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Assentamento desperdiça verba pública em São Paulo

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Por José Maria Tomazela

Enviado especial da Agência Estado

Piraju, SP – O assentamento idealizado pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho da Força Sindical, em Piraju, a 330 quilômetros de São Paulo, virou modelo de desperdício do dinheiro público. Os 302 alqueires da Fazenda Ceres adquiridos por R$ 2,3 milhões deveriam garantir a subsistência de 72 famílias de pequenos agricultores sem-terra. O projeto, envolvido num emaranhado de denúncias, fracassou. Na área se encontra de tudo – pedras, capoeiras, mato alto, capim braquiária, instalações em ruínas – menos lavouras.

A maior parte das famílias assentadas voltou a trabalhar como bóia-fria em fazendas da região.     Não fosse pelas casas de alvenaria, dotadas de água encanada e de um sofisticado, e desnecessário, sistema de aquecimento solar, a vila construída ao custo de quase R$ 1 milhão para abrigar os assentados seria uma favela rural. As ruas não têm iluminação nem calçamento e ficam intransitáveis quando chove. Não há coleta de esgoto e as fossas-negras contaminam o subsolo. Faltam escola, posto de saúde, estabelecimentos comerciais e transporte: na ida e volta à cidade, os moradores têm de caminhar 10 quilômetros. Apenas os alunos têm condução fornecida pela prefeitura.

O projeto já começou errado. O Ministério Público Federal acusa Paulinho e outras 11 pessoas de terem superfaturado a compra da fazenda em pelo menos R$ 1 milhão, dinheiro que teria sido desviado em proveito dos acusados. Cerca de 50% da área, segundo o Ministério Público, não se presta à agricultura e foi adquirida mesmo com o conhecimento desse fato.

Passados seis anos, os próprios assentados estão convencidos de que o projeto ruiu. “Se for depender daqui a gente não vive”, diz o assentado José Domingues dos Santos, de 45 anos. Ele trabalha como bóia-fria a R$ 20 por dia, quando tem serviço. Dos 8 filhos, Fabiano, de 22, é o único que trabalha, mas fora do assentamento. O lote de 4,6 alqueires está coberto pelo mato. “Se eu puser dinheiro lá, não sobra para a comida.”    

Santos conta que, há três anos, o Programa Nacional de Agricultura Familiar (Pronaf) do Ministério do Desenvolvimento Agrário liberou R$ 8 mil por assentado para um projeto de galinhas poedeiras. A verba saiu para a entidade que administra o assentamento, a Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju, que forneceu apenas o material para a construção dos galinheiros. “Não vi a cor do dinheiro, mas fiquei com a dívida para pagar”, afirma o assentado. Ele se tornou inadimplente. No galinheiro, que nunca recebeu poedeiras, foi improvisada a casa de Fabiano, que é casado e tem um filho.

Investimentos em pecuária e  hortaliças fracassaram

A Associação de Agricultores Familiares Força da Terra de Piraju recebeu verbas para fomentar a produção de hortaliças, frangos, ovos e legumes em estufa. Nada foi adiante: as estufas estão em ruínas e aviários são usados para criar porcos e cabras. “Os projetos pararam porque houve irregularidades na compra do material e na prestação de contas”, conta Fernandes. Os assentados nunca pagaram um centavo do valor da terra e das benfeitorias, e a maioria dos que tomaram financiamentos está inadimplente.

O assentado Ednilson de Camargo, de 41 anos, acusa a associação de perseguir quem produz. “Querem me excluir porque dizem que tenho um patrimônio de mais de R$ 50 mil, mas ninguém vê que levanto de madrugada e trabalho até a noite.”

Ele adquiriu um trator, uma colheitadeira, um carro e vários implementos, tudo usado. Camargo faz lavoura e ainda aluga as máquinas para produtores de fora. No seu lote, colheu 250 sacas de milho e faturou R$ 6,3 mil que vai investir na reforma de outro trator velho. “Quem entra aqui e melhora fica visado”, diz.

É o que está acontecendo com o assentado Airton Oliveira. Ele montou por conta própria um conjunto de estufas onde cultiva hortaliças que vende na cidade. Progrediu, mas está ameaçado de expulsão. “A situação dele é irregular porque comprou os direitos de outro assentado à revelia da associação”, afirma o tesoureiro Fernandes.

O problema é que há mais de dez assentados na mesma situação. Apenas um, Leandro Aparecido Batista, foi excluído. Outros simplesmente fecharam as casas e se mudaram para a cidade.  O tesoureiro acredita que só uma mudança na forma de exploração pode salvar o assentamento. “Ao invés de trabalhar em conjunto, pretendemos organizar o trabalho individual, em lotes de até 2 alqueires.” Fernandes admite que as terras não eram as mais adequadas para o assentamento. “Tem muita pedra e até tentamos explorar uma pedreira, mas o meio ambiente não autorizou.

Ele também não entende por que se construiu a vila com 72 casas, se já havia 32 moradias de bom padrão na fazenda, entre elas a casa-sede. Esse imóvel e as moradias dos colonos estão, agora, em completa ruína. Também se perderam os currais, a usina de beneficiamento de café e terraços de secagem – benfeitorias incluídas no valor pago pela fazenda. A dívida total do projeto já beira os R$ 6 milhões.

Apurações indicam que fazenda teve sobrepreço

Piraju, SP(AE) – O projeto de assentamento da Fazenda Ceres teve início em 2001, com a compra da propriedade por R$ 2,3 milhões – R$ 7,5 mil por alqueire. Na época, a Força Sindical tinha feito convênio com o Banco da Terra para atender as 72 famílias. O presidente da Força, deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), o Paulinho, tem ligações com Piraju – sua mulher é da cidade.    

O Ministério Público Federal concluiu que a área teve um sobrepreço de 77,3%, uma vez que seu valor máximo deveria ter sido estabelecido em R$ 1.297.464. Perícia realizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e pela Fundação Itesp apontou que o valor venal da fazenda na época da venda era de R$ 1.464.561,63.

O juiz federal João Eduardo Consolim, da 1ª Vara Federal de Ourinhos (SP), recebeu denúncia oferecida pelos procuradores da República Antônio Arthur Barros Mendes e Célio Vieira da Silva e abriu processo contra Paulinho e mais 11 pessoas pelos crimes de estelionato, falsidade ideológica e falsificação de documentos.

Entre os acusados estão o assessor de Paulinho, João Pedro de Moura, e o então prefeito de Piraju, Maurício de Oliveira Pinterich (PSDB), atual subprefeito do Butantã, em São Paulo. À época, ele presidia a Associação dos Municípios do Vale do Paranapanema (Amvapa). Todos tiveram os bens bloqueados.

Com sua eleição para deputado, Paulinho passou a ter o benefício do foro privilegiado. A ação criminal contra ele foi transferida para o Supremo Tribunal Federal (STF). Caso deixe o posto na Câmara por conta da recente denúncia de desvios de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), perderá também o foro privilegiado.

Os outros réus têm interrogatório marcado para o próximo mês, em Ourinhos. Todos respondem também a ação cível que visa à recuperação do dinheiro que teria sido desviado.  O ex-presidente da Amvapa, Maurício Pinterich, disse que a denúncia de superfaturamento é infundada.

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