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Banda Grafith 30 anos: Uma banda de alma popular

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Ícaro Carvalho
Repórter

Kaká Grafith estaciona seu
carro esporte preto próximo a uma barraca de sorvete, numa rua
asfaltada. Como de costume, o sol é alto no bairro de Santos Reis, zona
Leste de Natal. Lá, carros, ônibus e motos passam em alta velocidade. Um
menino, por volta dos seus 14 anos, e uma moça, acompanham a cena. O
cantor desce e vai atrás dos outros irmãos, próximo à Vila do Sargento.
Foi ali que Joãozinho, Carlinhos, Kaká e Júnior, junto com outros sete
irmãos, passaram boa parte da infância e da adolescência. Em meio à
conversa, os quatro caminham em direção à casa. Os veículos passam,
buzinam, acenam. Alguns até se arriscam e gritam “Grafith”. Do outro
lado da rua, vários garotos ao verem a cena, não se contém: “E duas
almas se encontraram/ Taram Taram Taram/ Na porta do ‘Cimitério’/ Tério
tério tério […]”. Os meninos logo perdem a vergonha, atravessam a rua e
vêm falar com os artistas, que prontamente atendem.
Banda passou 12 anos tocando no clube Assem, entre os anos 1980 e 1990. Os shows eram aos domingos e atrairam cerca de 2.500 pessoas. O Grafith criou uma identidade forte com o clube, localizado no bairro do Tirol
Banda passou 12 anos tocando no clube Assem,
entre os anos 1980 e 1990.
Os shows eram aos domingos e atrairam cerca de 2.500 pessoas. O Grafith
criou uma identidade forte com o clube, localizado no bairro do Tirol

#SAIBAMAIS#Uma banda do povo para o povo.
Essa é sem dúvidas uma boa definição para explicar o que é o Grafith
para a sociedade natalense. Sim, uma banda que saiu de Santos Reis e
conquistou o Rio Grande do Norte, com seu jeito eclético, bem humorado e
sem vergonha de cantar músicas com letras em tom ambíguo e jocoso e, em
alguns momentos, “falando de amor”, conquistou o povo natalense, com um
som atravessando gerações e permanecendo vivo até hoje. Chegar a 30
anos de carreira, e ainda com pique e fazendo sucesso, não é fácil,
garantem os artistas. Mas Junior Grafith, empresário e cantor, comenta:
tem orgulho de ser uma banda popular.

“Não é fácil para uma banda
chegar tocando 30 anos, vivendo um momento de sucesso. Eu para chegar
em casa, em cada lugar que parei, inclusive, numa loja de design, o
pessoal saiu de dentro do escritório, onde eu chegava o pessoal batendo
foto. E não tem coisa melhor que isso: você estar dentro da sua cidade,
ter esse reconhecimento, pessoas olhando para a gente, nesses anos
todos, como se Grafith fosse um mito. De ter uma popularidade tão
grande, uma presença tão grande, o povão mesmo, a periferia. Sempre
falo: mais vale o humilde do que o rico. O humilde sempre será mais
verdadeiro que o financeiro”. “O que sustentou a gente nos 30 anos foi a
periferia. O que continua sustentando são os humildes mesmo”,
acrescenta.

Se por um lado a alma da Nação Grafiteira é de
origem humilde, o estigma acaba por trazer preconceitos e associações
negativas à banda, como ligações com brigas, confusões e tumultos. No
próprio Youtube, por exemplo, uma pesquisa rápida mostra vídeos de
brigas generalizadas em aniversários da banda e em shows pelo Estado. Em
2014, um show em Mossoró acabou em tumulto e a discussão chegou à
câmara de vereadores da cidade, conforme reportagem desta TN à época.
Chegou-se a cogitar, inclusive, uma proibição da banda tocar em terras
mossoroenses, o que não aconteceu. A situação irrita os músicos, porém,
mesmo diante da polêmica, os grafiteiros garantem: não incitam violência
enquanto estão no palco.
Das ruas do bairro Santos Reis, a banda deslanchou e ganhou o mundo. Hoje, chega aos 30 anos de carreira, com pique e fazendo sucesso
Das ruas do bairro Santos Reis, a banda deslanchou e ganhou o
mundo. Hoje, chega aos 30 anos de carreira, com pique e fazendo sucesso

