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Bispo Dom Jaime Vieira fala de política

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OPINIÃO -

O bispo dom Jaime Vieira Rocha é daqueles sacerdotes que não se furtam de questões políticas. Atualmente na Diocese de Campina Grande, dom Jaime tem uma relação muito estreita com o Rio Grande do Norte, não apenas por ter filho da cidade de Tangará, mas também porque foi na Diocese de Caicó que ele atuou pela primeira vez como bispo.

Para dom Jaime, atitudes como do bispo baiano dom Cappio, que fez greve de fome, são reprováveis e muito mais do que respaldo do episcopado, encontra eco na própria opinião pública. “Mas vale salientar que dom Cappio agi do ponto de vista de episcopado de modo muito restrito. Do ponto de vista de opinião pública no Brasil ele conta com um respaldo muito grande das pastorais sociais, da questão ambiental”.

E por qual motivo dom Jaime um dia poderia fazer greve de fome? Ele descarta, já que a greve de fome é atentar contra a própria vida. Dom Jaime é um defensor da transposição do rio São Francisco e observa que falta é um esclarecimento maior, já que será utilizada apenas 1% da vazão daquele rio.

O convidado de hoje do 3 por 4 é um bispo com fala tranqüila, simpático no trato, um sacerdote com carisma próprio, um cidadão que não esconde suas posições políticas enquanto ação de gestões e um homem que atua na concretização do desenvolvimento sustentável.

A Igreja Católica deve adotar posições políticas?
Posições políticas no que diz respeito a política com  P maiúsculo, para o bem  comum, políticas regionais, sim. Ela pode dar sim opinião. Agora política partidária nunca é correto e também não é benéfico para a Igreja assumir posições político partidárias.

Como o senhor avalia essa greve de forma feita pelo bispo baiano dom Cappio?
Isso foi uma reincidência. Houve uma segunda tentativa ou uma segunda atitude muito drástica e unilateral do nosso irmão dom Cappio. Respeitamos muito, ele é bispo como eu sou da nossa Igreja Católica, da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. Mas infelizmente ele toma posições muito isoladas e unilateral e talvez não conte com o consenso e nem do seu próprio regional que é o da Bahia. Nós formamos um colegiado, somos uma conferência de bispos, claro que há divergência, modo de pensar, nos respeitamos uns aos outros. Mas em relação à atitude de dom Cappio nós que estamos aqui no regional ou no Nordeste setentrional não podemos ter para com a questão do São Francisco uma visão fechada. Pelo menos na Paraíba são mais de 93 municípios abastecidos por carro pipa. Claro, temos que dizer que há um progresso na convivência com a seca no Semi-árido. Há políticas públicas como a da cisterna. Mas elas por si só não são suficientes. Uma vez que tenhamos inverno, seca ou estiagem prolongada mais de um ano, os açudes e cisternas servem, mas ainda dependemos da política tão drástica e deficiente do carro pipa. Só a cisterna, mais de um milhão de cisterna, não é suficiente para as necessidades hídricas do nosso Nordeste. Desejamos que essa transposição vá adiante, com as nossas posições e o devido conhecimento da opinião pública.

O senhor não acha que atitudes unilaterais como a de dom Cappio podem dividir a Igreja Católica no Brasil?
As manchetes de jornal já publicam “A Igreja está dividida”. Falam isso porque uns bispos pensam de um modo e outros pensam de outro. Dizia na reunião geral da CNBB, ano passado em Itaicy, que deveríamos estar atentos para ver o nosso discurso e em questão onde não há consenso do episcopado deveriam ser evitadas posições e opiniões unilaterais. Uma vez que não foi respeitado esse princípio, vemos com apreensão e sofrimento porque não deixa de ser uma voz discordante. Mas vale salientar que dom Cappio agi do ponto de vista de episcopado de modo muito restrito. Do ponto de vista de opinião pública no Brasil ele conta com um respaldo muito grande das pastorais sociais, da questão ambiental. Temos que convir que vivemos hoje numa situação de sociedade pluralista, a questão ambiental é prioritária, é fundamental, eu passei agora pelo pólo de Guamaré e vi com alegria placas indicando sede da reserva ambiental, defesa ambiental do Rio Grande do Norte.

