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Caixas

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Dácio Galvão
Está salpicando nas redes sociais e até rolou matéria no Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão a resistência e o questionamento contra a censura que a Caixa Econômica Federal vem fazendo nos projetos culturais por ela própria selecionada através de edital público. Na verdade, a CEF vem proibindo a continuidade de projetos que já estão em curso. É o caso de Abrazo espetáculo encenado pelo grupo de Teatro Clowns de Shakespeare, de Natal, inspirado na narrativa do texto contido na obra “O Livro dos Abraços” do escritor uruguaio Eduardo Galeano. Ele é o autor do clássico “As Veias Abertas da América Latina” bradado nos versos cantados da canção “Sulamericano” gostosamente vocalizados por Russo Passapusso, a voz do BaianaSystem. : “…Contra-atacar, contra-atacar / Eu vou traçando vários planos / Nas Veias Abertas da América Latina / Tem fogo cruzado queimando nas esquinas / Um golpe de estado ao som da carabina, um fuzil / Se a justiça é cega, a gente pega… / Justiça é cega (contra-atacar)… Pois é . E aí o diretor do grupo Clowns, Fernando Yamamoto, sem perda de tempo com blá-blá-blá se articulou e a instância judicial busca justificativa para então verificar se há danos e reparos vinculados a suspenção do patrocínio concedidos através da instituição financeira. Inclui também a oficina “O Ator em Composição” do ator Dudu Galvão, artista da Cia. Fato é que o Ministério Público Federal de Pernambuco ajuizou ação civil pública buscando esclarecimento pela quebra de contrato da parte da Caixa Cultural. Daí para frente é lutar contra o dragão da burocracia porque justificativa não há.

A censura velada composta na pauta ideológica do atual governo é o tom. Esse papo furado de censura é próprio de governos autoritários de direita e de esquerda. Manifestações artísticas incomodam por trazerem a inerência do vírus libertário. Somando a saudabilidade democrática para tudo, todos e todas. O aparelhamento ideológico é por demais conhecido na história e seus resultados têm sido náufragos de mares tormentosos. Melhor, malogrados. Foi assim na revolução socialista russa stalinista onde nunca coube as transgressões formais dos artistas cubofuturistas. Nos sucessivos fechamentos das Escolas Bauhaus aonde a fúria nazista não assimilou sua essencial proposta para a funcionalidade artística transformadora. Durante o fascismo de Benito Mussolini, tolhida a liberdade de expressão, a arte a reboque de ações propagandistas de governo a investida do emblemático filme capital “Ossessione” do cineasta Luchino Visconti foi a grande alavanca insurgente no rompimento da camisa de força estatal. No pindorama o modernismo de Oswald de Andrade venceu a mordaça e está vivíssimo a véspera completar cem anos. Sem contenção, se repetiu com os movimentos culturais dos anos pré golpe militar: Concreto, do Grupo Frente, Cinema Novo, Tropicalista, Violão de Rua, a Contracultura. Seus principais atores continuam novamente na frente empunhando punhos cerrados de vigor.

Ou seja, a redutora pauta moral e comportamental com ranço ideológico para qualquer lado já foi experimentada nas diversas tentativas de manipulação e não traz nenhuma expectativa de sucesso. O protagonismo, sabemos, é político. Porém a sabedoria artística permeia o homem desde a mais e mais primitivo padrão de organização social. Inscrições rupestres falam por si bem como a poesia fonética de Kurt Schwitters. Mesmo na complexidade organizacional da não tão nova configuração da atual ordem mundial contemporânea, a geopolítica se redesenhando a cada trinta, quarenta anos o fazer artístico é presente e coadjuvante imprescindível nos processos de descompressão. Sejam eles de natureza reacionária ou revolucionária. O que se identifica afinal é sua capacidade de superar o cartesiano manejo e pular para a escala que transcende o caminho mecânico e estreito da polaridade.

A coleta de depoimentos feita por Carlos Alberto M. Pereira Heloisa Buarque de Hollanda sobre o patrulhamento ideológico nos anos de mil novecentos e oitenta encerrou esse assunto no Brasil pós ditadura!!! Mas a circularidade histórica infelizmente parece não servir de lição. Quando vem à tona em retorno impróprio torna o mundo mais chato, passadista, intolerante, hipócrita… Mas infelizmente é real. Fico pensando com meus botões o eu passa pela cabeça do cineasta Cacá Diegues assistindo a película de 36mm sendo rebobinada no reverso. Ele que cunhou há 40 anos o termo “patrulhas ideológicas” e contra elas mesmas se insurgiu instaurando no país um amplo e definitivo debate sobre o tema. Este é um papo mais que retrô.

O controle da produção cultural é carta fora do baralho. Não funcionou no passado nem vai funcionar no presente. É atraso para pretos, brancos, índios, sararás, crilouros, guaranisseis, judárabes, orientupis, ameriquítalos, luso-nipos, iberibárbaros, indo ciganagôs… Perdemos todos. As leis de incentivos fiscais na mira restritiva do crivo alienante, mesmo admitindo-se ressalvas de incongruências, distorções comuns e passíveis de ajustes em mecanismos que envolvem renúncia em âmbito municipal, estadual e federal resulta em extraordinário movimento financeiro impactando várias cadeias produtivas, como a do Turismo e naturalmente o Produto Interno Bruto – PIB. Para além de estatísticas frias advém de lambuja o capital humano, a cidadania, a autoestima, o bem-estar a sedimentação da diversidade imaterial. Portanto, esse exercício equivocado do desmonte de mecanismos de financiamento da cultura nacional vai findar em nada. Retrocesso fastioso e sem futuro algum.

Vamos aguardar o posicionamento da empresa pública ao MPF que supõe prática de censura vedada pela Constituição Federal. Provavelmente já prontinha guardada na caixa preta da Caixa.

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