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Bingos amparados por liminares

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SALAS DE JOGOS - Bingos não deixam de atrair clientes na capital potiguar

Sem regulamentação específica e com o Ministério Público o tempo todo nos “calcanhares”, os bingos vivem uma situação não muito confortável, mas mesmo assim eles continuam com força total e se proliferam nas principais cidades brasileiras. Amparados por liminares, esquivam-se do MP — que tenta barrar a atividade com o argumento de que bingo é jogo de azar e contravenção penal — e conquistam cada vez mais adeptos no Brasil. No país onde os cassinos são proibidos por lei desde 1946, os bingos estão se apropriando um pouco da atmosfera e glamour de Las Vegas para atrair a clientela, que tem se mostrado diversificada — na idade, sexo e condição financeira.

Sob a pouca luz dos salões e a fumaça dos cigarros, entre um drinque de uísque ou refrigerante servidos como cortesia, milhares de pessoas tentam a sorte em máquinas de vídeobingo e nas cartelas de números (manualmente ou com a ajuda do computador). Uma mania nacional. Em Natal, no caminho do badalado bairro de Ponta Negra, foi inaugurada há pouco mais de dois meses a Vip Point Bingo, casa de apostas com dois ambientes e cem máquinas, de porte e sofisticação similar a dos incontáveis bingos que pipocam no Rio de Janeiro, São Paulo e em outras capitais do Brasil.

O proprietário, Carlos Eduardo Andrade, vê o seu negócio como um comércio qualquer, que paga impostos e gera emprego. Carlos compara a uma boate ou bar. “Para quem não é viciado, sai ainda mais barato", diz o empresário, que não é nenhum novato no ramo. A outra casa de bingo que ele opera, a American Game, na Paraíba, tem nove anos.

Em meio ao heterogêneo público, bastantes jovens. Eles estão crescendo entre a legião de adeptos do jogo, que sempre foi dominado por homens e mulheres maduros. Muitos encaram o jogo como puro entretenimento, e até uma forma de fazer amigos. Uma aposentada do Estado que preferiu não se identificar falou que o bingo é seu hobby. Ela revelou que todos os dias vai àquela casa de bingo, mas não se considera compulsiva. “Venho pelo prazer, não é para ficar rica. A pessoa tem que jogar de acordo com o que pode e fazer o que gosta. Só se leva da vida o prazer que se tem".

Aos 61 anos, advogado e muito bem resolvido com relação à prática da jogatina, Luiz Antônio de Almeida contou que freqüenta a Vip Point de duas a três vezes por semana. Ele discorda do Ministério Público e não considera o bingo jogo de azar. “Jogo de azar não existe. O que existe é jogo da sorte. Uns jogadores têm mais sorte e outros menos”, disse.

Na maioria das vezes, o advogado vai acompanhado da mulher, mas já chegou a fazer o programa com toda a família

— ele, a esposa e os dois filhos (adultos, claro). Apreciador de carteado, disse que jogou bingo pela primeira vez no dia 1º de julho. Na última quinta daquele mês ganhou um Gol zero quilômetro, e recebeu. “Tenho ganhado mais do que perdido. Na primeira vez que minha mulher jogou, ela comprou um real de cartela e ganhou duzentos”. 

Luiz Antônio entende que não é o fato de existir uma casa de jogo que vai fazer as pessoas tornarem-se jogadoras compulsivas. Para ele, também não adianta o Estado querer proibir o bingo se ele próprio explora o que chama de contravenção. O advogado se refere à loteria, megasena, lotomania e outros sorteios por meio da Caixa Econômica Federal. Outro argumento do Ministério Público contrário ao jogo que ele rebate é o que coloca as casas de bingo como porta de entrada de crimes de lavagem de dinheiro, narcotráfico e prostituição.

“Esse é um problema do Estado, não do jogador. E o que existe é uma presunção de que ocorrem esses crimes. É preciso provar”, argumentou o advogado.

Além da suposta relação com o crime organizado, o Ministério Público quer reprimir os bingos em nome dos bons costumes e da família. O MP trata o bingo como jogo de azar previsto na Lei das Contravenções Penais. O Grupo Nacional de Combate ao Crime Organizado, formado pelos Ministérios Públicos Estaduais de todo o País, chegaram a prometer que a partir de janeiro de 2003 as casas de jogos seriam fechadas, mas isso não ocorreu devido às incontáveis liminares ganhas pelos bingos.

