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Azares da sorte

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Merval Pereira

Por esses acasos que regem a política, sobretudo a brasileira, que se transmuda tão rapidamente como as nuvens como identificou o político mineiro Magalhães Pinto, o ex-presidente Lula foi parar na cadeia devido a uma lei sancionada por seu “poste” Dilma Rousseff, e pode sair apoiado por uma lei editada por seu inimigo cordial Fernando Henrique Cardoso.
Foi durante o primeiro mandato de Dilma, em 2013, que a Lei das Organizações Criminosas instituiu a colaboração premiada, vulgarmente chamada de “delação premiada” entre nós. Instrumento que, utilizado pela força-tarefa da Lava-Jato, permitiu a prisão de políticos e empresários envolvidos num esquema de corrupção organizado pelo PT para financiar suas campanhas políticas e as de partidos aliados.

Lula foi condenado por corrupção no caso do tríplex do Guarujá devido a provas indiciais e testemunhais, entre elas a delação premiada do proprietário da empreiteira OAS, Léo Pinheiro, que confessou ter dado o apartamento ao ex-presidente em troca de favores recebidos.

Já o artigo 283 do Código de Processo Penal que define, na opinião dos contrários à prisão em segunda instância, o trânsito em julgado como uma das maneiras de se levar alguém à prisão, é fruto de uma reforma legal proposta pelo governo Fernando Henrique em 2001, aprovada dez anos depois.

Na gestão do ministro da Justiça José Gregori, sendo advogado-geral da União o hoje ministro do STF Gilmar Mendes, foi criada uma comissão de juristas para elaborar o projeto de lei, apresentado à Câmara dos Deputados baseado em uma explicação técnica das mudanças assinada pelo então presidente Fernando Henrique. Sobre o trânsito em julgado, diz: “Fora do âmbito da prisão cautelar, só é prevista a prisão por força de sentença condenatória definitiva. Com isso, revogam-se as disposições que permitiam a prisão em decorrência de decisão de pronúncia ou de sentença condenatória, objeto de crítica da doutrina porque representava antecipação de pena, ofendendo o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, da Constituição Federal)”.

As ações declaratórias de constitucionalidade 43 e 44 propostas pelo partido PEN e pela OAB pedem que o Supremo declare a constitucionalidade do artigo 283 do Código de Processo Penal, que diz: “Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva”.

Para os defensores do trânsito em julgado, esse artigo define os três tipos de prisão que existem legalmente: 1) flagrante delito; 2) em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado; 3) prisão temporária ou provisória.

Os defensores da segunda instância alegam que as preposições “em” mostram, claramente, quais são os “casos permitidos” para a “prisão”. A “ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente” também permite a prisão, e o ministro Luiz Fux disse no julgamento do habeas corpus de Lula que a decisão do Tribunal Regional Federal (TRF-4) está, assim, respaldada.

O que está na Constituição Federal quanto à prisão (art. 5º, LXI) confirmaria essa interpretação, quando diz que ela ocorrerá: “Em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente”.

A interpretação dos textos legais tem proporcionado casos esdrúxulos, como o da ex-presidente Dilma, que foi impedida como presidente da República pelo Senado presidido pelo presidente do STF, na ocasião o ministro Ricardo Lewandowski, mas escapou de ter seus direitos políticos cassados.

Consta na Constituição, no artigo 52, o seguinte: “Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis”.

Uma manobra do presidente do Senado, Renan Calheiros, com a conivência de Lewandowski, e apoio dos partidos de esquerda, levou a que o impeachment e a cassação dos direitos políticos fossem interpretados como punições distintas, e não uma consequência da outra.

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