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Caos

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Dácio Galvão
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Um dia aí desta semana liguei o telefone e bati um papo com o Filho do Holocausto. Fez relembrar em fluxos e refluxos o seu show no Circo da Cultura armado na Avenida Deodoro da Fonseca em frente ao Diário de Natal. Sim ali mesmo num terreno circunstancialmente sem edificação alguma. Depois num relance o acontecimento do lançamento do seu livro Fragmentos de Sabonete. Também o calhamaço, Kaos, uma primeira edição que tenho guardada com carinho. Remessas para o poeta Agripino de Paula e o performer José Roberto Aguilar. Os livros Deus da Chuva e da Morte, Narciso em Tarde Cinza e Kaos formam a trilogia da Mitologia do Kaos.

O Filho do Holocausto é documentário que narra a trajetória de Jorge Mautner. Se desenrola após sua mãe austríaca católica de origem iugoslava e seu pai judeu austríaco fugirem do nazismo, na Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Quando então chegam ao Rio de Janeiro, no Brasil. Foi roteirizado e dirigido por Pedro Bial.

No bombardeio instantâneo e simultâneo de lembranças o disco de 1974, que trouxe Maracatu Atômico! Música reatualizada na voz de Chico Science. As recentes participações no Festival Literário de Natal – FLIN. E duas músicas que não me deixam calar: “Cinco bombas atômicas / Em cima do meu cérebro / Quando eu era pequeno / Saudades eletrônicas / e mais Cinco bombas atômicas / De manhã muito cedo…”. Infelizmente me projeta os protagonistas do caos nuclear representado nas figuras de Trump e Jong-un. Felizmente tem uma incrível pegada de rock’n roll. A outra bem na linha melódica do repente, da cantoria nordestina feita para voz e violino seu instrumento preferido. Diz assim: “Meu amor se foi embora / E me deixou tão só / Meu amor naquela hora / De mim não teve dó / Foi pra noite / Foi abraçar o seu destino / E eu fui atrás em pensamento / Na onda de som do meu violino”. Parece escrita e dedicada ao eterno parceiro Nelson Jacobina!

Então a conversa amistosa girando em torno da possibilidade de parceria sobre um texto no qual a cidade (Natal) é pluralizada em impressões de escritores e artistas plásticos: Clarice Lispector, Mário de Andrade, Frans Post e Albert Eckhout. Receptividade imediata, mas para minha tristeza um Mautner desenergizado e pausado. Logo ele! Um raio lazer do verbo. De alegria. Esfuziante, generoso, educado, carinhoso. Sempre muito falante do caleidoscópio vivo do caldeirão cultural erudito em que fora forjado. Mais de dez livros publicados, catorze discos lançados, inúmeras palestras, shows. Iria ao médico no dia seguinte e depois… Nos interstícios da interlocução ficava implícito que voltaríamos a conversar e analisar possibilidades.

Fiquei baqueado e triste. Mautner é humanismo saindo pelos poros. Uma faísca de possibilidade para voltar a ligar. Faísca que por enquanto sem nenhum encanto virou blackout. Não retornei. Enviei e-mail como sugeriu. Cumpri apenas o rito. Desejando o mel do melhor, vou ficando sem expectativas. Zerando o jogo. Jorge registrou no Deus da Chuva e da Morte algo melancólico como fora a minha sensação pós-contato. ‘Morreram todos os sóis / E eu a sós fui enterrado.’ Quando do infarto que sofrera e resultaria na colocação de três stents concedera entrevista ao jornal O Globo aonde afirma seu conceito em relação a finitude, a morte: “Tudo é ligado à pulsão de vida e da morte que somos nós, e que é a natureza. Uma estrela bate na outra, explode e nasce mais uma. A morte é o fundamento da vida e está sempre ligada a criação”.

Na verdade há meses Alexandre Maia e mais recentemente Glauber lá de Sampa, ambos agenciadores de shows do artista haviam sinalizado para esta condição debilitada em que me deparei. Mas percebo que não levei muito a sério e portanto não absorvi e fui tragado pela surpresa que não era surpresa. Então prefiro ficar numa construção utópica e irreal apostando num renascer de pulsão de vida ou num brado apocalíptico filosófico existencial bem ao original estilo mautneriano. A bandeira do KAOS? Ele mesmo responde: “Estandarte do Kaos? Marxismo existencial!”.

No cenário nacional e internacional sob o qual estamos emersos o que pode nos restar? O Kaos? Ou o Caos?

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