Ministro do STJ
Escreveu diatribes tremendas contra sua Bahia natal, a mais famosa das quais o soneto em que lamenta a própria decadência e a de sua cidade (como se pode ver em várias passagens de Jorge Amado, muitos baianos chamam Salvador de Cidade da Bahia): “Triste Bahia! ó quão dessemelhante/ Estás e estou do nosso antigo estado!/ Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado/ Rica te vi eu já, tu a mi abundante”, que muito tempo depois Caetano Veloso musicou (no álbum Transa, em 1972). Mas o Boca do Inferno não foi capaz de negar seu amor filial pela terra ao versejar: “Esta mãe universal,/ esta célebre Bahia”…
Depois veio Frei de Santa Rita Durão, em Caramuru, poema épico sobre a descoberta da Bahia, dizer: “De um varão em mil casos agitados,/ Que as praias discorrendo do Ocidente,/ Descobriu recôncavo afamado/ Da capital brasílica potente”, registrando em verso que a Bahia era àquele tempo a cabeça (do latim capitis, de onde também provem capital) do Brasil.
Castro Alves, nosso mais importante bardo romântico, exaltou as virtudes do povo baiano, celebrando em mais de um canto o Dois de Julho, data da independência da Bahia depois de lutas renhidas: “Mas quando a branca estrela matutina/ Surgiu do espaço… e as brisas forasteiras/ No verde leque das gentis palmeiras/ Lá do campo deserto da batalha/ Uma voz se elevou clara e divina:/ Eras tu – Liberdade peregrina!/ Esposa do porvir – noiva do sol!…”
O trovador contemporâneo Bule-Bule, com rara felicidade, retratou essa ligação telúrica do Byron brasileiro com sua origem, dizendo: “Castro Alves no céu sente saudade/ Do batente da casa onde nasceu.” A Bahia é tão boa que, mesmo no céu, o caba tem saudade dela. Por isso se chama a boa terra.
Mas foi nas letras da música popular que a paixão que a Bahia desperta em seus filhos tornou-se mais conhecida, como nessa inesquecível modinha de Dorival Caymmi: “Nas sacadas dos sobrados/ Da velha São Salvador/ Há lembranças de donzelas,/ Do tempo do Imperador.// Tudo, tudo na Bahia/ Faz a gente querer bem/ A Bahia tem um jeito,/ Que nenhuma terra tem!”
Mas esse bem-querer maternal da Bahia se estende, generoso e abundante, aos filhos de outros torrões. Ary Barroso, mineiro de Ubá, resumiu: “Bahia, terra da felicidade…” O carioca Vinicius de Moraes louvou a Bahia muitas vezes, mas chegou mesmo a se inclinar diante dela em humildade religiosa: “A bênção, mãe/ Senhora mãe/ Menina mãe/ Rainha!// Olorô, Bahia/ Nós viemos pedir sua bênção, saravá!”
Porém a mais linda descrição desse sentimento que alguém de fora pode ter pela Bahia é o do pouco conhecido Augusto Duarte Ribeiro, pseudônimo Denis Brean, um paulista de Campinas, nessa canção que o baiano João Gilberto imortalizou: Dá licença, dá licença, meu sinhô/ Dá licença, dá licença pra ioiô./ Eu sou amante da gostosa Bahia, porém/ Pra saber seu segredo serei baiano também./ Dá licença, de gostar um pouquinho só/ A Bahia eu não vou roubar, tem dó!/ Ah! Já disse um poeta que terra mais linda não há/ Isso é velho e do tempo que a gente escrevia Bahia com H!/ Deixa ver/ Com meus olhos de amante saudoso/ A Bahia do meu coração/ Deixa ver Baixa do Sapateiro Charriô, Barroquinha, Calçada, Tabuão!/ Sou um amigo que volta feliz pra teus braços abertos, Bahia!/ Sou poeta e não quero ficar assim longe da tua magia!/ Deixa ver/ Teus sobrados, igrejas, teus santos, ladeiras e montes tal qual um postal./ Dá licença de rezar pro Senhor do Bonfim/ Salve! A Santa Bahia imortal, Bahia dos sonhos mil!/ Eu fico contente da vida em saber que Bahia é Brasil!” Eu poderia fazer mil outras homenagens à Bahia, mas fico com esta última, que retrata exatamente minha condição.
É bíblico: A boca fala do que o coração está cheio (Mateus, 12:34). Esta crônica, com a qual volto a escrever regulamente em jornal, expõe de público meu agradecimento aos baianos, que me fizeram seu conterrâneo, de todos os que eu já citei aqui, de Maria Quitéria e Irmã Dulce, de Teixeira de Freitas e Ruy Barbosa, de Anísio Teixeira e Machado Neto, de Aliomar Baleeiro e Orlando Gomes, de João Ubaldo Ribeiro e Dona Canô, de Raul Seixas e Gilberto Gil, de Bebeto e Popó, de mais alguns que eu vou esquecer de citar e depois morrerei de remorso e, enfim, de toda essa nação de talento e criatividade que é o povo da Bahia.
Na Bahia nasceu o Brasil. Na Bahia pregou Vieira. Na Bahia estudou Cascudo. À Bahia hoje eu digo – parafraseando o ditado irônico, do qual, novíssimo baiano, aqui faço sincera homenagem -: pense numa maravilha; na Bahia tem precedente!