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Beco das artes

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Ramon Ribeiro
Repórter

Pinturas de Assis Marinho, Marcelus Bob, Francisco Iran e outros nomes em atividade das artes visuais de Natal ocupam do chão até o teto de uma das paredes. Na parede oposta, livros, muitos, da literatura universal a potiguar. Mais à frente, vinis e cds estão distribuídos em caixotes sobre mesas. Ainda mais à frente, instrumentos musicais e aparelhos de som. Por fim, um cômodo fechado, é ali que músicos de perfil boêmio costumam ensaiar. No comando desse espaço multicultural conhecido como Sebo Balalaika está Severino Ramos, um apaixonado pela Cidade Alta.

Severino Ramos, sebista e agitador cultural
Severino Ramos é sebista e agitador cultural

Com 56 anos de idade, Ramos tem pelo menos quatro décadas de vivência no bairro – só do sebo, que fica na Vigário Bartolomeu, num prédio histórico onde funcionou a primeira sede do América, são 20 anos completados em 2017. Antes, o sebista foi livreiro, tendo trabalhado na antiga Livraria Universitária, que marcou época na cidade. Depois de uma temporada em São Paulo e em Fortaleza, onde atuou como analista de livros, ele experimentou ser bancário. Não deu certo na profissão. “Era muito chato. Sai do banco e abri um bar”, lembra.

O bar ficava no Beco da Lama, se chamava Balalaika Blues Bar, o ano era 1990. “Recebi muita gente boa. Geraldo Carvalho, Cida Lobo, todos cantaram lá. Civone Medeiros chegou a fazer performances. Foi uma época boa, mas não aguentei muito tempo. Depois de um ano de atividades, passei ele pro escritor Carlos de Souza (Carlão)”, conta o hoje sebista – e produtor musical.

Em seu estúdio de ensaio, Ramos ajuda a montar bandas e repertórios de shows, como o do cantor e compositor Rodger Rogério, do Pessoal do Ceará, que pouco antes da entrevista, ensaiava no espaço para a apresentação que faria em Natal no dia seguinte. Quem também estava por lá era Mirabô Dantas, batendo papo com outros boêmios da área. “O espaço aqui é assim, tem sempre alguém aparecendo, puxando papo. O lugar acaba servindo como ponto de encontro de artistas e gente boa de conversa”, conta Ramos, que nos sábados, na frente do sebo, costuma promover o “Sábado de Ramos”, evento com shows musicais, lançamento de livros e bate papos com nomes de destaque da cultura potiguar. Nesta entrevista, Ramos recorda muitas histórias que viveu na Cidade Alta.

Primeiro emprego na Cidade Alta
Comecei a trabalhar com livro na Livraria Universitária, em 1978. Ficava na avenida Rio Branco. Era top de linha. Foi numa época que Natal nem tinha shopping ainda. Livraria só as de rua. Nos sábados a gente fazia uma mesa redonda com intelectuais da cidade, como Luís Carlos Guimarães, Sanderson Negreiros. Depois fui trabalhar numa editora em São Paulo, como analista de livros. Fiquei lá cinco anos. Fui para Fortaleza, trabalhei na mesma área.

Livraria Universitária
Comecei a trabalhar com livro na Livraria Universitária, em 1978. Ficava na avenida Rio Branco. Era top de linha. Foi numa época que Natal nem tinha shopping ainda. Livraria só as de rua. Nos sábados a gente fazia uma mesa redonda com intelectuais da cidade, como Luís Carlos Guimarães, Sanderson Negreiros. Depois fui trabalhar numa editora em São Paulo, como analista de livros. Fiquei lá cinco anos. Fui para Fortaleza, trabalhei na mesma área.

Sebo Balalaika
Quando cheguei aqui o prédio estava se acabando, era 1997. Aluguei a um  juiz amigo. Devagar comecei a reformar o espaço. Eu já tinha um sebo antes, já vendia livro. Luís Carlos Guimarães tinha me doado mil livros antes de morrer. Eu tinha outros mil. Abri o Balalaika mais ou menos com isso. Depois de uns anos, chegam uns advogados, umas pessoas que não conhecia, dizendo que eram do América Futebol Clube. Eles falaram que aqui neste prédio funcionou a primeira sede do América e pediram para colocar essa placa ai da frente. Deixei sem nenhum problema.

