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Bem mais que o talento

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Apenas o amor e os ensinamentos que o esporte  oferece pode explicar tanta dedicação por parte dos atletas que dispensam boa parte do seu tempo a alguma modalidade esportiva no RN. Muitos até conseguem conquistar títulos em competições estaduais, regionais e até mesmo nacionais, porém, a frustração surge logo quando eles obtêm qualificação para representar o país em competições mundiais, momento de dar aquele passo a mais, onde acabam esbarrando nas limitações financeiras. O atleta olha para traz e vê que todo seu esforço pode sucumbir à falta de apoio, a falta de uma política de esporte capaz de transformar sonhos em realidade.

No judô, Carlos Henrique conta com o apoio do treinador Alex Henrique para conquistar seus sonhos
No judô, Carlos Henrique conta com o apoio do treinador Alex Henrique para conquistar seus sonhos

Sem apoio do estado, que possui uma secretaria de esporte apenas por rubrica, destinando orçamento ínfimo para pasta, passou a ser comum se encontrar equipes dos mais variados tipos e atletas realizando um verdadeiro contorcionismo atrás de levantar os recursos necessários a realização da viagem para as disputas de competições sul-americanas e mundiais. Isso vem ocorrendo depois que o Brasil sediou as duas maiores competições do planeta e, por ironia do destino, quando a população pode ver malas e malas de dinheiro público desviado, por aqueles que deveriam criar leis de incentivo a prática esportiva.

Dois exemplos atualmente chamam a atenção do público potiguar, atletas do karatê tradicional e do judô que decidiram expor os problemas que estão enfrentando para representar o Brasil, cujo governo acaba de anunciar um corte de 87% nas verbas destinadas ao esporte. Com sonho de viajar ao Peru, que irá sediar as duas mais importantes competições das Américas no próximo mês de novembro, os atletas partiram para o corpo a corpo junto a familiares e amigos atrás de juntar verba suficiente para patrocinar a viagem.

O primeiro caso é do estudante Carlos Henrique, 11 anos, aluno da Escola Estadual Raimunda Maria da Conceição, em Pium, que já conseguiu trilhar meio-caminho levantando recursos pelo menos para pagar as passagens até a capital peruana. Mas a batalha continua, por que como terá de viajar acompanhado pelo professor é técnico Alex Henrique, eles precisam levantar recursos para custear a hospedagem em Lima. O único órgão oficial que deu uma contribuição a campanha até agora foi a Prefeitura de Parnamirim.

“Estamos trabalhando para levantar esses recursos até o dia 29 de outubro. Para passar a semana no hotel indicado pela Confederação Brasileira de Judô (CBJ), em Lima, cada um vai ter de gastar 950 dólares, o que dá em torno de seis mil reais no total. As passagens, graças a Deus, com a ajuda de custo fornecida pela Prefeitura de Parnamirim, já conseguimos comprar, também já confirmamos a inscrição. Mas como na categoria de 11 anos, que é a de Carlos Henrique, a CBJ não oferece nenhum tipo de incentivo, esse custo terá de ficar por nossa conta. Temos de pagar para representar o Brasil no Sul-Americano e no Pan-americano de judô que será concentrado na mesma semana em Lima”, afirmou Alex Henrique, treinador do judoca potiguar.

O esforço do atleta mirim, junto com o do professor e treinador, sensibilizou algumas pessoas do círculo próximo, como a professora de artes da Escola Estadual Raimunda Maria, Gisele Carvalho, que resolveu mergulhar de cabeça na campanha em busca de apoio. “Carlos Henrique é um aluno muito bom, simples, humilde. Ele já se destaca no esporte, possui no currículo  25 medalhas de ouro e uma de prata em apenas cinco anos no esporte. Já foi campeão  da etapa regional do Brasileirão  em 2017, em Aracaju,  e foi vice-campeão brasileiro geral na Bahia neste ano, mas continua sendo a mesma criança. Estudioso, muito esforçado, aquele garoto comportado e atencioso. O esforço que eles estão fazendo é muito grande e quem o conhece sabe que Carlos Henrique merece essa oportunidade. Por isso, resolvi contribuir da forma que posso, me engajando nessa luta por patrocínio”, ressaltou Gisele Carvalho.

Devido aos resultados obtidos nas últimas competições, o treinador do garoto potiguar aposta todas as suas fichas na possibilidade de Carlos Henrique regressar ao Brasil com uma medalha. Ele só lamenta que um garoto com 11 anos, que já demonstra muito potencial para se transformar num atleta de ponta, não disponha do incentivo necessário para continuar focando na carreira e, num futuro próximo, se transformar em um atleta olímpico.

“As divisões de base do Judô não contam com nenhum incentivo oficial, só a partir do sub-18. As categorias inferiores só viajam se assumirem as despesas. É muito difícil manter esses garotos focados com essa falta de apoio. Se não tiver apadrinhamento e não houver uma responsabilidade de pessoas que trabalham em áreas carentes, esses meninos vão ficar completamente abandonados. Quando possuem apadrinhamento eles se sentem mais estimulados, por que possuem quem pague os custos de uma competição, os testes para exame de faixa. Como isso é difícil eu me viro para deixar essa garotada motivada e não ocorrer uma evasão”, salienta Alex Henrique.

