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Caminho das águas do Velho Chico

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TRANSPOSIÇÃO - Sítio Cavas, na BR-405, é hoje o retrato do abandono, mas esse cenário deve mudar em breve

Quem chega ao município de Major Sales, vindo da Paraíba, pode nem perceber a ampla área verde, à esquerda da BR-405, onde somente uma grande casa, abandonada, se destaca na paisagem. É o sítio Cavas. Pois bem, a imagem de abandono desse cenário promete mudar no futuro. Daqui a oito anos, se as previsões do Governo Federal se concretizarem, é por ali que as águas da transposição do rio São Francisco vão entrar em território potiguar, depois de percorrerem 400 km pelos estados de Pernambuco, Ceará e Paraíba, prometendo minimizar o problema da seca no semi-árido.

Nesse trajeto, do Eixo Norte da transposição, essas águas não vão encontrar apenas canais, barragens e adutoras, vão se deparar também com histórias de quem acredita ou duvida, mas sobretudo tem esperança de um dia contar com água boa para beber e plantar, em qualquer período do ano. A reportagem da TRIBUNA DO NORTE percorreu municípios dos quatro estados beneficiados e conheceu um pouco da realidade de quem aguarda, um dia, que sua cidade faça parte da “bacia do São Francisco”, mesmo a centenas de quilômetros de seu leito.

Posto Diamantino será um canteiro de obras

É difícil chegar ao Posto Diamantino, em Major Sales. A estrada é ruim e nem todo veículo é capaz de superar as subidas e descidas cheias de pedras e barro que levam à pequena área ocupada por uns poucos imóveis. No local, que tem esse nome por ter sediado um posto do Ministério da Agricultura tempos atrás, se encontram apenas três famílias, pouco mais de uma dúzia de pessoas e a tranqüilidade que sonha quem pensa em “morar no interior”. Mas essa realidade promete mudar.

Com a chegada da transposição ao Rio Grande do Norte, o Posto Diamantino vai se transformar no canteiro de obras do projeto em solo potiguar. “Já ouvi falar disso, mas acho que ainda vai custar muito a dar certo e, olha, vai ser difícil chegar aqui. Mas nada a Deus é impossível”, pondera a aposentada Raimunda Maria da Conceição, de 73 anos. Já para Francisco Neto Sobrinho, 37, “a chegada das águas do São Francisco vai ser uma benção” para uma terra tão seca e que convive permanentemente com os períodos de estiagem.

O município todo de Major Sales, no Alto Oeste potiguar, tem uma grande expectativa quanto à vinda das águas da transposição. Hoje, famílias como as de Dona Raimunda e Francisco Sobrinho dependem da água das cisternas e do açude Gessem, que este ano encheu, mas nem sempre é capaz de atender a todos os 3 mil moradores. “O açude foi ampliado e este ano já sangrou, mas aqui o uso das águas tem que ter um limite porque podem ocorrer invernos ruins. Com a transposição vai facilitar nossa vida”, afirma a prefeita, Maria Elce Paiva.

Os canais da transposição vão “passar reto” pelo município, sem despejar seu conteúdo em nenhum reservatório da cidade, porém uma das metas do Governo Federal, através do Departamento Nacional de Obras contra a Seca (Dnocs), é possibilitar o abastecimento das pequenas comunidades em uma faixa de 10 km à direita e à esquerda da rota principal, disponibilizando reservas potáveis e também para a agricultura de pequeno porte. “Isso vai nos ajudar demais”, comemora Elce.

De Eng. Ávidos para o rio Piranhas

Socorro se diz analfabeta, mas tem uma dúvida: “Se eu escrevesse para Lula, será que tinha jeito?” Socorro, cujo nome de batismo é Francisca Maria Baltazar, tem 57 anos e mora na comunidade de Engenheiro Ávidos, ao lado do reservatório de mesmo nome. É a partir desse açude do município de Cajazeiras, na Paraíba, com capacidade para 255 milhões de metros cúbicos, que a transposição irá despejar suas águas no rio Piranhas-Açu, que corta o Rio Grande do Norte de Sul a Norte.

