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Carnaval: 2021, o ano em que a pandemia atravessou o samba

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Tádzio França
Repórter
O único adereço permitido no carnaval de 2021 é a máscara. A pandemia atravessou o samba, o frevo e o axé, e fez com que o enredo carnavalesco desse ano fosse o mais diferente de todos. Sem blocos nas ruas, sem escolas desfilando na avenida, e sem bandas tocando marchinhas, o reinado de Momo virou uma longa Quarta-feira de Cinzas. Quem faz o carnaval de Natal nos bastidores sentiu o fato tanto quanto o folião. Com as fantasias guardadas e o enredo no papel, o jeito é fazer planos para 2022 enquanto assiste a live de carnaval mais próxima na internet. É assim que segue a banda.
Lula Belmont, criador das irreverentes Kengas, afirma que “o jeito foi se aquietar para estar vivo em 2022 e voltar com tudo”
Imagine ter 55 anos de carnaval, ser um carnavalesco renomado, e não poder colocar suas brilhosas criações na avenida. Não é fácil, mas Carlos Alberto de Oliveira, o Di Carlo, tem a ginga de outros carnavais para superar isso. Um dos figurinistas mais atuantes da folia natalense, começou aos 16 anos desenhando para a escola Asa Branca, no Alecrim, depois passou pela Balanço do Morro, Em Cima da Hora, e há 18 anos está na Acadêmicos do Morro, agremiação de Mãe Luiza. “Se fosse um dia normal isso aqui estaria uma bagunça, cheio de gente entrando e saindo por causa de fantasia. Mas agora tá esse silêncio…nem parece fevereiro”, diz ele, na sua casa em Areia Preta.
Mesmo sem desfile na avenida, Di Carlo afirma que não ficou parado. “Para não perder o pique do carnaval, produzi alegorias para expor nas lives que a escola fez. A gente faz o nosso carnaval quietinho”, diz. Aposentado, prestes a fazer 70 anos, ele ressalta que não vive só de carnaval, também aproveita o tempo em casa para criar cenários de festas de 15 anos, casamentos, concursos de beleza, entre outros eventos ao longo do ano que exigem cor e brilho. Mas é claro que o carnaval é o que faz seu coração bater mais forte.
César Filho: essa será a segunda vez que a escola não desfilará
Di Carlo conta que o carnaval sempre foi uma fonte de encantamento para ele, festa que une a fantasia, a magia do frevo e do samba, e a força da cultura popular. “Pra mim, a melhor fase do carnaval de Natal foram os anos 80 e 90. A gente brincava tranqüilo, com segurança, e sem confusão”, diz. Para o ano que vem, ele afirma que o objetivo é fortalecer a recém criada Liga das Escolas de Samba do RN, um grupo que almeja resgatar a identidade das escolas e ampliar sua capacidade de se planejar. Por mais e melhores sambas.
A escola Balanço do Morro é um dos patrimônios culturais do bairro das Rocas, onde foi fundada em 1966 por Mestre Lucarino. A agremiação, que tem 28 títulos de vitórias carnavalescas, lamenta a ausência da passarela. “É muito ruim ficar sem desfilar, porque acaba enfraquecendo um cenário que já é frágil. Nós já tivemos 36 escolas de samba em Natal, e agora só temos 12. E outras mais podem sumir na poeira”, afirma César Filho, atual diretor da Balanço.
 Segundo ele, esta será a segunda vez que a escola não desfilará – a outra foi em 2013, por problemas de dinheiro com a prefeitura.
João Natal, dos Poetas: vamos criar algo para as redes sociais
O diretor conta que a escola chegou a iniciar planos em 2020 para o carnaval deste ano, mas quando a “ficha caiu”, os trabalhos foram suspensos. “Afetou demais nossa equipe. A gente aluga um prédio na Ribeira que é usado como barracão e também para eventos que angariam fundos pra escola. Não pudemos fazer nada esse ano, mas as contas chegam”, afirma. Segundo ele, há 30 pessoas fixas que trabalham para a escola, além de voluntários.  César diz que a expectativa para 2022 é um carnaval com maior apoio financeiro, já que a disposição para fazer será redobrada.
A escola de samba Batuque Ancestral é a caçula talentosa do carnaval natalense. Criada em 2018, numa roda de samba do bairro de Nazaré, ascendeu rapidamente e em 2021 experimentaria seu primeiro ano no grupo especial. “Imagine a tristeza de não poder fazer nossa estreia no grupo A, mas temos consciência que é por uma boa causa. Precisa ser assim”, diz o presidente Carlos Brito.
Sem poder sair na avenida, a Batuque já está com todo o cronograma preparado no papel para o ano que vem. “A gente ainda não sabia que não teria carnaval em 2021, então começamos a fazer muito coisa no ano passado. Iniciamos a confecção de alegorias, e já temos até o tema do samba enredo, que será uma homenagem ao cantor João do Vale, de ‘Carcará’, um poeta do povo”, explica Carlos. Articulada, a escola conseguiu uma quadra na Guarita (Alecrim) para elaborar suas fantasias, e também fez lives sobre Consciência Negra e o samba nas escolas.    