“Como
a gente é uma banda popular, que toca para muita gente de requisição
baixa, muitas vezes as pessoas criam aquele preconceito da banda só
levar gente de periferia. E sempre a gente foi marginalizado por causa
dessa galera que andava com o Grafith. Mas, você sabe que em festa
existem pessoas ruins e pessoas boas. Não é porque estamos tocando para
um pessoal da periferia que o pessoal seja ruim. Mas sempre acontecia as
coisas com a gente, mas a gente não tinha nada a ver. Nunca fizemos
apologia a crime, a essas coisas não”, comenta Kaká, vocalista da banda.
“A gente sabe que a violência se estende de uma forma que, eu digo
muitas vezes que o poder público perdeu esse domínio, e bota, muitas
vezes, em certas situações, um bode expiatório. E um desses era o
Grafith”, lamenta Junior.

Se a banda
tem em sua raiz a alma popular, Kaká e os outros integrantes comentam
ainda que o Grafith, com o passar dos anos, foi quebrando paradigmas e
preconceitos e entrando de vez na cultura natalense, no momento em que a
banda passou a fazer parte das formaturas e dos mais variados eventos,
atingindo, inclusive, públicos distintos. “E muita gente, às vezes,
coloca coisas, assim: se é Grafith, vixi, vai ter crime, vai ter morte,
vai ter isso. Até hoje em dia o pessoal ainda fala. Mas graças a Deus
que deu uma melhorada, de o povo chegar e foi gostando da banda. Quem
não conhecia foi conhecendo. Foi quando a gente entrou nas formaturas,
carnaval de Macau. Quando a pessoa vai ver, não, não tem nada a ver.
[…] Se a gente vai na polícia tem grafiteiro, tem médico, juiz,
advogado. Hoje o Grafith atinge os dois lados: tanto o lado da
periferia, quanto o lado da elite”, garante Kaká.

Na pausa, hora do ‘alô’
Um
recurso que chama a atenção nas músicas da banda é justamente a chamada
que antecedem o começo das canções. “Gra Gra Gra Grafith”, uma voz
mixada soa juntamente com o início das batidas. A ideia foi de
Joãozinho, que viu o recurso numa banda de São Paulo e resolveu trazer
para o grupo, como forma de identificar e marcar ainda mais o nome do
Grafith.
Aliado a isso, ao escutar uma música
dos grafiteiros, ou até mesmo um show da banda, é comum ver os
integrantes mandando “alôs” para a Nação Grafiteira. É nesse momento
que, além de reconhecer o público que foi ali para curtir a apresentação
do grupo, a equipe faz ajustes nos equipamentos nesse momento de pausa.
Junior atribui a invenção do “alô” a ele, quando ainda não eram a Banda
Grafith, quando os irmãos estavam na banda Impossíveis. Mas garante: a
ideia caiu nas graças do público com o Grafitão.
“João
era muito detalhista e queria o timbre do teclado o mais parecido
possível. Eu tocava teclado na época e tinha que parar a banda, enquanto
a gente ajustava e filtrava o som. E eu ficava dando o alô, um abraço
para fulano, sicrano do bairro tal. A galera se sentia enaltecida num
show. Imagine você estar num show de 2, 3 mil pessoas e a galera citando
seu nome? E aquele fã humilde, Ave Maria, o rico vai achar bom, mas o
pobre mais ainda. Então, eu sabia que, estando com aquelas pessoas do
meu lado, na periferia, os fãs mais humildes, são eles que dão essa
assessoria até hoje”, conta.
A
representatividade e a forte ligação com o povo, aliado ao fato de que
já se afastava dos palcos para ficar de vez à frente da banda, levaram
Junior Grafith a entrar na vida política. O empresário chegou a se
candidatar três vezes a vereador de Natal, assumindo uma vaga na casa em
2013, como suplente e. em uma ocasião, a deputado estadual, neste ano.
Mas revela: os irmãos nunca concordaram.
Nos anos 2000, a banda começou a comandar o trio elétrico do ‘mela-mela’ no carnaval de Macau, chegando a arrastar mais de 200 mil pessoas pelas ruas da cidade