A dúvida de Socorro (“apelido que me deram”) resume uma situação dramática da gestão de águas no Nordeste brasileiro.  O “jeito” que ela quer dar é na conta de água que paga. Mesmo morando a menos de 100 metros da parede do açude, ela gasta muito com o abastecimento de sua residência. “Lavo roupa no rio, mas não lavo um lenço em casa”, confirma a lavadeira. Ela nunca esteve no território potiguar, mas se diz encantada com o Estado banhado pelo rio de onde tira seu sustento. “Vi o Rio Grande do Norte pela TV, no programa do marido da Angélica. Eita, coisa linda!”

Moradores de Salgueiro vivem na expectativa

Moradora da mesma comunidade, Aldenir Abreu, 39 anos, funcionária pública, desconfia das promessas da transposição. “Acredito não. Vai e volta e essas águas nunca chegam. É como o asfalto daqui, que prometeram 340 vezes e nunca fizeram”, compara. Este ano, diz ela, o açude “pegou” muito pouca água, mas em 2006 “só não sangrou porque não deixaram.” Aldenir diz que a grande importância da transposição para a região é garantir a subsistência dos muitos que vivem da pesca.

“Seria uma coisa boa, traria muito rendimento. Meu marido é pescador profissional e também iria ganhar. Hoje, ainda dá peixe, mas antigamente é que era fartura”, lembra a funcionária pública. Com a melhoria da pesca e o aumento da reserva de água para a irrigação, o grande beneficiado deve ser mesmo o Rio Grande do Norte, pois hoje a escassez desse recurso é motivo de “disputa” entre potiguares e paraibanos. Com o aumento da oferta, a tendência é que a demanda se torne menos acirrada e os conflitos diminuam.

Pescador acredita no “Velho Chico”

O pescador Francisco Antônio Lisboa, de 44 anos, é um especialista em transposição. Sim, porque ele já viveu do São Francisco, quando passou alguns anos no estado da Bahia, na década de 80, e agora quer voltar a contar com as águas do “Velho Chico”, já que mora em Pau dos Ferros, onde fica o primeiro grande reservatório potiguar beneficiado pela obra, o açude Pau dos Ferros. “Tem gente que tem medo de apostar. Eu não. Só vou pra pesca com rede de malha para pegar peixe graúdo. Sobre a transposição, também tem quem proteste, mas estou certo: uma hora vai”, acredita Lisboa.

Vivendo às margens do açude, ele entende que com a transposição a água vai poder ser liberada com maior freqüência para o rio Apodi, sem o risco do reservatório secar. “É bom para todo mundo, pelo menos assim ninguém mais morria de sede”, acrescenta, lembrando ainda: “Não existe esse perigo do São Francisco secar com essa obra. O rio é grande demais. Pesquei lá e sei que isso não é possível.”

Atualmente, as águas do açude de Pau dos Ferros só são liberadas para o leito do Apodi quando há abundância. Com a transposição, a perspectiva é que isso seja feito de forma regular, permitindo que o manancial se torne perene, sem risco de desabastecimento para pescadores e outros moradores das proximidades do reservatório, mesmo no trecho anterior à barragem de Santa Cruz, no município de Apodi.

Hoje, ao passar pelo centro de Pau dos Ferros, o Apodi é um rio morto. Em seu leito, dezenas de carcaças de gado se amontoam jogadas ao ar livre, exalando um fedor contínuo e servindo de labirinto para cágados que sobrevivem à poluição dos esgotos, enquanto apenas três filetes de água fazem lembrar que ali está um dos principais mananciais do Estado. “Constatamos esse problema das carcaças, causada pela ação de marchantes, mas a Secretaria de Agricultura já resolveu e se alguém voltar a fazer isso, vai ser multado”, garante o secretário municipal de Urbanismo e Meio Ambiente, Francisco Edilson da Silva.

Normalmente, a água do açude só é liberada para abastecer o trecho do rio quando o reservatório está cheio, porém isso não é muito comum. “Tivemos um ano de inverno fraco. De milho deu para tirar pouca coisa. De feijão foi melhor um pouquinho. Estivemos mais para uma seca verde”, aponta o secretário.

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