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Bira Rocha: “A bola na rede, tem de dar vez a responsabilidade”

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Vicente Estevam
Repórter de Esportes

O problema financeiro do ABC foi exposto sem maquiagem para os conselheiros do clube essa semana. O Rombo de R$ 33 milhões originados por seguidos prejuízos com o futebol, agora não poderá ser mais postegado, na visão do conselheiro e empresário Bira Rocha, para quem o Alvinegro deve alienar parte do que possui disponível para venda, no sentido único de liquidar ou até mesmo amenizar o peso que o débito gerado por dívidas trabalhistas e impostos não pagos possuem sobre as finanças do clube. Depois da questão esclarecida, Bira Rocha voltará a se reunir com os conselheiros abecedistas amanhã para discutir a formalização de um plano de combate a crise que, caso não pare de ser alimentada, poderá levar o clube a falência.
Bira Rocha fez explanação e apontou a gravidade da situação na reunião do conselho deliberativo

Como o senhor avalia esse primeiro encontro como os demais conselheiros do ABC, para expor a realidade sobre a crise financeira que o clube se encontra?
Considerei o encontro bom, bastante participativo e acredito, inclusive, que o primeiro objetivo foi atingido. Consegui apresentar aos conselheiros qual é a real situação financeira do clube e mostrar a eles que os dias atuais não permitem mais que se faça futebol acumulando déficit e jogando a responsabilidade do pagamento para um dia qualquer no futuro. Não se pode ficar construindo uma dívida sem prestar atenção ao clube com aquela máxima que sempre houve no ABC: “o que vale é bola na rede”. Tem de se olhar o clube como um todo e o que fiz foi apenas mostrar o que estava ocorrendo, é um problema que não é de agora, faz tempo que existe e chegou ao ponto de que alguém tem de dar o grito de alerta para colocar fim nessa farra. O futebol mudou, possui custos elevados, então temos de tentar de tudo para não fazer dívida, se quisermos ainda sobreviver dentro desse mundo da bola.

 E qual foi a proposta apresentada na ocasião do encontro?
 Na verdade Bira não fez uma proposta neste primeiro encontro, mas sim procurou incentivar a todos os presentes a fazermos uma proposta para combater esse momento de crise e de extrema gravidade para o nosso clube. Coloquei na mesa algumas ideias para que elas fossem enriquecidas com outras opiniões ou até substituídas por propostas melhores. Demos uma semana de prazo para que a documentação apresentando a situação do passivo do ABC fosse distribuída para todos e espero a opinião deles para esse novo encontro de segunda-feira (amanhã). Uma coisa é certa, da forma como está não pode ficar. A ideia é apresentar uma proposta conjunta, a que for a melhor para o clube e para o presidente Fernando Suassuna seguir. Do jeito que está não pode continuar sob pena de o ABC desaparecer!

O ABC agora é obrigado a encarar a sua nova e dura realidade, acabou a época de que o futebol é o que importa?
A razão de ser do ABC é o futebol, ele é essencial, mas na situação na qual chegamos, hoje, o fundamental é pagar essa dívida. Ou acabamos com essa dívida que só faz aumentar de volume a cada temporada, ou ela irá acabar com o ABC dentro de muito pouco tempo.

Qual o verdadeiro volume desse endividamento?
Atualmente é de R$ 33 milhões, mas caminhando a passos muito largos para bater a casa dos R$ 35 milhões. Por ora acho que ainda existem dois milhões para chegar, pois quando se trata de ações trabalhista a parte possui até dois anos para ingressar com pedido de reparação na Justiça. A coisa é grave, pois se o ABC parasse de investir no futebol e não gastar mais nada, apenas mantendo a arrecadação que possui hoje, nós passaríamos ainda cinco anos para pagar tudo que devemos. Mas dever não é crime, pelo contrário, dever com responsabilidade é até bom na minha opinião. Agora dever sem parar para fazer a conta do pagar, aí é uma situação muito ruim.