Nos anos 2000,
a banda começou a
comandar o trio elétrico do ‘mela-mela’ no carnaval de Macau, chegando a arrastar mais de 200 mil
pessoas pelas ruas da cidade

“Nenhum
dos três nunca concordaram. O pessoal não queria que eu me envolvesse
para não misturar, porque o nome da banda é bem visto. E politicamente,
vamos lá: chega um empresário para ter aumento de passagem. E aí chega a
população: não é pra aumentar não. E aí chega a classe e diz: ei é para
aumentar. Aí você fica: vou pelos trabalhadores ou pelo povo? Eram
nessas coisas. Então, tinham muito medo desse jogo político. Eu ficava
nessa cruz […] Não me arrependo de ter assumido, até porque o bom é
você fazer uma coisa, entrar e sair de cabeça erguida”, conclui.
Do apelido “pichadores” surge nome da banda
As
desconfianças em torno do grupo já era algo que a banda carregava antes
mesmo de se tornar Grafith. Isso porque foi com uma associação a algo
tido ‘marginalizado’ na época que surgiu o nome do grupo, lembram os
músicos. Assim que se juntaram para formar de fato a banda, não tinham
ideia de um nome. Antes, com os membros da banda tendo passado por
outros grupos, os cartazes “lambe-lambe”, característicos em Natal e no
Estado até os dias atuais, já marcavam a cidade com datas, horários e
atrações dos shows. Em virtude de estarem sempre aparecendo nos
cartazes, ganharam o apelido de “pichadores”, que logo se confundia com
“grafiteiro”. A ideia surgiu, o nome colou e deu certo.
“Kaká
na época disse vamos colocar Grafith. Mas quando o pessoal perguntar,
Grafith por quê? Porque a gente já levou nome de pichador. Se você olhar
desde a época dos Impossíveis, até hoje, se você passar nas ruas de
Natal, todo final de semana tem um cartaz da Banda Grafith ou tem uma
faixa. Na época, era demais, era Grafith, era Impossíveis, e o nome da
gente sempre presentes nas ruas”, relembra, relacionando os dias atuais
com o início da entrada dos natalenses na música.

Naquele período,
era comum grupos musicais se chamarem “Os Terríveis”, “Os Impossíveis”,
“Os Incríveis”. Aliado ao fato de tentar um nome diferente, a ideia era
quebrar uma espécie de tradição.
“O nome também
da gente foi mais por conta disso. Porque na época era Infernais,
Impossíveis, Terríveis, Invencíveis, Feras. Só nome assim, esquisito.
Era cada nome. Então vamos colocar Grafith, é um nome que soa mais
bonito: Banda Grafith, olha que nome. Já que chamaram a gente de
grafiteiros, vamos colocar”, relembra aos risos Carlinhos e Junior
Grafith.
Se o Grafith ganhou seu nome e notoriedade por marcar as
paredes das ruas de Natal, chegar a 30 anos de estrada não foi nem é uma
tarefa fácil. Do bairro de Santos Reis para o mundo, o Grafith
ultrapassou os limites de Natal e do RN e conquistou fãs e admiradores.
Sobre até quando irá a banda, os grafiteiros garantem: querem tocar e
cantar até quando a saúde e as energias permitirem. Se dependerem dos
filhos de seu Christiano e dona Maria Otácia, a nação grafiteira ainda
vai curtir os shows ecléticos e com um repertório vasto por um bom
tempo, colocando a mão no coração, a outra na cintura e descendo até o
chão, fazendo, após a dança, “o coração do Grafitão”.

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