Bar 18
A entrada da torcida do ABC para a arquibancada do assassinado Castelão(Machadão) se dava pelo portão 6 , bem em frente à esquina da casa do ex-governador Geraldo Melo. A partir dos anos 1990, tornou-se suplício comprar ingresso para chegar ao andar superior coberto pela marquise.
Um tumulto que começava na partida preliminar, que sempre foi jogada com o estádio às moscas. Ouvia-se a voz dos pernas de pau de times pequenos com bossa de craques.
A aglomeração, coincidentemente, se deu com mudanças no quadro funcional do Bar 18, onde a maior parte da Frasqueira comprava sua bebida pela boa localização.
Posição estratégica. Entre a trave do placar e o círculo central. O proprietário, Nelson, mandou buscar reforço em casa. A mulher dele passou a ajudar no atendimento. E as biroscas vizinhas esvaziaram.
Sempre frequentei o estádio com um amigo leal e cínico em suas tiradas: o professor universitário Sérgio Trindade, que lhe faz uma crítica sarcástica e você pensa que é elogio. Ele passava na minha casa – eu nunca soube dirigir carro – e partíamos ao estádio.
Passamos a ir mais cedo. Nós e toda a torcida do ABC. E a parar nas intermediárias, onde se localizava o campo mais de perto, embora seja (mesmo após falecida), inigualável a contemplação superior no andar do Frasqueirão.
O gramado parecia aumentar de tamanho e o desenho das jogadas ficava nítido, cristalino. Os gols de Sérgio Alves, o último extraclasse em preto e branco, pareciam obras de Coppola. Para quem prefere jogar videogame, ele é o cineasta da trilogia de O Poderoso Chefão.
Estabeleceu-se o inverso na hierarquia do Bar-18. Nelson, homem de 1 metro e 80 de altura, motorista de ônibus musculoso e sisudo, passou a coadjuvante.
Marmanjos se acotovelavam no balcão pedindo cerveja “lá do fundo do freezer”. Quem conhece de birinaite sabe que, quanto mais embaixo, mais gelada, tipo canela de pedreiro.
A digníssima de Nelson , Eneida, aderiu à moda da época. Shorts curtíssimos de lycra, colados em seu corpo mignon. Falando português: gostosona. De rosto, nota 3,5 com extrema gentileza.
“Pega uma lá debaixo!”, berrava o bêbado do tarol da charanga. E nossa prestativa colaboradora ia descendo o tronco para dentro do freezer. Proporcionalmente, o short ia subindo, subindo, até patamares indescritíveis. E o maridão calado, cara fechada.
Passamos, eu e Sérgio, a abrir mão, sem contrariedade, do Frasqueirão de cima. Chegávamos para ver a preliminar e nos uníamos à pequena multidão, de costas para o jogo e atenta aos movimentos de pega a cerveja, abre a garrafa e serve ao freguês. O público gerava lucro alto, sem dúvida. O caixa, onde se aboletou Nelson, tilintava de recebimentos e trocos entregues.
Até que fecharam temporariamente o Machadão. Em 1997, o América disputaria a Série A e vários melhoramentos eram necessários, até uma potente iluminação foi instalada.
O único defeito do Poema de Concreto era jogo à noite, com luzes frágeis, propícias a árbitros sem boa intenção e autores de pênaltis de delegacia de polícia, de tão roubados.
Tarde de domingo, estádio Juvenal Lamartine, para onde o campeonato estadual foi transferido em seus jogos de Natal, estávamos eu e Sérgio no último degrau da velha arquibancada à esquerda da Tribuna de Honra, onde, em eras priscas, se postava a torcida do América.
Vem chegando Nelson , acabrunhado. Sentou ao nosso lado. Perguntei se ele estava no prejuízo grande com o fechamento do seu bar. Depois de respirar fundo, abriu o coração: “Porra, por um lado está sendo bom. Os caras só iam para olhar a minha mulher”.
Gelamos, os dois safados. Respondemos juntos, um murro de Nelson seria duplo homicídio: “A gente não, a gente é freguês antigo!”.
Nelson murmurou: “Não olham vocês, que são meus amigos.” Pagamos uma cerveja para ele. E advertimos: “Não é igual à do seu bar. É meio amarga”. Ele bebeu de um gole só. Como só passou a tomar conta do bar assim que o Machadão reabriu.