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Berilo Wanderley

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Nei Leandro de Castro – Escritor

No meio dos meus livros desarrumados, encontro uma preciosidade: “O menino e seu pai caçador”, de Berilo Wanderley. A edição de 1980, com prefácio de Woden Madruga, é póstuma, pois o autor morreu um ano antes, aos 45 anos de idade. O livro reúne uma seleção de crônicas que BW publicava na Tribuna do Norte, cheias de lirismo, poesia e uma crítica visão do mundo. Berilo era um romântico. Me lembro, como se fosse hoje, dos seus encontros no Granada Bar com sua querida musa Maria Emília. Mãos entrelaçadas, olhos nos olhos, trocavam juras de amor, mesmo depois de casados. Eu passava em silêncio pela mesa do casal, para não atrapalhar o idílio, e ia me sentar nos fundos do bar de Nemesio Morquecho, alcoviteiro dos dois. Berilo era muito querido. Quando voltou de Madri, onde passou uma temporada, os amigos foram buscá-lo no aeroporto e fizeram um corso, com dezenas de carros pelas ruas da cidade, até a sua casa. Era cordial, de bem com a vida: nunca ouvi dele palavras amargas ou ferinas contra quem quer que fosse. Mas tinha a paciência curta para os chatos. No bar, quando a conversa descambava para a idiotice, ele dava em voz baixa o seu grito de guerra: “Bom, basta.” E ia cuidar de sua vida, baixar em terreiro mais agradável. Pertenceu a uma geração de grandes valores, grandes figuras como Newton Navarro e Luís Carlos Guimarães, mortos antes do tempo que mereciam para escrever, sonhar, amar. Releio o livro de Berilo, me encanto com suas crônicas e uma saudade muito grande toma conta de mim. Divido hoje este meu espaço com uma das crônicas do livro “O menino e seu pai caçador”, que está merecendo uma reedição. Alô, Abimael Silva!

“Chove, e porque chove, a mulher vem me dizer que no jardim há rosas brancas e que todas elas abriram seus botões. A mulher está contente e traz na mão uma rosa branca, que me oferece. Recebo-a agradecido, e ponho-a aqui ao lado, na mesa onde escrevo. São as primeiras alegrias das chuvas. Rosas se abrindo, mulheres sorrindo. E por isso os homens sorriem também.

“O calor torna todos tão feios, tão de caras fechadas, que eu, pobre cronista que gosta de rosas alegres e bonitas, andei pedindo chuva. Essa noite passada, acordei de sobressalto, com ela caindo pesadona, em cima da casa e batendo nas folhas largas das plantas lá fora. Dou-me ao hábito de usar plantas junto à minha janela, talvez para ouvir a chuva batendo em suas folhas.

“E por que não estar contente, se passou chovendo a noite inteira e a manhã despertou, trazendo no regaço um sol de um amarelo novo e alegre? E a mulher ainda me traz a notícia de que há rosas brancas abertas no jardim. E dá-me uma, menos como prova de notícia do que como prova de amizade. Não pode haver maior amizade do que essa que se alimenta do presente de rosas brancas. Pena não ter eu rosas brancas para dar de presente a todos a quem quero bem. Mas, um dia, quando for velho (se Deus me quiser na terra até lá), conservarei em meu jardim um canteiro de rosas brancas, para olhar primeiro, todas as manhãs, e dá-las de presente, durante o resto do dia. Hei de acreditar, então, que serei um bom e que todos os homens me hão de querer como irmãos.”

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