Di Carlo: isso aqui está um silêncio, nem parece fevereiro”
Blocos em casa
Para não virar purpurina, as Kengas saíram de cena e foram das ruas para a internet. O bloco que há 38 anos promove o domingo mais fervido do carnaval natalense não poderá animar a Cidade Alta, mas gravou tudo para exibir na internet, dentro da programação carnavalesca online da prefeitura. “Gravamos um material seguindo o mesmo roteiro do que fazemos na rua, com shows, desfiles, madrinhas, e até a escolha da Kenga do ano, realizada com o envio de vídeos das concorrentes”, explica Lula Belmont, criador do bloco.
O tema de 2021 é “Yes, nós temos vacina!!!”, uma alusão à pandemia, e ao espírito otimista e bem humorado das Kengas. “Confesso que no começo achei que seria só uma onda que ia passar logo e em 2021 estaríamos na rua como sempre. Mas no meio do ano já vi que não iria rolar. O jeito foi se aquietar pra estar vivo em 2022 e voltar com tudo”, diz diretor. Folião “desde que se entende por gente”, Lula afirma que a festa virtual nunca terá a mesma força da presencial, mas foi ótimo fazer para manter a energia em movimento. Ele ressalta que vai aproveitar o tempo disponível para se dedicar mais à produção da revista de 40 anos das Kengas. Vem aí…
 Quando o carnaval de Natal ainda estava dando os primeiros passos de sua revitalização, entrou cena o bloco Poetas, Carecas, Bruxas e Lobisomens.
 Puxado por marchinhas, gente fantasiada e bonecos gigantes, o grupo transformou Ponta Negra num pólo da folia. E lá se vão 17 anos. “Desde o começo a gente envolveu a comunidade do bairro. Fizemos oficina com o pessoal da vila pra criar nossos bonecos. Até o percurso que nós criamos foi oficializado pela prefeitura”, afirma João Natal, carnavalesco do bloco.
O “Poetas” estava recebendo atualmente uma média de 12 mil foliões. João Natal afirma que o bloco deixou o natalense à vontade para brincar por ser de rua, estimular a fantasia, e não ter cordas. Ele ressalta que a pandemia também pegou a turma de surpresa, mas que os planos já estavam sendo projetados para as folias que virão. A cada edição o bloco utiliza temáticas comemorativas. O tema de 2022 será o educador Paulo Freire, em homenagem seu centenário.  “Não vamos pra rua, mas vamos criar algo para nossas redes sociais, com rodas de conversa, vídeos, e coisas legais que poderemos fazer no próximo ano”, diz.
Não terá lama e diabruras na terça-feira do carnaval natalense pela primeira vez em 57 anos. É o que deseja o bloco Os Cão da Redinha, cuja diretoria emitiu uma nota informando que não realizará sua famosa concentração no largo do mangue, em cumprimento ao decreto governamental e também ao bom senso que exige recolhimento para evitar mais contágios com o Coronavírus. “O sentimento é de tristeza, pois somos um dos blocos mais democráticos de Natal, vem gente de todos os lugares e idades, e até os comerciantes participam sem problemas. Mas esse ano, não vai dar”, afirma Verônica Medeiros, coordenadora.
Apesar do desejo consciente em não brincar nesse ano pandêmico, Verônica teme que muitas pessoas desobedeçam o decreto para ir ao mangue. “Os Cão atraem uma média de dez mil foliões, e não temos controle sobre as pessoas. Não podemos assumir a responsabilidade pela falta de bom senso de alguns.Nossos diretores estão contando com a sensibilização da comunidade”, diz. A próxima diabrura, com toda segurança e desfile do mangue até a praia da Redinha, só na maré baixa de 2022.
O secretário de cultura do município, Dácio Galvão, apreciou o desafio de criar uma programação carnavalesca online, e acredita que isso servirá de experiência para uma produção melhor no próximo ano. “Vamos aprimorar o formato já aprovado pelos foliões, em detalhes restritos a produção”, diz. Segundo ele, a expectativa é  o redimensionamento estético-cultural somado também à movimentação econômica que inclui a geração de emprego e renda.
Desfile no shopping
Fora da avenida, as escolas de samba de Natal levaram suas fantasias para desfilar em outra passarela. O Praia Shopping está realizando uma exposição com material das principais agremiações da cidade. No local estão fantasias e adereços das escolas Em Cima da Hora, Imperatriz Alecrinense, Acadêmicos do Morro, Batuque Ancestral, Balanço do Morro, e Império do Vale. A mostra, feita com curadoria dos carnavalescos locais, propõe uma reflexão sobre a história do carnaval natalense, que estará sendo contada através dos elementos presentes em cada figurino.

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