Washington (AE-AP) – A avalanche democrata que varreu os EUA nas eleições de meio de mandato da terça-feira causou ontem a primeira vítima no gabinete do presidente George W. Bush. Pressionado pelo generalizado descontentamento dos americanos com a condução da guerra no Iraque, o secretário de Defesa e um dos principais estrategistas do conflito, Donald Rumsfeld, renunciou – e teve a demissão confirmada pouco depois, num pronunciamento de Bush. Para substituí-lo, o presidente designou Robert Gates, que dirigiu a Agência Central de Inteligência (CIA) entre 1991 e 1993, durante a administração de George Bush pai.
Pela primeira vez desde 1994, os democratas retomaram a maioria da Câmara dos Representantes, conquistando até ontem à noite 229 cadeiras, enquanto os republicanos obtinham 196. Dez cadeiras ainda estavam indefinidas. Faltava ainda a confirmação do resultado da eleição para senador na Virgínia – algo que pode levar semanas – para que eles consolidassem também o controle do Senado.
A renúncia de Rumsfeld foi informada cerca de 10 minutos depois de as autoridades de Montana confirmarem a vitória do candidato da oposição na acirrada disputa local para o Senado no Estado. Após a eleição para governador em 36 Estados, os democratas passaram a controlar 28 dos 50 governos estaduais – o que normalmente representa uma significativa vantagem em corridas presidenciais.
Seis Estados mudaram de mãos, incluindo Ohio, cuja atuação do governador republicano J. Kenneth Blackwell (derrotado na tentativa de reeleição) foi fundamental para a eleição de Bush em 2004. O presidente telefonou para a futura presidente da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi, de San Francisco – que imediatamente após a vitória nas urnas já indicava que exigiria mudanças na condução da guerra no Iraque e insistiria na necessidade da saída de Rumsfeld do Pentágono.
“O povo americano pede mudanças e a adoção de um novo rumo. Uma boa forma de começar é mudar a liderança civil do Departamento de Defesa”, disse Nancy logo depois de os democratas conquistarem a 218ª cadeira, que garantiu a maioria do partido na Câmara. “Estou obviamente decepcionado com o resultado das eleições e, como líder do Partido Republicano, assumo grande parte da responsabilidade (pela derrota)”, declarou Bush, visivelmente contrariado, no pronunciamento que fez na Casa Branca.
“A mensagem dos americanos foi clara e considerou que nossa política para o Iraque não funcionou suficientemente bem nem de forma suficientemente rápida”, acrescentou, ressaltando que isso não significa que os EUA se retirarão do país ou permitirão que ele “se transforme num refúgio para terroristas”. Bush destacou, no entanto, que “outros fatores intervieram” no mau resultado para os republicanos.”
Opositores da guerra aplaudem mudança
Madri (AE-AP) – A mudança sísmica que as eleições de meio de mandato trouxeram para o cenário político de Washington foi saudada por muitos num mundo profundamente oposto à guerra de Bush no Iraque, e ultrajado com os duros métodos empregados por sua administração no combate ao terrorismo. De Paris ao Paquistão, analistas e cidadãos comuns disseram esperar que a tomada do controle pelos democratas de pelo menos uma das casas do Congresso americano irá forçar o presidente George W. Bush a adotar um tom mais conciliatório nas crises globais, e dar uma lição de humildade a um mandatário que muitos vêem como um “caubói”.
Num comunicado conjunto, mais de 200 integrantes socialistas do Parlamento Europeu saudaram os resultados das eleições americanas como “o começo do fim de seis anos de pesadelo para o mundo” e consideraram que elas deixaram a administração Bush “seriamente enfraquecida”.
Em Paris, expatriados ao lado de cidadãos franceses se concentraram em espaços dominados pelos americanos para acompanhar a contagem dos votos, apupando ou aplaudindo de acordo com os resultados. Um francês, o professor Jean-Pierre Charpemtrat, 53 anos, disse que já era tempo de os eleitores americanos perceberem o que a maior parte do mundo já percebeu. “Os americanos estão descobrindo que você não pode basear a política externa de um país em paixão e reflexos patrióticos”, disse.
“Você não pode enganar a todos todo o tempo – e acho que é isso que Bush e sua administração estão aprendendo hoje”. Bush é profundamente impopular na maioria dos países em todo o mundo, particularmente por sua guerra contra o Iraque”, lembrou Charpemtrat.
EUA elegem deputado muçulmano
Minneapolis (AE-AP) – Keith Ellison, um deputado estadual e advogado de Minneapolis, se transformou no primeiro muçulmano eleito ao Congresso dos Estados Unidos. Durante a campanha, Ellison, de 43 anos, falou pouco sobre sua religião, preferindo direcionar seu discurso a assuntos mais terrenos, como a retirada das tropas americanas do Iraque e mudanças no sistema de saúde. Inclusive, o candidato rompeu com os muçulmanos conservadores ao apoiar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Ellison, que também se transformou no primeiro candidato não branco eleito ao Congresso pelo Estado de Minnesota, cuja capital é Minneapolis, disse após a vitória que sua campanha uniu os trabalhadores, as minorias e ativista da paz. "Conseguimos também unir muçulmanos, cristãos, judeus e budistas", disse ele. "Juntamos todo mundo".
A eleitora Hayat Hassan, uma mãe solteira muçulmana de 30 anos, disse que votou em Ellison devido a seu discurso em relação à saúde e à educação. "Eu nem sabia que ele era muçulmano", afirmou ela. Mahdi Bray, diretor-executivo da Sociedade Muçulmana Americana, comparou a vitória de Ellison à eleição de Edward Brooke em 1966 como o primeiro senador negro dos Estados Unidos.
Nas eleições desta semana, a comunidade hispânica teve um peso importante. Pesquisas de boca-de-urna mostraram que cerca de 75% dos eleitores hispânicos haviam votado em candidatos democratas em todos os níveis: local, estadual e federal. A tendência contrasta com o apoio dado aos Republicano nas duas últimas eleições.