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Bolsonarices

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Merval Pereira
A tentativa de tirar o protagonismo do ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, no combate à Covid-19 não passa de mais uma bolsonarice, entre muitas que o presidente comete cotidianamente com palavras, gestos e hábitos.
Bolsonarice ainda não existe na língua portuguesa oficial, mas caminha para tornar-se um neologismo similar a tolice, burrice, asnice, todos derivados de substantivos com o sufixo “ice”, que tem em certos casos, como nesses, uma carga pejorativa indelével. 
É uma característica da língua portuguesa a criação de palavras como essa, que primeiro dominam o português falado informalmente e acabam, pela frequência do uso, se imiscuindo na língua oficial, sendo reconhecidas pelos dicionários. Talvez, portanto, estejamos vendo o surgimento de uma nova palavra, pela necessidade de classificar as atitudes de um presidente da República colocado no Palácio do Planalto por circunstâncias políticas, como um jabuti em cima de uma árvore. 
Boa parte das mãos que o colocaram lá, no caso do nosso jabuti, já não o apara. A ideia propagada de que representa mais de 57 milhões de eleitores que votaram nele é uma falácia, pois como dizia Tancredo Neves, voto você não tem, você teve. 
A cada bolsonarice que faz, mais eleitores se descolam de seu compromisso eleitoral, como demonstram os panelaços diários. Uma característica de sua personalidade é a paranoia, e Mandetta caiu na sua malha fina. 
Todo ministro que se destaca popularmente, e pode ter objetivos políticos, Bolsonaro trata de cortar-lhe as asas. Mandetta já foi deputado federal, tem ligações políticas importantes, e a aparição diária para dar informações sobre a atividade do ministério da Saúde no combate à Covid-19 tornou-o figura popular e simpática. 
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, continua na mira de Bolsonaro pelo mesmo motivo. Ontem, vazaram comentários do presidente de que estava se considerando desamparado juridicamente por Moro. Sintomaticamente, quem foi falar sobre os aspectos jurídicos do combate à Covid-19 foi o ministro da Advocacia-Geral da União (AGU), André Luiz Mendonça, “tremendamente evangélico” e também candidato a uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF).
Também ontem, o Palácio do Planalto estabeleceu nova sistemática para as coletivas sobre a pandemia, reduzindo o ministro da Saúde a mais um dos muitos ministros que estão cuidando do assunto, a partir da coordenação do chefe do Gabinete Civil, General Braga Netto. 
O ministro Mandetta, o último a falar, não deixou dúvidas sobre a manutenção da política de controle sanitário adotada desde o início da crise. O afastamento social continua sendo o comportamento recomendado por critérios técnicos, até que se tenha informações necessárias para organizar uma distensão gradual, até que a vida volte ao normal. 
O mês de abril já está reservado, na visão técnica, para a quarentena de todos que não exerçam funções essenciais. Com habilidade, Mandetta passou as orientações sem aparentar que estava desautorizando a atitude do presidente ao visitar o comércio de algumas cidades satélites de Brasília. Mas ficou claro que o presidente exorbita, até quando defende o confinamento vertical de idosos e doentes. 
O auge da demonstração de força do Planalto foi acabar com a entrevista, através da locutora oficial, no exato momento em que o ministro Mandetta teria que responder a uma pergunta direta sobre o que achou do passeio de Bolsonaro.
O adendo de que o ministro da Saúde continuaria na sala para fazer uma apresentação técnica sobre o panorama da Covid-19, mas não responderia a perguntas, foi a cereja do bolo. 
O tuíte do ex-comandante do Exército e ícone da força, general Villas Bôas, apoiando a posição do presidente Bolsonaro, e criticando “medidas extremadas” que podem acabar atingindo os mais desassistidos, é o primeiro sinal formal de apoio militar à posição do presidente.
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