Estamos chegando ao fim desta expedição enológica pela região vinícola de Bordeaux, e nesta matéria abordaremos Saint-Émilion, importante denominação da sub-região de Libournais, localizada na margem direita do rio Dordogne, afluente do Gironde.
Foram os romanos os primeiros a cultivar uvas em Saint-Émilion, uma cidade que permanece intacta desde a idade média, e que já exporta seus vinhos para diferentes partes do mundo há mais de 800 anos. Saint-Émilion é o epicentro mais sísmico da região de Bordeaux, composta de escarpas e planaltos de areia e cascalho, e de encostas íngremes (côtes) que desembocam nas planícies. Desfruta de um clima mais continental que marítimo, semelhante ao Pomerol.
Seu solo é extremamente complexo, desafiando qualquer classificação simplista, com graves (pedregulhos), areia, calcário argiloso, marga, aluvião e nalgumas encostas com subsolo constituído de molasse (composição absorvente de calcário e/ou arenito). Uma cidade repleta de adega (mais de 50) e de história, lindíssima de se ver e viver.
As uvas por ordem de importância são Merlot, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon e Malbec (tintas). As técnicas de vinificação são tradicionais, com maceração por cerca de 15 a 21 dias, podendo variar como no Pomerol. O uso de barris de carvalho no amadurecimento dos vinhos é regra quase geral, com tempo médio de 15 a 22 meses, nalguns casos sendo encurtado para 12. A grande estrela de Saint-Émilion é o Château Cheval Blanc, vinho estrela do filme Sideways.
Os bons vinhos desta comuna são ricos, consistentes e macios (quase doce), sendo a antítese dos vinhos secos e ligeiramente ásperos do Médoc, e levam menos tempo para alcançar a perfeição, cerca de 4 anos, para uma safra comum e 8 para uma boa safra. A classificação dos vinhos de Saint-Émilion foi criada em 1954, e contempla três níveis hierárquicos, sendo a única que passa por uma revisão a cada 10 anos, tendo a última ocorrido em 2012. São elas: Premiers Grands Crus Classés A com apenas 04 Châteaux. Premiers Grands Crus Classés B, com 15 Châteaux classificados, e por fim Grands Crus Classés com 46 Châteaux.
A cada 10 anos os vinhos são reavaliados para fazerem jus ao seu status hierárquico, e o produtor que aspira a ascenção do seu vinho aos níveis superiores terá que submetê-lo ao rigoroso crivo de avaliação do Syndicat Viticole de Saint-Emilion, só podendo ascender um degrau de cada vez, a cada 10 anos até o topo. Na próxima falaremos sobre a classificação completa dos vinhos de Saint-Émilion atualizada em 2012.
Visita ao Château La Dominique em Saint-Émilion
Fundado no século XVIII, o Château La Dominique é uma das propriedades mais charmosas da região. Recebeu o status de Grand Cru Classé já na primeira classificação de Saint-Emilion e a manteve até hoje. O manejo das vinhas é sustentável e 25% dos vinhedos estão assentados em solo marrom de argila, com 75% de areias antigas de sub-argila. Dentre as castas cultivadas 81% da propriedade é de Merlot, seguida de 16% de Cabernet Franc e apenas 3% de Cabernet Sauvignon, com plantas em idade média de 31 anos, e densidade de 7 a 9 mil plantas/hectare.
As uvas são colhidas manualmente e a vinificação acontece em tanques de aço inox cônico, com maturação do vinho em barricas de carvalho francês 70% a 80% novas. O rendimento médio é de 40 hl/hectare, com produção média de 90.000 garrafas por ano. O La Dominique conta com um incrível restaurante: “La Terrasse Rouge”, na cobertura, inaugurado em 2014, por onde já passaram mais de 10.000 comensais, e de uma piscina de pedrinhas rubys a céu aberto de onde se avista o imponente Château Cheval Blanc, estrela maior de Saint-Émilion.
O grupo conta com mais 2 outros Châteaux, o Fayat em Pomerol e o belíssimo Clement-Pichon em Haut-Médoc. Minha visita aconteceu no dia 14/10/2016 às 14:30 horas, ocasião em que almocei no La Terrasse Rouge com o vinho Clement-Pichon, e degustei dois vinhos do Château: La Dominique 2012 e Fayat 2013. O primeiro um vinho surpreendente, intenso, complexo, desafiador.