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Boa vontade que transforma jovens

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Vicente  estevam
repórter

Boa vontade e uma grande determinação para ajudar ao próximo. Esses são os segredos que fazem do professor de karatê, André Calixta, uma pessoa diferente no meio do cenário esportivo potiguar. Através do seu amor ao esporte e do ideal de que a atividade pode mudar as pessoas  e dar a oportunidade de jovens e crianças terem aspiração por um futuro melhor, Calixta desenvolve um programa de inclusão social no ginásio da Fundação Marie Jost, em Capim Macio. O projeto atende mais de dois mil jovens de ambos os sexos e se transformou no maior programa de difusão das artes marciais gratuito do país.

Os professores Aitor Sanchez, Marcos Benício e André Calixta mostram orgulhosos os atletas que conseguiram transformar em campeõesSegundo Calixta, o projeto não alcançaria tanto sucesso se não fosse a participação de professores de outras modalidades e que também uniram esforços na tentativa de mudar ou influir de forma positiva na vida de tantos meninos e meninas, que devido a desocupação e sem um verdadeiro sentido para viver, acabavam perdendo a batalha para se afastar do submundo do crime e das drogas. Os irmãos Aitor e Gorka Sanchez, professores de judô e MMA e proprietários da academia Hikari, além de Gilberto Herculano Sobrinho, vice-presidente da federação de karatê,  bem como os professores de 16 tipos de artes marciais que se integraram ao projeto como voluntários, são considerados figuras exponenciais para o sucesso obtido com a experiência.

“Nossa preocupação não é  apenas com a formação do atleta, nossa maior preocupação é na formação do futuro cidadão. Por isso exigimos regularidade, acompanhamos o desenvolvimento escolar de todos os nossos alunos, que são afastados temporariamente do programa em caso de algum problema com nota baixa ou de comportamento tanto no local onde estuda quanto em casa”, ressaltou André Calixta.

Além das aulas gratuitas os jovens que se apresentam para treinamento ainda ganham o kimono, considerado a peça fundamental aos praticantes de artes marciais e a peça mais cara para ser adquirida. “O kimono é cedido ao aluno a partir do momento em que a gente nota que ele realmente está interessado de fazer parte do projeto e se dedica para aprender aquilo que lhe é passado. Em caso de qualquer deslize na escola com notas baixas ou comportamental, a peça é recolhida até que haja a recuperação. Os nossos alunos têm de passar a ver o kimono como um ideal e lutar por ele”, destacou Aitor Sanchez.

A doação dos kimonos só foi possível através de um patrocínio que Aitor arranjou com um colega, proprietário da empresa Integralmédica, que atua no ramo de suplementos nutricionais. A Acdemia Hikari fez a doação do ringue e ajuda liberando a utilização dos aparelhos de musculação para os alunos do projeto trabalharem.

De portas abertas para receber crianças e jovens das comunidades e colégios públicos, o número de alunos não para de aumentar. Com isso, crescem os gastos que têm de ser cobertos e os professores que retiram dinheiro do próprio bolso para manter viva a chama do projeto, gostariam de receber apoio para ajudar nos gastos com a conta d’água, luz, incentivos para compra de tatames e o mais importante de tudo: um bebedor de água.

“O sacrifício é muito grande, nossos alunos treinam forte por duas horas e quando saem não têm onde beber água. As dificuldades deles são grande e o bebedor que nos foi prometido por um deputado não veio porque foi a leilão. Quando a sede é muito grande eles são obrigados a beber um pouco de água na pia do banheiro. Isso chega a chocar a gente que não tem mais de onde tirar dinheiro para suprir certas necessidades”, afirmou o professor Aitor Sanchez. Calixta é quem se responsabiliza pelo pagamento da conta de água.

A superação social e esportiva

Entre as histórias de recuperação, existem também aqueles casos de superação apontados como mais emblemáticos pelos professores do projeto da Fundação Marie Jost. Esses casos envolvem três crianças de 10 anos de idade, que devido as suas peculiaridades, provam as pessoas que vale a pena investir no ser humano, que ninguém nasce com espírito ruim e que se suas habilidades forem bem trabalhadas no ambiente repleto de carinho e atenção, todos podem se transformar num atleta de ponta.

O garoto Renan, residente numa comunidade da Vila de Ponta Negra, teria tudo para se revoltar contra a vida e perder o rumo, uma vez que teve os pais presos por tráfico de drogas e ainda perdeu um irmão assassinado pelo mesmo problema. Morando com a tia, esse garoto é mais um com a infância salva através de um pequeno gesto e que passou a vislumbrar um horizonte melhor no futuro.

“Devido a tudo que sofreu em tão pouco tempo de vida, num momento em que ainda está formando a personalidade. Renan era um menino cheio de problemas de comportamento, agora mudou em todos os sentidos. Hoje é um aluno disciplinado, não falta aulas nem aos treinos, tem notas boas e já conquistou o seu primeiro título estadual. Este é o maior pagamento para os professores envolvidos neste processo”, destacou Calixta.

