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Boas dos bons tempos

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Valério Mesquita
Escritor
Contou-me Paulo Tarcísio que no tempo dos saudosos Leonel Mesquita e Poti Cavalcante, pontificava em São Gonçalo do Amarante a figura do tenente Pereira, todo poderoso delegado de polícia. Alto, moreno, sisudo, era o protótipo do policial emblemático, atávico, parecido com aqueles tenentes golpistas das republiquetas africanas ou da América Central. De resto: circunspecto, distante, inabordável. A sua marca registrada eram uns óculos escuros que não tirava do rosto nem para dormir ou tomar banho. E isso passou a chamar a atenção da cidade. Virou comentário livre mas cuidadoso, nas esquinas, nas praças e nos bares de São Gonçalo. Somente ele não sabia, mas quem ousaria de avisá-lo? Na própria delegacia já se instalava o ruído do sussurro. Até que um dia, sem poder mais se conter, um pobre sargento, mais à guisa de bajular do que informar, entregou-lhe os boateiros e o motivo da chacota. Sem perder a bossa nem a boçalidade, Pereira, o velho cabo de guerra, não se deu por calado: “São um bando de sebosos que não entende a moda”. E por via de consequência deu um esporro no sargento para nunca mais falar besteira. Daí por diante quem fitasse Pereira corria o risco de ser confundido com algum seboso. Havia ligado o “desconfiômetro”. De outra vez, ao receber um papel datilografado do cartório de Poti Cavalcante e para mostrar autoridade e cultura policial que provinham evidentemente dos óculos, comentou com soberba e arrogância: “Não sei como se coloca letras tão ruins numa máquina de escrever”. E saiu do cartório para a delegacia pela praça Dinarte Mariz rodando o ofício como se dirigisse um carro imaginário.
02) O meu saudoso primo Ticiano Duarte me narrou esta estória que tem o sabor dos bons tempos da boêmia natalense dos anos 60. Convidado por Leonel Mesquita, saíram numa tarde verânica, em viagem de circunavegação polar pelos bares da vida. Navegantes de longo curso, no início da noite atracaram no famoso bar do Hotel Internacional dos Reis Magos. Ao chegar, se defrontaram com uma confusão à porta do hotel que envolvia amigos comuns com estranhos. No meio deles Raimundo do cartório, João Câncio, entre outros. Apaziguados os ânimos, Leonel e Ticiano iniciaram os trabalhos de imersão alcoólica. Lá pras tantas, Leonel resolveu tomar uma atitude insólita, pra espanto do pacífico Ticiano: “Vou quebrar esse bar!! Esse gerente (Hans, um alemão que administrava o hotel) tratou mal os meus amigos!!!”. De repente, o tempo fechou. Era copo e cadeira pra todos os lados. Todo mundo debandou. Com muito custo Ticiano convenceu o seu amigo a sair. Do lado de fora a polícia já havia chegado e se preparava para agir. O cabo da guarnição, que conhecia Leonel, foi logo perguntando: “Seu Leonel o que é que está acontecendo aqui?”. Com a serenidade que só aos bêbados é concedida nessas situações, respondeu: “Um cara lá dentro está quebrando tudo!”. Quando Leonel manobrou o carro para sair do estacionamento, toda a guarnição já havia entrado no hotel, de cassetete em punho, à procura do desordeiro.
03) As acontecências da política e do folclore humano de Macaíba são como uma vertente inesgotável. Quanto mais são narradas mais brotam facilmente de outros mananciais. Certa vez, almoçando com Aldo da Fonseca Tinôco, ele me narrou a estória do Xenovis que já ouvira falar antes, mas sem retê-la completamente na memória. Aldo iniciou a sua vida publica praticamente em Macaíba com Alfredo Mesquita, ao lado de José Maciel, Aguinaldo Ferreira e tantos outros. No auge do seu prestígio político, contou Aldo, Mesquita era consultado por todos e se constituía na palavra final e segura para qualquer assunto. O Xenovis era um livro antigo, volumoso e grande sobre práticas de medicina em geral, revestido de uma capa circunspecta que parecia imprimir respeito e obediência a quem o manuseasse. 
De uma feita, Seu Mesquita foi procurado por um compadre cuja filha havia sido deflorada e o autor, bem mais jovem, estava se recusando terminantemente a casar. Seu Mesquita mandou chamar a sua casa o jovem e o seu pai. Após, baldados os esforços persuasórios preliminares, mais uma vez, o jeito foi recorrer o velho Xenovis. Em pé, calvo, óculos de grau no meio do nariz, fisionomia severa e preocupada, Seu Mesquita passava as páginas do livro como se procurasse algo escrito que iria resolver o problema, sob os olhares tensos e atentos dos circunstantes. “Achei”, disse, fitando grave e calmamente o rapaz. “Para esses casos de defloramento e recusa de casamento a pena é de dois anos e meio de cadeia!”. O rapaz, completamente amedrontado e aturdido pelo anúncio, exclamou: “Seu Mesquita, a mulher tem 28 anos. Não dá pra fazer por menos não?”.
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