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Banda Grafith 30 anos: entre Londres e o Pelourinho

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Ícaro Carvalho
Repórter

“Ei, vem ver aqui essa música”, conta Joãozinho, natalense, 62 anos, guitarrista da Banda Grafith, chamando o repórter para conferir um som, logo após uma tarde de conversa. Era o início do ensaio do grupo, com a música “Another Brick in The Wall”, da banda britânica Pink Floyd, sucesso que caiu nas graças dos músicos e é tocada até hoje nos shows do grupo natalense. Roger Waters e David Gilmour, inclusive, são dois nomes do rock mundial nos quais os irmãos grafiteiros se inspiram.

Após voltar de SP, a Grafith se tornou cada vez mais uma marca da capital potiguar, com fãs em vários estratos sociais, mas principalmente na periferia


Após voltar de SP, a Grafith se tornou cada vez mais uma marca da capital potiguar, com fãs em vários
estratos sociais, mas principalmente na periferia
#SAIBAMAIS#

A música rola num estúdio pequeno, quadrado, com um tapete marrom repleto de detalhes amarelos e beges, onde estão dispostos outros membros da banda, ao lado de caixas de onde saem o som estrondoso composto por Waters. A música para e os músicos definem qual será a próxima do ensaio, a preparação para os shows costumeiros da banda, que toca de 12 a 20 vezes por mês. Após conversas, decidem a música. De repente, o ouvinte é transportado numa catapulta de Londres para o Pelourinho, Bahia, ou melhor, para Pitimbu, bairro da zona Sul de Natal, quando um outro clássico começa a soar.

“Te tê teretê dudu, tê teretê dudu/ Te tê teretê dudu, tê teretê dudu, nina nina nina/ Chico bateu no bode, bode bateu no Chico”. O que na verdade era uma crítica à Chico Buarque, composição de Carlinhos Brown, acabou por se tornar um dos maiores sucessos da banda Grafith, incorporada ao repertório da banda e se tornando praticamente um hino grafiteiro.

Em apenas 10 minutos foi possível ouvir a disparidade e ao mesmo tempo a diversidade do repertório do Grafith, que completa 30 anos neste mês de novembro e faz a sua tradicional festa de aniversário neste sábado (17), na Arena das Dunas. O grupo de quatro irmãos, que, além de Joãozinho, conta com o vocalista e baixista Luís Cláudio “Kaká”; o empresário e vocalista Christiano Júnior e o percussionista e baterista Carlinhos, mantém até hoje o aspecto de banda baile criado nos anos 70 e 80.

Esse é um dos fatores ressaltados pela equipe, isto é, o de se adaptar aos públicos, às gerações e às paradas musicais. Com um repertório que vai de composições próprias a hits de outras bandas que fazem sucesso, o Grafith toca de tudo um pouco, se adequando ao que está rolando no período, criando uma versatilidade e agradando a todos os públicos.

Joãozinho, Kaká, Carlinhos e Júnior privilegiam o ecletismo e vão de Pink Floyd a Carlinhos Brown


Joãozinho, Kaká, Carlinhos e Júnior
privilegiam o
ecletismo e vão de Pink Floyd a Carlinhos Brown

“Essa raiz baile não apagou, perdura até hoje. Temos essa identidade. Hoje as formaturas têm que ter Grafith. Em Mossoró está uma febre, mais do que Natal. Porque: temos uma linha de repertório para atender dos anos 60, 70, 80, o que você quiser a gente toca […] A banda foi se adaptando às realidades, vivendo o passado, nunca cortando as nossas raízes. O fã que curtiu João nos anos 70, 80, 90, ele quer ouvir João cantando aquela música. O cara implora. E aí a gente abre aquela oportunidade para Joãozinho cantar flashbacks na voz dele”, comenta, citando bandas que foram e ainda são referência para o grupo até hoje, como Black Sabatth, Deep Purple, Led Zeppellin, entre outras.

“Bota o Grafitão pra tocar aí”. Certamente alguém de Natal ou do Rio Grande do Norte já ouviu tal frase. A banda formada pelos quatro irmãos, fãs de rock e nascidos e criados no bairro de Santos Reis, zona Leste de Natal, carrega características e peculiaridades que poucos grupos musicais do gênero “baile” conseguiram atingir. Com um público altamente cativo e fiel – “a Nação Grafiteira” – o som diversificado, que fala desde o amor, letras com duplo sentido, coreografias sensuais e até problemas sociais, a música do “Grafitão” chegou, decolou nos carnavais, micaretas, casas fechadas, formaturas e acima de tudo, grudou nos ouvidos potiguares. Músicas como “Chico bateu no bode”, “Bicicletinha”, “Vida Loka também ama”, “A Cobra”, “Chave de cadeia”, “Camaleão”, ”“Me chama de My Love”, “Sou grafiteiro por amor”, entre tantos outros sucessos, ganharam o público em várias situações graças à banda.

