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Caco Barcelos: “Sou um repórter das injustiças sociais”

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TRABALHO - Repórter carrega nas veias a vontade de lutar contra a violência e as injustiças

A responsabilidade por combater a violência está muito mais com os empresários do que com os gestores públicos. Mas esses últimos não estão isentos da responsabilidade, já que cabe a eles oferecer segurança não apenas onde estão os mais favorecidos, mas, principalmente, onde está a grande população. “Acho que é quase covardia atribuir (a questão da violência) culpa a polícia ou governante. A sociedade é mais responsável do que os governantes”, destaca o jornalista.

A análise é do jornalista Caco Barcelos, que ficou conhecido nacionalmente pelas reportagens investigativas sobre violência. Ele evita o rótulo de “repórter policial”. “Sou um repórter das injustiças sociais”, observa Caco, acrescentando que da injustiça social o grande problema está na violência.

O convidado do 3 por 4 de hoje é um jornalista simples, um cidadão que se mostra indignado com a violência, um homem que, mesmo com todo cenário, ainda acredita numa mudança de mentalidade da sociedade.

A entrevista de hoje soa como uma análise da situação da violência no Brasil, mas não são afirmações de teóricos, são declarações de quem vai in loco retratar as injustiças sociais.

Com a experiência de quem conhece de perto os problemas da violência, Caco Barcelos alerta que entre um empresário que gera emprego e um traficante de droga, a culpa está muito mais com o empresário.

De onde vem a identificação com casos de polícia?
Comecei em 1973, durante o regime militar. Lembro que ali já perdi alguns amigos, que eram mais velhos, na época eu tinha 21 anos e era estudante de Engenharia. Eu ficava impressionado com a violência do regime militar e acreditava que fosse apenas coisa daquele regime. O sistema adotado pela polícia militar ainda como força auxiliar do Exército para matar os desertores do regime, que na época eram pessoas da fina flor da sociedade, como estudantes, profissionais liberais, pessoas de vários segmentos, porém não eram pobres, mas formadores de opinião. A Polícia Militar que atuava era auxiliar. Acabou o regime militar e o que eles faziam no outro regime começaram a fazer com os criminosos comuns. Era a mesma coisa. Na verdade era um sistema antigo.

Então seria uma experiência vivida por você que o levou a enveredar por retratar a violência?
Experiência própria, mas também já naquele tempo a violência estava fora de controle para quem era pobre. Por dever de ofício você deve ter preocupação com a maioria e não a minoria. O crime de morte está fora de controle no Brasil desde os anos 70 para quem é pobre. Acho que era obrigação mesmo. Tenho que contar história da maioria e não da minoria.

Você se surpreende com o ponto onde a violência chegou hoje?

Não. Eu me surpreendo é com ela (a violência) ter atingido também os mais endinheirados. Por isso provoca tanta reação da imprensa, dos intelectuais, dos diversos segmentos e fazem protesto. As mesmas pessoas que hoje se preocupam,  pouco fazem para alterar o quadro que gera a violência, que é um quadro de natureza social. Não me considero um repórter policial, sou um repórter das injustiças sociais. Nunca me libertei disso, sou refém dessa pauta porque a injustiça social no Brasil só tem se agravado.

Mas a injustiça social no Brasil não se restringe a violência.
Lógico que não. A violência é a ponta, é onde as coisas estouram. É um problema extremamente complexo. Você pode discutir a violência pela religiosidade ou pela falta dela, pode discutir pela via da desestrutura da família. A família eu acho fundamental, a religião. Tem o problema do alcoolismo. O problema do álcool é muito mais importante do que a questão das drogas, provoca muito mais violência. Mas se fosse colocar em hierarquia para mim é a questão do salário. A falta da ocupação entre os jovens é a segunda coisa é o valor que se paga pelo trabalho de quem é trabalhador de baixa renda.

Perguntei há pouco se você se surpreendia com o ponto onde a violência chegou, e olhando para o futuro: qual a perspectiva da violência para os próximos anos?
Considero muito mais culpada pela violência a classe dirigente, pessoas que oferecem emprego, do que o traficante do morro. Você tem que culpar alguém, eu culpo os que detêm a grande concentração de riqueza nacional. Enquanto esses não decidirem abrir um pouco a sua voracidade pelo capital, pela concentração de renda, nada irá se alterar. Está nas mãos de quem tem o poder de ao invés de usar o dinheiro para se auto proteger, blindar o seu carro, colocar uma casa blindada, contratar polícias privadas, gastar uma fortuna. Eles poderiam gastar menos e distribuir renda e teriam mais segurança com certeza. Acho que não adianta blindar o carro, cercar a casa, o crime hoje se usa a pistola, amanhã vai usar fuzil, depois bazuca, metralhadora, carro blindado.