Outro caso emblemático é o do menino Kelvin Martins, que nasceu sem o braço esquerdo, mas sua superação o faz se transformar em um símbolo para os demais colegas. Morador do Monte Belo, não recebe apoio familiar para treinar. A deficiência, porém, não impede Kelvin de percorrer o trilho das conquistas dessa verdadeira fábricas de campeões. Mesmo lutando contra oponentes sem deficiência, o judoca potiguar possui um cartel com dois títulos brasileiros e garantiu uma vaga para disputar o Mundial de sua categoria.

Com um histórico de conquistas idêntico ao do amigo, aparece José Freire, com problemas de crescimento e que, aos 10 anos, tem estatura comparada a um garoto de cinco anos. Mas os baixinhos não dizem que são nos pequenos frascos que se guardam os melhores perfumes? Essa máxima vale para José, um garoto super ativo nas aulas e nos treinamentos e que não teme o fato de enfrentar oponentes bem mais altos e fortes e que também vai disputar o Mundial de sua categoria.

“Esses dois garotos são especiais, Kelvin só vem treinar porque Gilberto Herculano passa na casa dele para pegar e deixar. José Freire tem problema de crescimento, precisa fazer um exame que não é realizado pela rede pública, só tem em clínicas particulares, custa caro e nós não temos condições de fazer isso por ele. Mas nada disso tira a alegria desses dois meninos, que são muito especiais para gente”, salientou Calixta.

Ideal esportivo é capaz de mudar rumo da vida

“Eu sou a prova de que o esporte é capaz de mudar as pessoas”. A aluna do curso de Enfermagem da Fatern, Juliana Lima de Araújo, 17 anos, é a autora dessa frase, que soa como uma bela canção aos ouvidos dos professores do projeto desenvolvido na Fundação Marie Jost. A adolescente disse que o aparecimento do professor André Calixta e do esporte mudou o rumo de sua vida, fazendo dela uma jovem mais humana e responsável.

“Antes de ingressar no projeto eu era uma criança agressiva, respeitava pouco as pessoas e vivia envolvida em confusão, principalmente para defender os meus irmãos. Ingressei no projeto através das aulas que o professor dava no colégio Ferreira Itajubá, em Neópolis. Com a ajuda dele consegui me sair bem nos estudos e agora curso a universidade por força de um convênio do projeto com a Fatern e da nota que tirei no Enem. Hoje já posso sonhar com um futuro melhor”, salientou Juliana.

A antiga disposição de brigar nas ruas, hoje foi revertida em coragem para enfrentar as adversárias sobre o tatame. O resultado disso é um acumulo de títulos e um número sem fim de medalhas. Classificada para disputar o Mundial de sua categoria, marcado para novembro em Olinda/PE, só no último Norte/Nordeste de Karatê, realizado no Piauí, a aluna conquistou três medalhas de ouro e uma de prata.

A trajetória vitoriosa também é acompanhada pela amiga Keithe Alinne, também de 17 anos. Ela disse que foi um pouquinho mais recatada que a colega, porém não esconde um passado problemático e briguento. O atrevimento de oito anos atrás, sofreu uma guinada e hoje além de um comportamento exemplar ela se transformou numa grande campeã do karatê, onde ostenta um bicampeonato brasileiro, três títulos nordestinos e oito títulos estaduais. “Na verdade perdi as contas de quantos títulos conquistei no RN. Devo tudo isso ao professor que conseguiu me ensinar a caminhar para o lado bom da vida. O esporte é importantíssimo para mim e me ajudou a ser disciplinada acima de tudo”, frisou.

Em protesto, professor tira alunos dos Jerns

Apesar de todo sucesso do projeto, os alunos da Fundação Marie Jost não vão mais participar dos Jerns. A decisão tomada pelo professor André Calixta é um protesto contra o preconceito contra os estudantes dos colégios públicos nas disputas dos jogos escolares. A regra que vale para o colégio particular não é a mesma aplicada para os representantes do ensino municipal e estadual.

Segundo Calixta, o preconceito é fomentado pelos próprios professores, que entram na competição em busca de apresentar resultados aos patrões das escolas privadas e vão para uma espécie de vale tudo, incentivando seus alunos a discriminar as demais crianças.

“O esporte não é para haver discriminação, não pode um aluno de escola paga, porque está em desvantagem numa luta, chamar nossos alunos de favelados. Os árbitros também não podem privilegiar nenhum dos lados como ocorre muito”, protesta Calixta.

Juliana Lima, habituada a subir no pódio em competições de alto nível revelou que já foi alvo de discriminação nos Jerns. “As meninas dos colégios pagos nos xingam de tudo quanto é nome, favelado é o menos pesado. É muito duro a gente escutar isso, anos atrás não aguentaria uma provocação desse tipo,  mas hoje já sei me controlar e não reajo. Guardo minhas forças para hora da luta”, afirmou.

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