O termo “me viro” usado pelo professor, diz respeito a privação de algumas próprias vontades para não deixar que os garotos fiquem fora de competições importantes para evolução dos mesmos. “Em época de competições importantes, quando temos atletas como Carlos Henrique com dificuldade em levantar recursos para custear as despesas, eu não penso duas vezes. Deixo de sair com minha família para almoçar e jantar fora para pegar aquele dinheiro e contribuir para inscrição e a viagem dos atletas. É uma vida de eterno sacrifício para quem deseja levar o esporte amador a sério. Somos obrigados a realizar pedágios, bingos, rifas e pedir mesmo a ajuda dos amigos para cobrir as despesas”, ressalta.

O professor Alex Henrique considera que no Brasil é bem mais fácil trabalhar um atleta para subir no pódio de uma competição internacional, que arranjar patrocinadores. “Ganhar uma medalha é bem mais fácil, depende muito da força de vontade dos atletas, então é fichinha frente a depender da boa-vontade de terceiros. Vivemos num país onde só se investe nos atletas prontos, consagrados, quando o importante seria focar as bases para se transformar numa potencia olímpica. As pessoas têm de saber que é mais fácil a gente transformar uma criança carente, mas com foco, num atleta olímpico, favoritos a medalhas, que fazer o mesmo com um garoto cuja família dispõe de recursos, mas é acomodado”, destaca.

Karatê
Se a história de Carlos Henrique está tendo o esforço reconhecido e caminhando para um final feliz, outra história de igual dedicação, corre o risco de acabar numa tremenda frustração. Essa une uma família de karatecas  da Academia Shotokan, em Ceará-Mirim, que sonha em fazer essa mesma viagem para Lima, onde irá ocorrer a disputa do Pan-americano da categoria, também em novembro.

Maurício Fagundes, Marlúzia Fagunde e Ednaldo Bezerra formam uma família dedicada ao Karatê
Maurício Fagundes, Marlúzia Fagunde e Ednaldo Bezerra formam uma família dedicada ao Karatê

Com uma vida praticamente inteira dedicada ao karatê, Ednaldo Bezerra, realiza um trabalho junto a projetos sociais da cidade, onde mantém uma academia para transferir seus conhecimentos sobre a arte para os futuros karatecas. Fruto da dedicação, ele acabou se transformando num exemplo a ser seguido pela esposa Marilúzia Fagundes e o filho Maurício Fagundes, de 14 anos. Todos obtiveram vaga na Seleção Brasileira através da conquista do título brasileiro de suas categorias no mês de julho 2017, em Maceió-AL.

“Infelizmente o esporte amador no Brasil é órfão. Nossa única fonte de recursos para poder participar desse Pan-americano, representando a Seleção Brasileira, é a ajuda dos amigos. Seria um sonho muito grande minha família ir representar o Brasil nessa competição, num mesmo campeonato. Por isso, lançamos essa campanha para tentar sensibilizar a população para nossa causa”, afirmou Ednaldo.

Infelizmente a campanha ainda não surtiu o efeito desejado, na conta aberta para receber doações (Caixa agência: 1069  Operação: 013 Conta: 42139-2 e Banco do Brasil  Agência 1042-1  Conta: 18977-4) existem apenas a quantia de R$ 550,00, o que não foi suficiente para abalar a fé da família Bezerra, que está em campo, realizando tudo que está ao seu alcance para levantar o valor de R$ 11.500,00, quantia que acreditam ser necessária para cobrir com todas as despesas da viagem.

“Nós estamos acreditando que a campanha será vitoriosa e que vamos levantar os recursos necessários. Até agora só contamos com a ajuda de amigos, não visitamos nenhuma empresa. Fomos a Câmara Municipal de Ceará-Mirim expor a situação, numa audiência pública, mas lá eles disseram que podem fazer apenas de lei de incentivo ao esporte e não podem contribuir financeiramente. Vamos tratar tudo com muita transparência e divulgar o nome de todos os amigos que nos ajudarem nas nossas páginas nas redes sociais. A pessoa pode participar com qualquer quantia, é uma doação”, disse.

Há doze anos, Ednaldo passou por situação idêntica. Conseguiu a qualificação para entrar na Seleção Brasileira, ele fez a inscrição no Pan-americano, mas acabou esbarrando na barreira da falta de recursos. Pior de tudo foi que acabou sendo punido pela Confederação Brasileira de Karatê, que determina a quem não dispuser de recursos abrir a vaga para o próximo da fila de sucessão. “Não quero passar pela mesma situação vivida na minha primeira convocação para seleção. Nós temos um prazo e estamos dispostos a fazer festa, vender camisas e organizar alguns eventos para levantar essa verba. Dessa vez vamos conseguir”, ressalta.

Ele destaca que o retrato do Brasil no exterior em relação ao incentivo ao esporte é péssimo. “Nós temos atletas campeões olímpicos que hoje estão desempregados, não contam com nenhum tipo de auxílio. Só do RN, 20 atletas foram convocados para participar dessa competição no Peru, muitos estão enfrentando essa mesma dificuldade. Infelizmente existem apenas muitas promessas. Acredito que essa divulgação que está ocorrendo deva surtir um efeito positivo e que iremos eu, minha mulher e meu filho representar bem o Brasil”, afirma Ednaldo que mostra ser tanto campeão nos tatames como de otimismo.

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