
“Depois que o celular passou a ter jogos e outros acessórios modernos virou entretenimento”, defende.
Outro ponto polêmico de discussão aparece quando o IBGE relaciona o consumo com a cor da pele do consumidor. Os dados afirmam que, em média, os brancos gastam R$ 146,66 enquanto os negros, apenas R$ 87,19.
Para o sociólogo, a questão é delicada, mas pode levar à conclusão de que a cultura também retrata o preconceito. “É complicado, mas a cultura pode estar diante do mesmo problema que combate. Esse esclarecimento que dissemos que existe, pode não ser por aí”, reflete.
Faltam dados para o RN
A experiência de Josenilton Tavares como integrante da comissão da lei municipal de incentivo à cultura Djalma Maranhão durante quatro anos (2001-2005) lhe deixa à vontade para criticar o que chama de “falta de maturidade dos produtores e irresponsabilidade do poder público” quando o assunto é a ausência de dados oficiais sobre os recursos que movimentam a área cultural do Estado.
Segundo ele, as próprias leis deveriam exigir esse levantamentos dos artistas que tivessem os projetos aprovados. “Acho que o papel da instituição pública é puxar os dados que contribuam com as políticas públicas. As leis de cultura poderia desenvolver esse trabalho obrigando que o dono do projeto colocasse no papel o retorno que a sua idéia daria à população. Em Mossoró, por exemplo, se faz um cadastro de ambulantes nos grandes eventos. O valor do investimento não é apenas o recurso empregado. É preciso fazer um levantamento de toda a cadeia que a cultura movimenta”, afirmou.
O antropólogo lembra que fez um levantamento superficial por conta próprio através dos jornais do montante investido em cultura pelo município no ano passado e ficou impressionado. “Ia participar de uma palestra sobre investimentos na cultura e fui somando, baseado nas informações dos jornais locais, de 2005, os gastos do poder público com cultura. Por alto, deu R$ 30 milhões, o que é muita coisa. Aí a primeira pergunta que fiz para o pessoal foi: `imagine se o governo coloca esse dinheiro na sua mão para você fazer o que quiser´. Porque é isso que acontece. Então, precisa haver uma contrapartida”.
O coordenador da Agência Cultura Sebrae-Sesi, Eduardo Viana, não tinha lido a pesquisa até ontem pela manhã. Ele contou que vem mantendo contatos com o Banco do Nordeste (BNB) para realizar um estudo mais específico, de abrangência regional, nas áreas de audiovisual, literatura, música e arte cênica.
Viana também vê a ausência do poder público na compilação de dados e conta que até já sugeriu a criação de um setor específico para cuidar da questão do consumo de cultura. “Já sugeri que criassem uma pasta que trate da economia da cultura. É preciso levantar esses dados. Espero que essa próxima gestão comece a entender que a cultura está ligada à uma atividade econômica geradora de emprego, como ocorre com o turismo. Não sinto por parte do estado e dos governos uma preocupação nesse sentido. Já contatei o BNB para fazermos uma pesquisa num nível regional até para unificarmos uma metodologia. Às vezes você analisa Pernambuco de uma forma e o RN de outra e acaba colocando os dois na mesma condição”.