A sua análise sobre essa situação foi minuciosa até que ponto?
Os conselheiros receberam detalhadamente o que consiste no passivo do clube, como se faz futebol, quanto custa se fazer futebol e quais as receitas que o ABC possui para cobrir esses gastos atualmente. Fiz a proposta e o presidente aceitou de distribuir esse documento para todos os conselheiros e, como necessitamos de alguma urgência, estabelecemos prazo para que todos possam formular suas propostas e apresentar na reunião de segunda, dia 2 de dezembro. O Marcelo Sant’Ana (Footway) que presta assessoria ao clube nessa questão administrativa também esteve presente a esse encontro e teve uma boa participação. Eu não quero ser o pai único do projeto que visa solucionar essa crise, na verdade, quero partilhar esse projeto e se alguém surgir com uma proposta melhor, abraço ela na hora. Não há espaço para vaidades num momento tão delicado.

De imediato, qual a alternativa deve ser adotada com extrema urgência?
Antes de tudo temos de pensar uma forma de fazer a temporada de 2020 sem qualquer tipo de déficit. Mas o projeto financeiro para próxima temporada já está prevendo um rombo de quase R$ 1 milhão. Então seremos obrigados a aumentar a arrecadação ou cortar despesas para essa questão fechar de forma tranquila. Não existe uma alternativa sem o déficit zero. Qualquer prejuízo vai alimentar de novo essa dívida. Então deixar de alimentar a dívida é a primeira providência. A segunda é buscar os bens que possuímos e que possamos vender para liquidar ou, até mesmo, apenas diminuir o volume desse endividamento. Aqui a gente entra no campo da filosofia que diz: quem tem bem, não padece! Mas o ABC está padecendo com bens. Não pretendemos colocar a venda nenhum imóvel edificado, vamos partir para negociar terrenos que não estejam edificados, digamos que seja um estoque que o clube possui para recorrer no momento de maior aperto. Feito isso, então teremos de adotar uma rigidez grande no controle dos gastos na finalidade de não produzir mais déficit, como o Flamengo já fez, o Athletico-PR fez e serve como maior exemplo para todos, Ceará, Fortaleza e CSA também fizeram. Quem não fizer isso hoje em dia, vai padecer dentro do futebol, que está cada vez mais caros e apresenta cada vez mais obrigações aos clubes.

Gestão amadora não resolve mais a questão dos clubes de futebol então. Aquele tipo de gestão feita por amor?
O clube tem de ser gerido de forma empresarial. Vou repetir: temos de dividir o ABC em dois, sendo a parte do futebol, obrigado a terminar a temporada com déficit zero e temos de ver ainda a questão do clube em si de forma bastante profissional. Uma parte não pode atrapalhar a outra. Pela repercussão durante a semana, o grande objetivo dessa minha explanação foi atingido, o pessoal que faz o clube está altamente engajado em torno do problema apresentado, todos se conscientizaram que temos de tomar uma decisão forte.
 
Até aqui ninguém jamais havia tratado dessa questão da dívida de forma tão aberta, quanto o senhor fez agora. O objetivo era mesmo dar essa sacudida?
Para falar a verdade eu sequer conhecia o presidente do ABC, Fernando Suassuna, pessoalmente. Fui apresentado a ele pelo presidente do conselho deliberativo, Cláudio Emerenciano, que insistiu na possibilidade de eu e o presidente termos uma conversa para analisar a situação do clube. Aceitei a proposta dentro da condição de tratar da questão dentro de uma transparência total. Essa transparência é mostrar a verdade, a realidade daquilo que o ABC está vivendo. Essa foi a minha condição para prestar esse serviço que, talvez, possa ser uma das minhas últimas contribuições com o clube. Com carta branca, solicitei a documentação financeira e, de cara, pude perceber que os controles nessa área são de baixíssimo nível. Verifiquei tudo o que podia para ter, pelo menos, 90% de certeza de que os números são verdadeiros. Sei que apavorei todo mundo, mas o que digo é a pura verdade.