Esta última música, inclusive, ultrapassou os limites de Natal e tornou a Banda Grafith conhecida em todo o mundo, pelo menos por alguns minutos. Em fevereiro de 2014, o lutador Renan Barão entrou no octógono do UFC ao som da música composta por Kaká Grafith, lançada meses antes. À época, o natalense defendia o cinturão do peso-galo contra o americano Urijah Faber. Com o som norte-rio-grandense ecoando na cidade de Newark, Nova Jersey, o campeão potiguar venceu a luta ainda no primeiro round, representando bem o Rio Grande do Norte e consequentemente, a “Nação Grafiteira”. O próprio Renan Barão chegou a ganhar uma música dos grafiteiros: “Passinho do Barão”, uma forma de retribuição e homenagem ao lutador grafiteiro.

Grafiteiro. Se os amantes de Pink Floyd são “floydianos”, os admiradores da cearense Aviões do Forró são “aviãozeiros” e por aí vai, a banda de Natal também ganhou uma alcunha para chamar de sua. Não tem a ver com estilo de vida, ideologia, modo de se vestir, tampouco a paixão apenas por um gênero musical. Grafith acabou por se tornar uma banda que representa não só a cidade de Natal, mas o povo da capital potiguar e também do Rio Grande do Norte. Dando seus primeiros passos no antigo clube Assen, em Natal, os grafiteiros conquistaram o Estado potiguar e porque não, o Nordeste brasileiro.
Começo difícil, ida à São Paulo e loucura financeira
Não é nenhum absurdo afirmar que a Banda Grafith tem uma ligação forte com Natal. De Santos Reis para o mundo, os grafiteiros tiveram um começo difícil e conturbado, comum na formação de muitos grupos musicais. Os irmãos já agitavam as noites de Natal desde a década de 70, em grupos como Alerta 5, Sui Generis, The Shynes, Os Impossíveis, entre outras. Nessa época, os irmãos só se juntaram de fato nos Impossíveis, de onde partiram pouco tempo depois para a Sui Generis. Foi com o novo grupo que eles foram à São Paulo, tentar a sorte, em maio de 1987.

Em terras paulistas, a equipe chegou a ensaiar e fazer um show, mas a sensação de completude não estava firmada entre os quatro membros. Após reflexões, viram que era saudade de casa. Natal os chamava.

“Fomos à São Paulo, conversamos com Romário [empresário à época], definimos os detalhes. A ponto de ensaiar, fizemos show em Peruíbe, mas eu disse: nosso canto é Natal, o nosso Estado. O povo lá gosta da gente. Até porque passamos 12 anos tocando no clube Assem, entre os anos 80 e 90, todo domingo 2.500 pessoas ali dentro. Por isso tínhamos essa identidade forte, porque era fixo. 2500 pessoas lhe vendo todo domingo? E renovando… Imagine quantas décadas a gente representava”, conta Junior Grafith.

Os irmãos da banda Grafith tocavam no Clube da Assem, nos anos 80, todos os domingos, ainda como Banda Sui Generis


Os irmãos da banda Grafith tocavam no Clube da Assem, nos anos 80, todos os domingos, ainda como Banda Sui Generis
De volta à capital potiguar, uma fala de um dos empresários da banda chateou a todos. “Vocês estão pensando que vocês quatro são alguma coisa na banda? O nome aqui é Sui Generis, a gente deixou esse nome plantado aqui em Natal, o nome é maior que vocês. Vocês aqui não são nada”, lembram os músicos. Foi o estopim para que os músicos de Santos Reis formassem sua própria banda, que ganharia forma e a sonhada autonomia. Faltava o principal: um ônibus e os instrumentos musicais, mecanismos necessários para que uma banda emplacasse na época.

Os irmãos lembraram de um equipamento e um ônibus disponível em Jardim de Piranhas, Seridó potiguar, e após negociações, fizeram a compra. Detalhe: sem nenhum real no bolso. A compra foi dividida em quatro parcelas, que seriam pagas com recursos que a banda adquirisse nos shows com o Sui Generes, grupo do qual ainda faziam parte e só sairiam de fato após o cumprimento de todos os contratos.

Resumo da ópera: um carro de um amigo precisou ser financiado, o ônibus chegou a ser alugado para angariar recursos (e chegou a quebrar em atividade), além do dinheiro por si só ser curto. O clima de aflição tomava conta da banda. Será que iriam ter o dinheiro para quitar o restante das parcelas? Pensaram, inclusive, em entregar os equipamentos. Mas Junior tranquilizou os irmãos.

“Só tem as coisas quem mete a cara, quem tem objetivo e quem é determinado. Se você não se determinar ninguém vai chegar e dar a você. Ou você corre atrás ou você não é nada, não chega a lugar nenhum”, havia dito um amigo próximo aos integrantes da banda. O sonho se mantinha vivo.

Por se tratar de um ano eleitoral, os shows acabavam ficando mais caros. Era o momento ideal para fazer dinheiro e engrenar. Após uma série de shows em Pedro Velho e em São José de Mipibu, num intervalo de tempo entre 16h e 22h, isso entre o show, a viagem e a montagem do equipamento, os grafiteiros conseguiram juntar em torno de 28 mil dólares, um valor que, na época, deu para quitar uma parte das dívidas e financiar o que seria o começo da banda.

No dia 4 de novembro de 1988, numa sexta-feira, os filhos de seu Christiano e dona Maria Otácia faziam o primeiro show no antigo clube Assem, para aproximadamente 2.500 de pessoas. Parafraseando um hit da própria banda: o Grafitão chegou e a galera saiu do chão. 

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