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As velhas ondas da Praia dos Artistas

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Ramon Ribeiro
Repórter

Houve um tempo em Natal onde a praia era bem mais do que apenas um lugar para o lazer. Era meados da década de 1970, período de contestação ao Regime Militar e de intensa efervescência cultural na cidade, quando poetas, músicos, atores, artistas visuais encontraram na Praia do Meio e região o palco perfeito para suas expressões artísticas. Tamanha agitação cultural fez de uma pequena faixa de areia próxima a Ponta do Morcego ficar carinhosamente conhecida como Praia dos Artistas.

No meio daquela movimentação estava Eduardo Alexandre Garcia, o Dunga. Artista visual, boêmio e agitador, ele transformou um mero paredão na praia num dos locais mais interessantes de exposição de arte na cidade. Batizada de Galeria do Povo, o projeto que ele começou em 1977 marcou época, impulsionando outras iniciativas, como o lendário Festival do Forte, realizado no ano seguinte.
Eduardo Alexandre Garcia na Praia dos Artistas que, há 40 anos, era a praia da moda
Hoje dedicado a fotografia e a pesquisas históricas, Dunga passa pela Praia do Meio e vê que, quarenta anos depois, aqueles tempos áureos existem apenas na memória. As barracas de palha na areia, por exemplo, deram lugar a quiosques de concreto num calçadão sempre em conserto. Do Hotel Reis Magos, cama para artistas nacionais e autoridades que desembarcavam em Natal, restou somente um esqueleto cujo fim é a demolição. O Forte, um dos monumentos mais importantes da história do Rio Grande do Norte, existe apenas como uma imponente estrutura vazia de exposições por dentro, apesar da possibilidade de reforma.

Apesar dos tempos serem outros, quem passa na Praia do Meio observa uma área ainda movimentada. Claro que o movimento não chega perto da efervescência do passado, mas  há aqueles que todo fim de semana marcam ponto na areia. Para Dunga, a praia ainda guarda sua essência: “A Praia do Meio sempre foi a praia do povo. E continua sendo”, afirma.

Como começou sua relação com a Praia do Meio?

Sempre fui frequentador de praia. Fui menino pescador de caniço e carretilha. Corria todo o pesqueiro dos arrecifes dali. Pedra da Bicuda, Forte. Mas a praia que mais pesquei foi a que chamávamos Praia do Morro, o Morro do Pinto, que é do farol. Descia suas areias fartas até o mar, a urbanização findando em Areia Preta.  Dali, até Ponta Negra, tudo era praia virgem, dunas virgens em suas formações milenares.

Na década de 1970 você promoveu na Praia do Meio a Galeria do Povo. Como s
urgiu essa ideia?
A Praia dos Artistas comecei a frequentar no tempo que a minha geração começava a ingressar nas faculdades.  Era época de encontros de horas de sol, banhos de mar, muita conversa e também boemia. A Galeria do Povo nasceu nessa época, de uma necessidade de voz num momento em que era imposto o silêncio. Era um veículo de livre manifestação popular, feito com arte, em exposições espontâneas, formadas ao chegar de cada peça. Eu tinha 24 anos quando iniciei a Galeria do Povo. Aquele fazer cultural ficou pra vida toda.

Como era a Praia naquela época? Era o lugar de lazer mais importante da cidade?

A urbanização da orla é de 1946.  Nos anos finais da década de 70, já somava mais de 30 anos da inauguração da Avenida Circular.  Havia o Hotel dos Reis Magos em sua majestade moderna, clássica, simples e ondulada como o mar e as dunas. Algumas edificações residenciais remanescentes dos primeiros anos de euforia, algumas já até decadentes. O prédio do Pâmpano mais adiante do hotel, caminho do forte.  Áreas frontais à avenida ainda desocupadas. A Praia dos Artistas era ocupada por barracas rústicas, tinha-se cerveja, cachaça, tira-gostos. As meninas de Natal, principalmente elas, eram grandes consumidoras de caranguejo à beira-mar. Era um encontro da juventude de Natal.
Entre as décadas de 70 e 90, a Praia dos Artistas reunia os natalenses
A Praia dos Artistas já foi lugar de artistas mesmo?
Foi chamada Praia dos Artistas porque quem chegava a Natal se hospedavam no Hotel Reis Magos e ia tomar banho de mar nas águas ali da frente. O Hotel dava uma dinâmica a Praia do Meio. A sociedade natalense frequentava a piscina, a boate, o bar. Tínhamos o maior orgulho do hotel. Era muito bonito.

Naquela época, quais eram os lugares que os natalenses mais frequentavam na região?

A praia tinha muitas tribos. Cada uma tinha os seus locais preferidos, como o Jangadeiro, o Castelinho, o Iara Bar, a Tenda do Cigano, Tirraguzo, Asfarn, a bodega de seu Mário.

Como o Festival do Forte aparece nessa história?

Surge na Galeria do Povo, de uma conversa com Sandoval Fagundes, um artista plástico da Paraíba que estava passando um tempo em Natal. Ele dizia para ampliarmos aquele movimento, com música, dança, teatro. Então sugeriu um festival. E eu sugeri que fosse no Forte.

A Praia do Meio perdeu um pouco do interesse dos natalenses?

A Praia do Meio sempre foi a praia do povo. E continua sendo a praia do povo. O lugar poderia ser melhor se tivesse mais segurança, um problema  que tem em todo canto. Outra coisa é civilidade e melhores condições de vida para todos.

Depois de tantos anos, o que a Praia do Meio preserva de mais encantador?

A explosão das ondas do mar contra os arrecifes. Eu creio que nisso os homens não vão meter mão. Vai ser eterno.

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