A realidade geralmente choca, mas neste caso realmente precisaria ser expressa?
Olha se você começa a esconder a verdade, inventa uma mentira e para encobrir a primeira mentira, será obrigado a inventar uma maior ainda. Ora, a situação que o ABC se encontra não permite mais esse tipo de coisa, a crise tem de ser enfrentada. A minha condição foi expressar a realidade, Fernando Suassuna topou, é o primeiro presidente que vejo com a vontade de tornar o ABC equilibrado para voltar a, no futuro, ser grande. Eu disse isso uma vez e vou repetir agora para que todos entendam: a razão de ser do ABC sempre foi o futebol, ele é essencial, mas o fundamental agora é acabar com essa dívida. 50% desse débito é com a Justiça do Trabalho, os outros 50% é decorrente com taxas e impostos que deixaram de ser pagas nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal), a dívida do clube com terceiros é muito pequena. A situação é bem complicada ou paga, ou paga, não tem outra opção.

No passo que vai marcando, se o ABC não fizer nada em relação ao combate dessa crise, ele poderia durar quanto tempo?
Quando se fica parado apenas esperando as coisas acontecerem o que ocorre? Para quem possui débitos dessa natureza a justiça realizar vários leilões de bens para cobrir esses débitos. Você pode pegar o Diário Oficial para verificar quantos bens são leiloados por dia pela Justiça do Trabalho. O pior de tudo é que nesses leilões para quitação de dívidas, os bens são vendidos com preços bem abaixo daquilo que realmente valem no mercado. Então se nada for feito, o ABC caminha para isso.

A ideia de se lançar a Fundação ABC para separar os bens do clube da parte de futebol, no sentido de proteger o Frasqueirão, por exemplo, não vai ser levada a frente?
Não se pode fazer esse tipo de manobra, ter dois CNPJ é impossível, não é legal. Virtualmente até que você pode fazer, como eu mesmo já fiz. Se cria uma administração para cuidar da dívida e outra para o futebol por um prazo máximo de três anos, com a obrigação de unir tudo de novo quando as coisas ficarem sob controle. Essa é a ideia que lancei, mas não se pode separar a responsabilidade. Se pudesse, seria bom demais! Um bocado de devedor deixaria de ser como num passe de mágica.

Não existe jeito de se proteger o Frasqueirão de uma possível penhora?
No nosso plano o Frasqueirão continua firme e forte, que fique claro a intenção de liquidar as nossas dívidas sem envolver o Frasqueirão. Mas ele hoje continua como a fonte garantidora de parte dessa dívida do ABC. Ele foi penhorado como garantia pela Justiça do Trabalho, o clube só conseguiu tirar ele num linguajar jurídico. Isso quer dizer que o Frasqueirão não está mais hipotecado, mas ainda se encontra indisponível. O que na verdade quer dizer a mesma coisa. Ele continua garantidor da dívida. Não é brinquedo não!

Na sua opinião o ABC cresceu demais?
O ABC cresceu muito e não estávamos preparados para administrar um clube do porte que o ABC atingiu.  Sempre achamos que cuidar de futebol era apenas a preocupação com a bola na rede, desprezando a outra parte que é mais importante. Todos clubes passam por essa fase. O Flamengo teve alguém que sentou lá e organizou, o Bahia idem. São fases de uma instituição com cem anos ou mais.

Se for preciso dar alguns passos atrás para se manter vivo, o ABC dará?
O ABC para se manter vivo e com responsabilidade acho que não vai ter prejuízo na parte técnica. O que o clube não pode mais ficar é contratando perna de pau, jogadores que criam despesas e acabam gerando ações judiciais. O Clube tem de dar mais atenção as suas bases, a construção do Centro de Formação de Atletas, no meu projeto, é uma prioridade. Essas só são duas, a outra é diminuir a dívida, acabar. Não existem três prioridades, quando se tem muitas não existe prioridade.

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