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Baleia

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Magra, muito magra, as pernas compridas, o couro e o osso. E onde um dia foi a barriga, cheia de preás gordos, restou um buraco cercado de costelas descarnadas e arqueadas, como o corpo de um bicho sem vida, quase morto. A cabeça arreada, o focinho caído, orelhas murchas, olhos tristes, tristes, no chão de pedra, como se nada olhassem. Seu passo é trôpego, já sem sustança, como se nada mais tivesse a fazer, a não ser caminhar até perder as últimas forças.
Baleia chegou num pequeno caixote de tábuas de pinho branco. Lacrado. Envolvida em plástico e cuidadosamente posta numa aninhagem de raspas de madeira. Sobre a tampa de cima do caixote, em letras grandes e azuis, meu nome e endereço. Na lateral, o remetente. O escultor Marcos Paulo Lau da Costa. Veio de Sertânia, cidade antiga, de brasão d’armas e escudo, fincada no sertão velho de Pernambuco, caatinga heroica, no fogaréu do calor feito mormaço.  
Diriam aqueles de olhos que não conhecessem sua história de luta que é bicho sem graça. No entanto, sua graça está escondida nas ruínas do seu corpo frágil que um dia foi forte, caçador de preás gordos nas invernadas de um tempo sem o ronco da fome a devorar sua carne. Depois, veio o ronco brabo e retirante. E foi abocanhando, pouco a pouco, o que lhe restava de corpo, até que as suas pernas, só o couro e o osso, já não pudessem sustentá-la, de tão fracas e sem vida.  
Ora, não seria Baleia, com seu nome próprio e arrastando sua história, se não chegasse assim, magra e triste. Se não fosse o retrato perfeito da tristeza retirante, seguindo os passos de Fabiano, o herói sem glória. Aquele que nem mais esmagava com seu peso magro as alpargatas pisando aquele chão de lajedos, levando o seu corpo calado de desespero. Ele que ainda tinha no ombro sua espingarda de caça e com ela poderia pelo menos abater a vida já morta de fome. 
Baleia chegou assim. Triste. Trazida pela grandeza de um silêncio de dor que ninguém nunca ouviu antes. Um silêncio pesado que o corpo, aos poucos, não pode mais sustentar. Um silêncio de fome, escondido entre suas costelas arqueadas. Quieta. Como se preparasse a vida para a chegada da morte a lhe matar de fome. Dos seus olhos saltava uma tristeza humana como quem diz saber de tudo. E foi deitando no chão o que resta de vida, se é a vida o que lhe restava.   
Nunca pensei que Baleia existisse de verdade. Vivi a vida inteira pensando que era uma criação literária de Graciliano Ramos. Ah, Baleia existe. Se antes vivia na dimensão ficcional, hoje vive na perfeição da escultura de Lau da Costa. É tanto que está aqui. A cabeça caída, as orelhas murchas, as pernas só o couro e o osso. Tão real que até fico esperando ouvir o tiro de Fabiano e Baleia cair com o rabo na cerca. E morrer para continuar sonhando com preás gordos.  
COBRO – O ex-ministro Rogério Marinho começa a ser cobrado nas redes sociais e de forma anônima, pelas reformas nas relações de trabalho e previdência. Guerra feita de muitos petardos.  
CARTAZ – Estreia hoje, em Guimarães, Portugal, a peça A grande serpente, de Racine Santos, sob direção de Moncho Rodriguez. É o talento de Racine que ultrapassa a fronteira do Brasil.
CARTILHA – De um marinheiro de muitos mares revoltos ouvindo o resmungo e gemidos por entre os silêncios que antecedem as grandes lutas: ‘Um político experiente não tem memória’. 
ARTE – Iaperi Araújo tocando dois livros ao mesmo tempo sobre a vida e arte de Iaponi Araújo, nosso nome mais consagrado nacionalmente nas artes plásticas, e Manxa, o grande entalhador.
TIMBRE – Iaperi, presidente do Conselho Estadual de Cultura, integra a Associação Brasileira de Críticos de Arte e é da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras. É o nome certo para o desafio.  
BRILHO – Na edição Global de ‘O Povo Brasileiro’, comemorativa dos cem anos de Darcy Ribeiro, neste 2022, foi mantido o agradecimento ao antropólogo seridoense Mércio Gomes.   
AVISO – Até dia onze de agosto chega às livrarias o novo livro de Ruy Castro, um romance: ‘Os Perigos do Imperador’. D. Pedro II é alvo de conspiração numa viagem aos Estados Unidos. 
POESIA – De Graciliano Ramos, no fecho do conto Baleia, antes de ser personagem de “Vidas Secas”, o grande romance: “Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás”. 
CHAVES – A revista da Academia de Letras Jurídicas do Estado homenageia João Chaves, o jurista pioneiro no Brasil ao lançar, em 1912, há mais de um século, ‘Sciência Penitenciária’, em Lisboa, edição da A. M. Teixeira. Um tratado de quatrocentas páginas sobre a nova ciência. 
QUEM – Anos depois de morto, o maior penitenciarista do Rio Grande do Norte deu nome à Colônia Penal João Chaves e foi lembrado nos cem anos do livro, 2012, nesta coluna, na edição   de 21.07.2012 do ‘Jornal de Hoje’. A segunda edição, pela Azymuth, só seria lançada em 2015.   
ÍCONE – A primeira homenagem intelectual é a publicação de um grande ensaio do jurista, professor e juiz federal Walter Nunes da Silva Júnior – ‘O penitenciarista Doutor João Chaves’. Chave revive nas páginas da revista da Academia de Letras Jurídicas do Rio Grande do Norte. 
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