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Buscando a cidade submersa

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Ramon Ribeiro
Repórter

Para além do concreto, do asfalto, dos lugares que de fato existem, há uma cidade sentimental e poética bem mais rica de histórias e que qualquer morador pode encontrar se procurar. A Natal que o escritor e pesquisador potiguar Gustavo Sobral enxerga em suas caminhadas é esta. “Eu não ando pelos caminhos da nostalgia, ou por lugares reais, ando por uma cidade submersa”, conta o próprio em entrevista à TRIBUNA DO NORTE.  Nascido no Tirol, Gustavo cresceu captando as sutilezas da área no movimento tanto das pessoas nas ruas, quanto do vento na copa das árvores. Frequentador do bairro irmão, Petrópolis, o escritor encontrou nas linhas modernas da arquitetura urbana do lugar detalhes tão interessantes quando os ouvido nas conversas de bar. O topônimo, por sinal, ganhou um retrato literário pelas mãos de Gustavo no seu livro “Petrópolis: um guia prático, histórico e saboroso do bairro”.

Meu avós moravam aqui, cresci entre Petrópolis e Tirol, estudei no Henrique Castriciano. Minha memória afetiva já tinha muita informação, disse Gustavo Sobral
A Natal que o escritor e pesquisador potiguar Gustavo Sobral enxerga em seu olhar está além do real e do nostálgico. Nascido no Tirol e frequentador de Petrópolis, ele prefere usar a imaginação para descrever com tons literários os lugares de afeto e memória familiar 
Um retrato literário também foi feito sobre Natal como um todo em seu mais novo livro “A história da cidade do Natal (1599-1899)”. A obra já está concluída e a luta agora é para publicá-la. “É uma outra forma de contar a cidade. Traz personagens que não são muito lembrados, como Isabel Gondim, Segundo Wanderley e os irmãos Castriciano de Souza, Eloy, Henrique e Auta”, diz o escritor. “É a recuperação de um passado muito esquecido em razão do furor da Belle Epóque”.
É sobre essa cidade submersa, vista com o olhar de cronistas, que Gustavo conversa nesta entrevista. O foco está nos bairros irmãos – Tirol e Petrópolis –, surgidos em 1901, sobre a alcunha de Cidade Nova, e na Cidade Alta, onde ele tem dedicado suas manhãs enquanto diretor da Biblioteca, Arquivo e Museu do Instituto Histórico e Geográfico do RN (IHGRN).

Como começa sua relação com Tirol e Petrópolis?
Falar de Tirol e consequentemente de Petrópolis é falar da vida. Posso dizer que tudo começa muito antes, quando meu avô Paulo Sobral, médico, se instala em Tirol com a esposa e filhos pequenos e casa alugada e depois começa pouco a pouco a construir uma residência modernista, das primeiras na cidade, bem na rua Mossoró, que é a divisa entre os dois bairros irmãos. Assim, começa a história da família e a minha, a de quem mora em Tirol, mas vive em Petrópolis.

Tirol e Petrópolis são realmente bairros irmãos?
Tirol e Petrópolis nasceram do plano para a Cidade Nova. Já era o período da República, em 1901. A área foi planejada por arquiteto-urbanista, o que se chama de traçado xadrez, dividindo avenidas e ruas. As avenidas, homenageando os presidentes brasileiros: Deodoro, Rodrigues Alves, Campos Sales, Afonso Pena; as ruas, os rio do Estado: Seridó, Potengi, Jundiaí… por ai vai.  E os dois bairros são, assim, iguais e diferentes em tudo. E como tudo no tempo, passaram por tudo. Como diz Cascudo: Natal é uma cidade sempre nova. Então, você passa por uma rua hoje e amanhã ela não é mais a mesma. Como tudo na vida, a cidade, os dois bairros, tudo é transitório.