Bairro boêmio por excelência

Gosto dos prédios antigos da Cidade Alta, da história que existe ao redor. Vivenciei aqui um tempo de boemia muito forte, diferente dos dias de hoje. Antes existiam vários cabarés. Frequentei o Maria Boa, às vezes, diariamente (risos). Encontrava muitos artistas por lá. As vezes a gente amanhecia na Cidade Alta e ia comer um guizado no Bar de Odete.

Mortes
Tenho pelo menos 40 anos de vivência pela Cidade Alta. Já vi de tudo por aqui, até mortes. Essas coisas marcam a gente. Por exemplo a do Mainha. Era um saxofonista fantástico da cidade. Eu estava num bar, comendo um guizado com cerveja quando ele apareceu. Teve um ataque, alguma coisa assim, e morreu subitamente, na minha frente. Outro que vi morrer foi Rato. Era um figura que vivia por aqui, chegou a fazer uns serviços pra mim. Pegaram ele dando trabalho e mataram. Quando cheguei, ele tava no chão morto. São coisas tristes que quando se vive muito tempo num lugar, a gente acabava vendo acontecer.

Literatura Potiguar
Dos vivos, sempre gostei do que Ney Leandro escreve. Dos antigos, convivi um pouco com Luís Carlos Guimarães, figura maravilhosa. Conheci também Esmeraldo Siqueira, bebia com ele aqui pela Cidade Alta. Tinha um outro poeta, Milton Siqueira, acho que era irmão dele. Andava com uma pasta debaixo do braço, vivia pelas praças escrevendo seus versos. Diziam que ele tinha cometido um crime no passado, assassinado alguém. Lembro dele entrar na Livraria Universitária, nenhum funcionário dava atenção a ele, só eu, me pedia dez folhas de ofício pra escrever.

Feira de Sebos
Promovi uma Feira de Sebos aqui na Cidade Alta por 11 anos seguidos. Acontecia na Praça André de Albuquerque, eram oito dias de feira, com shows todos os dias. Faz cinco anos que não consigo realizar por falta de dinheiro. Já aprovei o projeto em lei de incentivo mas não consigo captar.

Música
Num dos primeiros shows de Fagner em Natal eu trabalhei na produção de palco. Foi no Circo da Cultura, na Praça Augusto Leite. Lembro dele, magro, do cabelão. No dia seguinte foi a vez do Alcatéia Maldita. Faltou energia, fizemos assim mesmo, acústico, no meio da praça. Lembro de outro show, “Rita Gil e Gilberto Lee”, com os dois, lá no Palácio dos Esportes. Trabalhei na produção também, junto com Chico Miséria. Depois do show a gente foi pra Pium descontrair. Sou compositor, já fui premiado no Festival MPBeco. Eu fazia as músicas e botava uma ruma de músicos pra tocar. O pessoal ensaiava aqui no estúdio mesmo.

Estúdio

Pelo estúdio aqui no sebo passaram importantes cantoras de Natal, como Valéria Oliveira, Khrystal, Ângela Castro, Glorinha Oliveira. Muitos músicos também. Raul, do Alcateia Maldita, estou montado um show novo. É um espaço que o pessoal gosta de usar, vir pra conversar. Hoje por exemplo, olha esse encontro que teve: Rodger Rogério e Mirabô, dois caras da pesada. É um espaço livre, misturado. Não sei onde vou parar com isso.

Artes Visuais
Dos artistas, Newton Navarro era grande! Me chamava de Francês porque eu andava lendo muitos os autores franceses. Às vezes ele começava a beber na Ribeira e subia pra Cidade Alta. Antigamente aqui tinha o Saci Bar, o primeiro bar com luz negra em Natal. Bebi muita cerveja com ele. Dos artistas de hoje que estão sempre pela Cidade Alta, Assis Marinho é praticamente um irmão meu. Aquele irmão mais trabalhoso, sabe? Marcelus Bob é outro irmão que gosto muito. Muito gente boa passou por aqui. Tiago Vicente, Francisco Iran.

Revitalizar as praças
Tenho um olhar nostálgico e atual para a Cidade Alta. Gosto do bairro, por isso ainda estou por aqui. Sei que temos muitos problema na área. A Praça João Maria, por exemplo, tão maravilha no passado e já há vários anos sofrendo com o esquecimento do poder público. Agora tem uma turma aqui do bairro mesmo tentando revitalizar.  A Praça André de Albuquerque, outra que está feia, com os bancos quebrados. Sei do meu papel social, também, tenho meus projetos que realizo aqui, como o Sábado de Ramos. Eu quero o bem do bairro.

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