Seria sonhar demais com essa mudança de mentalidade do empresariado?
Acho que não. É concreto. A coisa muito simples, passa por uma decisão de cada um. É uma decisão essencialmente política. O interessante é que quando você pega o índice do Banco Mundial que aponta quais os países mais justos economicamente o Brasil sempre é segundo, primeiro ou terceiro lugar, onde a renda é pior distribuída. E nessa estatística também tem Colômbia, Haiti, África do Sul. Acho que dá para fazer ciência com eles, coincidentemente são os países mais violentos. Falo do crime de morte, crime contra o patrimônio é outra coisa. Crime de morte atinge o principal valor de todo mundo, que é o direito a viver, mas é um termômetro porque avalia o grau de harmonia ou desarmonia de uma sociedade.   O crime de morte é coisa de sociedade desarmônica, injusta. Tanto é verdade que os assaltantes são os menos violentos, deveriam ser os que menos matam.

Você falou da responsabilidade do empresariado em mudar de mentalidade, mas onde fica a responsabilidade dos gestores públicos?
É menor. A gente tem a tendência de culpar o Governo por tudo. Isso é secundário. Lembro de determinadas épocas de campanha política contra determinado governador, culpando pela questão da violência ou a falta de segurança. Acho que é quase covardia atribuir culpa a polícia ou governante. A sociedade é mais responsável do que o governante. O governante está ali, tem que cumprir regras que a sociedade o elegeu para isso. Quem fatura com o crime não é o governante, é aquele que é perverso nas suas relações trabalhistas, a indústria do álcool fatura muito e na outra ponta gera violência. Por que atribuir culpa ao traficante que vende cocaína e não ao fabricante que vende cachaça? Por que atribuir culpa a quem vende maconha e não ao fabricante que vende álcool com dosagens mais pesadas? Todo mundo sabe que o álcool gera distúrbios de comportamento, atinge sistema nervoso central. Aquele homem que é generoso, é bom para família, mas quando bebe fica violento, provoca violência doméstica, atinge a mulher, os filhos. É curioso que o último trabalho que fiz no morro, quase todos, se queixavam de espancamento durante a infância com o pai alcoólatra e mãe alcoólatra. Isso é um componente importante que precisa ser analisado. O alcoolismo e a relação com a violência no trânsito e com a saúde das pessoas, isso precisa ser visto.

Embora não atribua a grande responsabilidade aos gestores públicos, mas você está satisfeito com as políticas públicas de segurança?
Não. A violência eu achava que era coisa da ditadura, vieram os governos democráticos e todos sempre puseram a segurança pública nas mãos dos coronéis de sempre e com a mentalidade de ser rigoroso com a defesa dos interesses daqueles que tem dinheiro. E eles são extremamente omissos e brutais com os não privilegiados, as pessoas que vivem nas áreas mais pobres da cidade. A ferramenta pública da segurança é distribuída de forma totalmente incoerente com a realidade do crime.  Em qualquer cidade brasileira você tem viatura, ônibus, onde moram os bacanas, onde estão as grandes empresas e em prejuízo da segurança dos mais pobres.

No livro Abusado você trouxe a história de Marcinho VP. O que lhe levou a retratar esse traficante?
Ele é o líder da terceira geração do Comando Vermelho. E eu queria contar a história do Comando Vermelho por meio da terceira geração, que controlou o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Eu não estava preocupado em traçar um perfil, queria contar a história do morro mesmo, do tráfico. Ele foi importante para mim porque abriu o morro para me mostrar uma boca por dentro. Eu queria essa oportunidade e perseguia essa oportunidade há muito tempo. Ele (Marcinho) foi que teve coragem de abrir as portas e me falar.

Você fez amigos no trabalho de repórter das injustiças sociais com o foco na violência?
Faço amigos por onde passo, sempre, mas não diferente do que quando estou fazendo matéria no Palácio do Planalto. Eu os respeito da mesma maneira. O pior traficante como o melhor ou pior presidente, o tratamento é o mesmo. Somos profissionais, estamos aí para fazer a apuração e tratar dessa maneira.

Onde está o medo nesse seu trabalho?
Existe permanentemente. E costumo ter mais medo quando minha reportagem atinge interesses de pessoas poderosas do que de favelados que não tem tanto poder. Pessoas poderosas, ricas, quando envolvidos em episódios, são eles que são mais violentas e nunca acionam o gatilho. Elas contratam quem aciona (o gatilho) para eles.

E o episódio do apresentador Luciano Huck que escreveu um artigo expressando indignação por pagar imposto e não ter segurança (o artigo foi provocado porque o Rolex de Luciano Huck foi roubado)?
Ele tem direito, ele paga imposto, quer ter o Rolex dele, assim como as pessoas que tem trabalho deveriam ter o direito de terem casas bacanas, educação de primeira linha, proteína de primeira linha. A maioria da população não tem o direito as coisas essenciais, nem tão luxuosas como um Rolex. Ele tem razão do protesto dele, não tiro a razão, todo mundo tem direito a segurança.

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