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Blade Runner remasterizado e a nova ficção de Philip Dick

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VOLTA - Versão definitiva de Blade Runner sai ainda este ano

Antonio Gonçalves Filho 

Amado em todo o mundo pelos leitores de ficção científica, o americano Philip K. Dick (1928-1982) só deve ser evocado com reservas em Los Angeles. Compreensível. Por culpa dele a cidade é lembrada como a sucursal do  inferno num futuro apocalíptico de chuva ácida, andróides, drogas pesadas, cyberpunks e bichos artificiais. Foi nela que o diretor Ridley Scott ambientou seu filme “Blade Runner, O Caçador de Andróides”, adaptado de seu livro “Sonham os Andróides com Carneiros Eletrônicos?”, um dos títulos comprados pela editora Rocco, que dá início à edição de sua obra com a publicação de “O Homem Duplo” (“A Scanner  Darkly”) – também adaptado para o cinema, ambientado em Los Angeles e com estréia brasileira prevista para 2 de fevereiro.  

Philip K. Dick morreu há 25 anos, pouco antes da estréia de “Blade Runner”, cuja versão remasterizada foi recentemente lançada em DVD pela Warner, a mesma distribuidora de “O Homem Duplo”. A Warner promete comemorar a data colocando  no mercado ainda este ano uma versão mais ambiciosa de “Blade Runner” – agora  definitiva, supervisionada pelo diretor e com muitos extras. A versão original de 1982 tinha uma narração dispensável que tentava explicar o óbvio para os espectadores. A de 1992, administrada pelo próprio diretor, conduzia-os a um final ambíguo, menos romântico e muito mais interessante. Finalmente há seis anos, Ridley Scott, que lamentava não ter tido tempo para fazer uma edição decente, retomou o trabalho e tentou restaurar seu melhor filme.

Uma questão de direitos atrapalhou seus planos. Agora, finalmente, nos 25 anos de seu filme, ele vai  chegar aos fãs como concebido pelo cineasta. Seja como for, “Blade Runner” já é um clássico, estudado até num livro de ensaios filosóficos (“Blade Runner”, Tusquets Editores, 1988, inédito no Brasil) organizado  pelo escritor cubano Guillermo Cabrera Infante (1929-2005).

E clássico não se  aplica apenas ao filme. Reconhecendo a importância da obra de Philip K. Dick,  a Library of America, respeitável instituição dedicada a publicar autores americanos  – uma espécie de Bibliothèque de la Pléiade dos EUA – encarregou o escritor Jonathan Lethem (“Brooklin sem Pai nem Mãe”) de editar quatro novelas do autor. “O Homem Duplo” segue o mesmo caminho. É assustador como “Blade Runner” – e  isso não só pelo avanço do consumo da droga no mundo e a evolução da engenharia  genética, que antecipa graves problemas de relação entre homens e andróides num futuro próximo. Se “Blade Runner” tem o detetive Deckard, um (possível) andróide que persegue e mata outros andróides – considerados subversivos pela empresa que os criou-, “O Homem Duplo” tem um policial igualmente esquizofrênico, o agente Bob Arctor.

Desta vez não pelo dilema de ser ou não ser um andróide, mas pelo uso habitual de drogas.  A Los Angeles do filme “Blade Runner” (São Francisco, no livro) é uma cidade habitada apenas pela escória de andróides, um conglomerado sinistro e decadente.  Em “O Homem Duplo”, Los Angeles é a urbe letal, rastreada 24 horas por scanners e dominada pelo tráfico de drogas. De tanto consumir uma delas para manter o disfarce e infiltrar-se entre os traficantes, Bob Arctor torna-se dependente e tenta administrar uma briga dos diabos entre os dois hemisférios de seu cérebro.  

Essa histórias de duplos e divisão de personalidade estão entre as melhores de Philip K. Dick, autor de mais de 40 livros que recorreu à própria história pessoal para construir seus perturbados personagens. Esquizofrênico, ele jamais se recuperou da morte da irmã gêmea. Sofria de agorafobia e ataques de asma, recorreu ao uso de psicotrópicos, teve uma experiência mística que lhe proporcionou visões premonitórias e tentou o suicídio pelo menos duas vezes após crises depressivas e um período de desintoxicação. “O Homem Duplo” foi assumidamente escrito como homenagem aos amigos que morreram de overdose ou viajaram sem passaporte nos anos 1970.

Profeta do apocalipse, o escritor, recorre a uma passagem de Coríntios para armar sua distopia futurista (“agora vemos como enigmas num espelho; depois veremos face a face…”) sobre esquizofrênicos criados pelo  mundo moderno das drogas e dos clones.

O novo milênio mal começou e já tem gente dando razão a ele. O pensador alemão Jürgen Habermas é um deles. Num debate sobre bioética, o filósofo sugeriu a criação de leis que garantam aos clones  os mesmos direitos dos humanos. Vale lembrar que “Blade Runner” começa com a resistência de Deckard de caçar os andróides, sendo ele mesmo vítima das mesmas questões existenciais – de onde  vim, para onde vou e quanto tempo vou ficar.

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