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ASAS

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Dácio galvão
Uma geografia física tísica não diz tanto quando se localiza desproporcionalmente um agrupamento mestiço que a habita.Nesse recorte que vamos nos referir os índios, negros e brancos protagonizam o cenário. Pardos predominando na geografia humana. E aí se sobressaem os traços culturais sobrepujando obstáculos sociais inclusive a miserabilidade. É desse campo étnico que asas batem alçando voos pequenos bandos de carcarás. Das planuras para a caça de crustáceos em manguezais, ou restos de comidas caseiras no lixo, ou coletas de vertebrados triturados pela aragem de tabuleiros… Carcará é onomatopeia indígena originada do seu canto. Tem o bico volteado que nem gavião. É um bicho que avoa que nem avião. Pertence a família dos Falconidaes. E é toponímia do lugarejo Carcará!

Nessa pequenina e mal tratada comunidade do Carcará se encontra pérolas em meio ao descaso público. Sem escola sem posto de saúde, drenagem, pavimento ínfimo e sem esgotamento sanitário ela se avizinha de um tremendo lixão a céu aberto. Exposto como a bocarra escancarada na capa do emblemático disco In the Court off the Crimson King, do guitarrista Robert Fripp, cuja banda King Crimson, influenciou o rock progressivo e psicodélico inglês. Sim é lixão de chorume e potenciais milacrias  proliferadoras da leptospirose, hantaviroses, tifo murino…

Ali nesse espaço adverso permeam cortes de tradição ibérica e afro-ameríndia ancestrais. Tudo constituído nas margens da lagoa Guaraíras. Edite sabe brincar de Drama e Pastoril. Dona Rita Leandro pegadora de menino novo é rezadeira de fé e mesmo os militantes pentecostais inibindo-a ela cura e livra o mau olhado.  Dona Noêmia (em lembrança) e Dona Biga ajudam a acalentar a alma de qualquer cristão. São cantadeiras solidárias que entoam Incelenças ou Benditos de velar defuntos. Pantico de memória prodigiosa traz consigo a mística das linhas de Juremas, incorporações de mediunidade e danças de terreiros. Sabe trabalhar. Cobrinha mestre galante sapateador como ninguém sabe de todo o auto do Boi de Reis. Chico Science se vivo fosse o chamaria de homem-garanguejo habitante da mangue-town. Adora adentrar e pescar com as mãos nos manguezais com raízes que anunciam aratus. Gracinha na eterna tessitura de labirintos têxteis brancos ou vermelhos que ornam mesas, blusas… Especialmente de gente simples e sofisticada.

Nesse universo de saberes e entidades de séculos mnemônicos e de plasmas entrecruzados paira um bem patrimonial imaterial maior que se nivela à liberdade de voos de carcarás, pássaros nem tão abundantes emprestadores do seu nome vulgar à localidade.

Pantico, Cobrinha, Biga e Noêmia, já foram redesenhados respectivamente por artistas da calibragem de Mônica Salmaso e Naná Vasconcelos, Xangai e Walter Franco. Os Benditos foram plasmar na tela nacional do filme O Homem que Desafiou o Diabo, comédia baseada no romance As Pelejas de Ojuara, do escritor Nei Leandro de Castro, dirigido por Luiz Carlos Barreto.

Para todos os habitantes do Carcará nada disso importa. Quer esteja vinculado para baixa ou para alta cultura supondo existir essas escamoteadoras categorizações.  Vida mansa, pescaria familiar e pouca agricultura de subsistência turbinada por invariáveis porres homéricos é a prevalência cotidiana habitual e equidistante. Marcas demarcam uma oralidade rara rica com seus dias contados. É massacre mascarado por massificação de produtos e produtos. Por consumos e consumos.

E ai se juntam mais cacos e fragmentos consolidando (quem sabe?) quando não estivermos mais aqui futuros caminhos referenciais provenientes da dinâmica evolutiva e incomensurável do estar e do fazer. Coisas da sabedoria do coletivo, dos saberes infinitos de povos. Viva o Povo Brasileiro! Tá valendo o irônico brado de João Ubaldo Ribeiro.

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