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As cores do Passo

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Ramon Ribeiro
Repórter

As crianças estavam adorando. Ana e Erika até fizeram um desenho para o nosso fotógrafo. Elas queriam participar. Na verdade estavam participando. Aquela agitação toda com tintas, pincéis e sprays, na beira do rio, na área delas, era pra elas. E elas aproveitavam curiosas o movimento daquela gente nova que nunca deu as caras por ali. Catorze artistas de vários cantos desse Brasil multicolor que apareceram no Passo da Pátria trazendo cores novas para os muros da comunidade, um lugarzinho pobre, é verdade, dominado pelo crime, é verdade, mas de charme único na cidade.

Projeto dá início a mais uma edição de residência artística na comunidade do Passo da Pátria

Projeto dá início a mais uma edição de residência artística na comunidade do Passo da Pátria

Pode ser fácil para quem não vive ali negar isso, dizer que o Passo está mais para o preto e branco seco típico das páginas policiais. Esperar o que gente de pouca visão, né. Para boa parte dos moradores do lugar, como alguns que passam a tarde jogando dominó na beira do rio à luz do pôr-do-sol no Potengi, o Passo guarda o colorido da esperança. E é na esperança que o projeto INarteurbana se apega para mais uma vez levar ações artísticas para a comunidade.

Na tarde de ontem (21), o projeto deu início a mais uma edição da sua residência   artística no Passo, com um grupo de grafiteiros vindos do Rio de Janeiro, São Paulo, Piauí, Pernambuco, Ceará e Rio Grande do Norte. Os trabalhos ainda estão no início. Neste primeiro momento, alguns artistas apostaram em esboços que já tinham na gaveta, como o paulista Bruno Malagrino.

“Trouxe um desenho de casa. Minha linha conversa com o rio e com o mar. Então já combina com o lugar. Mas no contato com a comunidade, conversando com as crianças, pode sair algo daqui”, diz o grafiteiro. No pouco contato que teve com os artistas daqui, ele notou algumas diferenças no modo de pintar. “A galera de Natal é mais rápida. Me disseram que é por causa do sol. Eles atacam o muro à mão livre. Em São Paulo a gente faz primeiro o traçado para pintar em seguida”.

Crianças acompanham processo de criação dos grafiteiros

Crianças acompanham processo de criação dos grafiteiros

Vindo do Rio de Janeiro, João Lelo estava dando as primeiras cores em seu desenho. Ele apostou no muro da casa de Dona Dilma. “Ela já tinha sugerido o muro dela desde outras edições. Falei com ela que queria pintar algo ali e ela ficou agradecida. Nem se preocupou com o que eu ia pintar”, conta o artista, que traz do Rio a experiência de atuar em comunidades pobres. “A gente tá levando arte para pessoas que normalmente não vão em exposições”. João Lelo sou do INarteurbana a partir de colegas que já participaram de edições passadas, como os conterrâneos Memi e Cazé, o paulista Bailon e o potiguar Pok, todos com trabalhos estampando muros do Passo.

Representando o time da casa, o grafiteiro Marcelo Borges está aproveitando o intercâmbio com a turma dos outros estados. “Pra gente que é artista essa troca com o pessoal de fora é muito importante”, conta. Borges tem 39 anos, sendo dez deles dedicados a arte, atividade que lhe dá sustento, seja como pintor, ou tatuador. Morador do Passo, ele fala com entusiasmo desse perfil que a comunidade vem tomando com os anos, de ser uma espécie de galeria à céu aberto em Natal, devido aos quase 100 grafites que atualmente existem na área. “Por eu ser da comunidade, os moradores me cobram bastante. Querem trabalhos em suas casas. A arte urbana foi muito bem aceita aqui”.

Ações artísticas do INarteurbana mudam visual do Passo

Ações artísticas do INarteurbana mudam visual do Passo

Bruno Malagrino espera que esse mutirão de grafite seja mais um passo importante no sentido de mudar o estigma negativo que ele já descobriu que Natal tem sobre a comunidade. “Sei que existe uma mistificação grande sobre o lugar. O pessoal falou que andar por aqui é arriscado. Ter essa imagem do lugar é que é perigoso. Porque cria um muro invisível que faz as crianças daqui cresceram achando que vivem numa terra excluída”, reflete o artista paulista, enquanto interage com as crianças que pedem tinta pra ele.

É justamente isso o que mais quer Marcelo Borges. “Estamos aqui para embelezar o Passo e com isso tentar quebrar a imagem de terra perigosa que quem não vive aqui tem da gente”, comenta. “Mas tanto quanto isso, vejo nesse trabalho a oportunidade de plantar uma sementinha em cada uma das crianças daqui. Se eu ver brotar um artista do Passo, ficarei muito satisfeito”.

No Passo da Pátria nem tudo passa. Os artistas vão embora, mas a arte fica. E as suas ações deixam sementes. O Potengi, que a tudo vê, deve saber disso. E sorri com as crianças da comunidade, com a pureza que só as crianças tem, e de um jeito que só os grandes rios do norte sabem sorrir.

Atividades na Praça do Horto e Exposição na Funcarte
O INarteurbana vai promover uma tarde cultural no próximo domingo (26), na Praça do Horto, localizada próxima a Ladeira do Baldo. Dentre as atividades, estão apresentações de dança com o professor Tata Brasil, Cypher de rua, batalhas de break e a participação do DJ Stanley (Recife-PE).

Grafiteiro Marcelo Borges representa time potiguar no projeto

Grafiteiro Marcelo Borges representa time potiguar no projeto

Já no dia 30, na galeria da Capitania das Artes, será aberta a exposição coletiva com painéis dos artista selecionados nesta edição. A exposição ficará em cartaz até o dia 30 de setembro. A entrada será gratuita.

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