A opinião do senhor então é que a Igreja silencie nos assuntos onde não há consenso?
Talvez nem fosse isso. Era mais edificante, era melhor ocorrer um respeito entre nós bispos. Mas a questão é de hoje, é tão complexa que certamente também não será o melhor ficar silenciado ou nos omitirmos. Vejo que o projeto do São Francisco que é tão antigo que a palavra transposição já vem de séculos. Quando fizeram os primeiros estudos para a transposição disseram que ela deveria ser feita com a transposição da serra do Araripe. Então a palavra transposição vem daí, transpor uma serra para trazer água. Mas isso não é impossível. É possível isso com as tecnologias, os recursos, os meios técnicos. Mas é preciso uma questão política, uma decisão política. Há muitos argumentos que também não se sustentam. Dizer que a população ribeirinha do São Francisco está abandonada, os agricultores não tem água. Isso é falha dos gestores públicos daquela região e do povo que não reivindica água. Nós sabemos como foi edificante e proveitosa para o povo do Rio Grande do Norte a campanha das águas iniciada pelo monsenhor Expedito Sobral de Medeiros. Em Caicó participei muito dessa luta, Caicó estava a mercê de apenas um açude, o Itans, e na iminência de ficar desabastecida. Então se fez um movimento e houve resposta do poder central, do Governo, foi feita adutora e hoje a cidade está tranqüila. É isso que nós queremos, não é transpor o rio, contribuir para sua morte, mas defendemos a revitalização do rio São Francisco que é algo para décadas e décadas. Os mineiros não fazem isso (a revitalização), a Bahia não faz isso, a CHESF transfere para a população ribeirinha daquela região uma importância X de recursos financeiros para fazer a revitalização e as prefeituras nunca fizeram nada. É preciso que se faça a revitalização, que é um processo contínuo, equilibrado, e que nos dêem a oportunidade de contar com quase 1% da vazão do rio. Quando ele está a 2.800 metros cúbicos por segundo, no período de baixa chega a 1.800. O que nós queremos são 26 metros por segundo, que é quantidade ínfima que é quase imperceptível. Falamos em captação das águas do São Francisco para manter no nível de qualidade, de consumo a água dos mananciais que temos nos açudes maiores do Nordeste, que com a estiagem prolongada eles também ficam comprometidos com a qualidade da água para o consumo humano. Onde chega adutora as cidades se rejuvenescem do ponto de vista de arborização, fruteiras intactadas, fica tudo verde, bonito e com pouca água. Água em si é importante.

Se o senhor tivesse que fazer uma greve de fome seria para que?
Eu não faria greve de fome porque é contra os princípios cristãos atentar contra a vida. Agora eu faria, estaria disposto a somar esforços, dar um pouco do possível da minha parte, com outras lideranças políticas e econômicas e lutar por algum bem maior que seja para todo povo. Não podemos para privar um pequeno grupo de investimento em agoronegócio com a água do São Francisco, ter que sacrificar a vida e o bem estar de 12 milhões de pessoas. A água é bem comum e certamente Deus criou para todos os seus filhos. Ele não fez divisão de água só para os pobres, para a pequena agricultura. Não. Água para todos desde que o projeto (de transposição do rio São Francisco) seja monitorado, o projeto seja esclarecido, o Governo tem o dever de explicar o projeto o máximo possível, ouvir as correções que o povo pode exigir. É preciso diálogo, informação e determinação política. Respeito a opinião da Bahia, da arquidiocese ribeirinha que fica naquele discurso de que o rio está morrendo. Mas ele estar morrendo porque fica naquele discurso, o rio está passando por degradação ambiental. Mas é preciso fazer a parte da representação ambiental e levar adiante a causa do povo nordestino que há muito tempo precisa dessa água do São Francisco.

Qual avaliação que o senhor faz do papel hoje ocupado pela Igreja na mídia?
Isso é algo muito complexo porque hoje nós vivemos numa sociedade complexa, no mundo secularizado, a Igreja tem que zelar pelo seu espaço. O cardeal Locheider dizia que a Igreja só terá lugar no mundo moderno, na sociedade atual, se ela (a Igreja) assumir uma postura de serviço. Só pelo serviço ao povo é que nós podermos ser vistos, acolhidos e respeitados. Caso contrário nós ficaremos renegados a uma expressão. O mundo de hoje é dessacralizado. Cada vez mais  secularizado. Se tivermos dispostos a fazer algo pelos outros, certamente seremos reconhecidos como alguém que está trabalhando para o bem comum, reduzir a exclusão social, levar adiante educação para cidadania. O Estado está ocupando o seu lugar. Muitas das atividades que a Igreja fazia no passado hoje são feitas pelos gestores. Nossas atitudes devem ser pastorais, levar ao povo esperança, mas não nos omitirmos das questões que dizem respeito a vida do povo, suas esperanças e sua vida.

Quando bispo de Caicó o senhor levantou muito a bandeira do desenvolvimento sustentável, inclusive chegou a criar a ADESE (Agência de Desenvolvimento do Seridó). É viável mesmo ou é um sonho?
O desenvolvimento sustentável hoje é uma bandeira assumida por muitas pessoas, muitas circunstâncias. Em épocas da sociedade, as terminologistas vão sendo consagradas. Hoje se fala em desenvolvimento sustentável, esse é um processo avançado no que diz respeito a consciência do meio ambiente, pelos valores da democracia, dignidade humana. É discurso que vai se desenvolvendo. Agora quanto a questão do desenvolvimento sustentável vemos algo que poderia ser mais visível. Não entendo porque lá na Paraíba, estradas vicinais que ligam as cidades, ficam intransitadas e nós temos tanta pedra no Nordeste que poderia ser aproveitada. Ao invés de ficar esperando que venha o asfalto para uma estrada, vamos dar trabalho a população local, tirando da região a pedra que iria pavimentar o pedaço de estrada ou toda estrada. O desenvolvimento sustentável está em alta, há muita gente envolvida, muitas perspectivas, mas precisa ser mais visível. Vejo no Seridó alguma coisa nessa linha. Vejo aperfeiçoamento da produção, investimento no mercado, no artesanato, o queijo já tem selo de qualidade. São conquistas, pequenos sinais, porque representam muito dentro de um processo de desenvolvimento sustentável.

O senhor acredita na boa vontade dos gestores públicos?
Precisaria haver uma cobrança muito grande. Por isso é tão importante a educação para cidadania. A população tem que estar consciente dos direitos e ocorrer um controle social muito rígido.

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