O locutor Paulo Roberto, que joga bingo de cartela e também em máquinas eletrônicas desde 1982, defende o funcionamento. Na opinião dele, não existe melhor terapia que o jogo. “O povo sempre gostou de jogar. O problema todo começou com a ditadura, que condenou os chamados jogos de azar no Brasil. Acho que o livre arbítrio deveria prevalecer”.

Situação considerada conflitante

As informações sobre a situação legal dos bingos no Brasil são conflitantes. Enquanto o Ministério Público considera contravenção penal, os empresários do ramo e apostadores dizem que a atividade é permitida. Tanto que hoje é maior o número de pessoas que não vêem problema em se expor e defender abertamente o jogo. Mas falta uma lei que o regulamente.   

Nos anos 90, houve a tentativa de regulamentar a atividade, com a Lei Zico e, posteriormente, com a Lei Pelé, mas essas leis terminaram por ser revogadas, segundo o procurador da república Paulo Sérgio Rocha, que tem trabalhado para proibir o jogo no Rio Grande do Norte.

O dono da Vip Point Bingo, Carlos Eduardo Andrade, não acredita na suspensão da atividade. Ele diz que a tendência é a regularização. O empresário defende a realização do plebiscito em 2008 e cita uma pesquisa onde 75% da população aprova o funcionamento dos bingos. Ele explicou que o investimento para abrir uma nova casa de bingo se justifica pelo fluxo de turistas. “O turista busca diversão e com a casa de bingo nós oferecemos mais uma opção”, disse, acrescentando: “Aqui as pessoas gastam muito menos do que pagam numa diversão de boate. Com R$ 1 compram uma cartela e podem ganhar até R$ 30 mil”.

Para justificar que não se trata de um “jogo de azar”, Carlos Eduardo destaca que as máquinas eletrônicas são programadas para ficar com apenas 7% do que arrecadam, o restante é prêmio para os jogadores. Desse percentual que é retido na máquina, 2% ainda ficam como acumulado para o grande prêmio e os outros 5% são rateados entre a direção do bingo e do dono das máquinas.

MP investiga três bingos em Natal

Em Natal, o Ministério Público está no encalço dos bingos. O órgão move ação contra três e investiga outros. E ainda há o caso daqueles que funcionam por meio de liminar, mantendo-se intocáveis. Por enquanto.

A ação contra os três bingos tramita na Justiça Federal. A primeira decisão saiu, e a favor do MP, mas o desfecho ainda está distante. O juiz titular da 1ª Vara Federal, Magnus Delgado, atendeu ao pedido do procurador federal Yordan Moreira Delgado e decidiu pela suspensão das atividades das casas de jogos. No entanto, determinou que isso só ocorra após todo julgamento do mérito.

No despacho, o magistrado determinou que os bingos fossem paralisadas e as máquinas eletrônicas destruídas. Ele chegou a estabelecer que fossem retiradas até as fachadas das casas e até mesmo propagandas relacionadas ao negócio. Em caso de descumprimento a multa é de R$ 100 mil.

Após a decisão, o procurador Yordan Moreira entrou com um “embargo de declaração”, que funciona como um pedido de explicações ao próprio magistrado autor do julgamento. A tentativa do membro do MPF é fazer com que a decisão tenha a força de uma liminar e seja válida desde agora.

No embargo o procurador pede a suspensão imediata da atividade. “Admitir na sentença que uma atividade ilegal continue a funcionar até o trânsito em julgado, levando-se em consideração o nosso sistema recursal, com a possibilidade de recursos até as superiores instâncias — STJ e STF, pode significar o funcionamento por mais de dez anos de uma atividade que foi considerada, na origem (primeira instância) ilegal”, escreve o procurador na sua peça. O processo está finalizado para julgamento do magistrado federal Magnus Delgado.

Na ação originária do MPF, que tramita na Justiça, o procurador Yordan Delgado desmistifica o conceito da livre iniciativa da atividade econômica gerada pelos bingos. Ele observa que nessa justificativa é esquecido o previsto na Constituição que determina a exigência de autorização do poder público para o desenvolvimento de algumas atividades. “O fundamento da livre iniciativa das atividades econômicas é equivocado, pois olvida a parte final da Constituição, que diz que nos casos previstos em lei certas atividades exigem autorização do poder público”.

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