A arquitetura desses dois bairros é um dos seus diferenciais?
Tudo numa cidade é importante. Em Natal, consagradas são as esquinas e os jornais, porque dizia o adágio antigo: Natal, em cada esquina um poeta, em cada rua um jornal. E como tudo é importante, é preciso parar para ver passar. Então são (importantes) as senhoras a caminho do mercado, o pessoal que corre, gente que passeia com o cachorro na calçada, a gente que entra e sai do comércio, dos bares, dos restaurantes e, agora, das farmácias. Petrópolis e Tirol como Copacabana e o mundo estão povoados de farmácias. A arquitetura é uma expressão da cidade e nestes dois bairros se verá a sobra da arquitetura moderna, que aqui nasceu nestes dois bairros, e os primeiros edifícios dali, muitos deles obra de Carlos Ribeiro Dantas.

Você poderia lembrar de alguns moradores ilustres do Tirol e Petrópolis?
Posso falar dos cajueiros que encantavam os poetas do passado, do bonde que passava por ali? Ilustres foram e são aqueles que tem olhos para ver a vida da cidade. O conselho é do livro dos conselhos. Saramago: Se olha vê, se vê, repara. E Cascudo, Manoel Dantas, tanta gente morou por estas bandas…

No teu livro você aborda a cidade num período até 1899. Nessa época Petrópolis e Tirol ainda não haviam sido criados. Como era essa área em tempos tão remotos?
Havia o Perigo Eminente, Natal poderia ser coberta pela Dunas! Manoel Dantas contou esta história nos seus artigos de fundo para o jornal a República e em sua conferência de 1909, “Natal daqui há 50 anos”.

Você é estudioso dos cronistas da nossa cidade. Como eles falavam de Natal?
O cronista é a alma da cidade. Ele canta a cidade, como o poeta canta as suas musas, seus heróis, seus sonhos, devaneios. A matéria da crônica não é outra: é a vida. E a vida cotidiana. Vinicius de Moraes: outros que andem passo por passo, ando onde há espaço, meu tempo é quando. O tempo do cronista é o presente e a cidade é o cotidiano. Quer conhecer uma cidade? Leia os seus cronistas. No meu site www.gustavosobral.com.br, seção livros, está lá uma forma de conhecer Natal, o livro, em pdf (para baixar gratuitamente), organizado por mim e pelo editor Helton Rubiano com cinco cronistas da cidade: Berilo Wanderley, Newton Navarro, Augusto Severo Neto, Sanderson Negreiros e Vicente Serejo. Leiam para descobrir (e se encantar!) com a cidade. Natal dos anos 1950 até hoje está ali…

Você poderia falar um pouco sobre seu novo livro “A história da cidade do Natal (1599-1899)”?
Como diz Cascudo: Natal já nasce cidade. Não foi povoado, não foi vila. Já nasceu para ser o que era. Imaginar que ao sair do edifício anexo do Instituto Histórico para ir à sede (no outro lado da rua), cruzo a rua da Conceição, e ali, no século XVII, os holandeses desceram para tomar a Fortaleza e depois a cidade, é andar pelo tempo. Ai, chego no edifício sede, escuto o sino da matriz contar o tempo, vejo o Potengi lá longe, que Navarro pintou e onde os franceses descansavam as suas embarcações, muito antes dos portugueses tomarem conta disto aqui. E isto é andar pelo tempo. Quando retorno para casa, subo pelo rua Mossoró. Se tomei o caminho pela prefeitura da cidade, já estou no século XX, porque aquele prédio ali é de 1922, ai vou andando e os séculos vão passando. Ganhar o espaço é também viajar no tempo.

Para você, que também é um observador da arquitetura da cidade, Natal está muito transformada?
A melhor resposta é um verso do poeta Diógenes da Cunha Lima sobre a Ribeira. Ele precisa me perdoar, que fiquei com o verso, e uso quando falo de Natal, a torto e a direito, não há outro melhor, seja em Natal, na Ribeira, em Petrópolis, Tirol: só o que passa, permanece.

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