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Carta de Caminha revisitada

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Yuno Silva
Repórter

O Brasil foi mesmo ‘descoberto’ no litoral sul da Bahia, e não no Rio Grande do Norte como algumas teses defendem. A afirmativa está embasada nas coordenadas náuticas relatadas na Carta de Pero Vaz de Caminha, escrita no dia 1º de maio de 1500.   Há quase 519 anos, o escrivão português registrou detalhes do local onde a esquadra liderada por Pedro Álvares Cabral aportou no litoral da Ilha de Vera Cruz – primeira denominação oficial das terras que posteriormente viriam a se chamar Brasil. Dos doze pontos destacados por Caminha, todos identificados no litoral baiano, apenas três correspondem à características encontradas no RN.

Dickson Medeiros fez medições em viagens pelo litoral norte do RN e no sul da Bahia: cruzei informações descritas por Caminha com cartas náuticas modernas e coordenadas de GPS, disse o autor, que buscava algo a mais  dentro do que já está descoberto

Dickson Medeiros fez medições em viagens pelo litoral norte do RN e no sul da Bahia: “cruzei informações descritas por Caminha com cartas náuticas modernas e coordenadas de GPS”, disse o autor, que buscava algo a mais dentro do que já está descoberto

No documento, o escriba utiliza medidas antigas como braça, légua e “tiros de besta” – um tiro equivale a 250 metros – que podem perfeitamente serem atualizadas e comprovadas por novas ferramentas, GPS e cartas náuticas modernas. Porém, até então, ainda não havia registros públicos sobre a comprovação empírica das rotas reveladas por Caminha (1450-1500) no início do século 16.

Esse ineditismo, somado à dúvida que cerca esse capítulo da história brasileira e a tese defendida pelo pesquisador e historiador Lenine Pinto, autor de livros sobre o tema como “Reinvenção do Descobrimento” (1998), “Ainda a Questão do Descobrimento” (2000) e “O Mando do Mar” (2015), levou o professor de Geografia natalense Dickson Medeiros a investigar a questão.

O resultado das pesquisas de Medeiros estão reunidas no livro “Aonde Cabral desembarcou: Bahia ou Rio Grande do Norte – A carta de Caminha solucionada”. Em apenas 79 páginas, o professor apresenta, ponto por ponto, quais coincidem com a Carta de Caminha.

“Comecei a pesquisar sobre o tema em 2016, com a intenção de corroborar com a teoria defendida por Lenine Pinto. Fiz medições in loco, no litoral norte do RN e no sul da Bahia, cruzei informações descritas por Caminha com cartas náuticas modernas e coordenadas de GPS. Buscava uma descoberta dentro do que já está descoberto, pois não tenho conhecimento de que os dados já tinham sido experimentados na prática”, explicou Dickson Medeiros.

De acordo com o professor de Geografia, “os dados são irrefutáveis: Cabral aportou na Bahia. Tudo o que foi narrado por Caminha corresponde às características do litoral da Bahia”, garantiu.

Vale salientar que um dos ingredientes que apimentam essa polêmica é o Marco de Touros, chantado em 1501 por Gaspar de Lemos; enquanto a data do Marco do Descobrimento, chantado em Porto Seguro (BA), é incerta – segundo registros históricos, o marco chegou ao Brasil em algum momento entre 1503 e 1526. “A Carta de Caminha não inviabiliza a possibilidade de Cabral ter passado pelo litoral do RN, mas não há relatos sobre isso. Uma coisa é certa, a descoberta não foi por acaso e o litoral detalhado no documento é o da Bahia”, acrescentou Dickson Medeiros, lembrando que o nome original do Cabo de São Roque era Cabo de São Jorge – denominação que se confunde com o Rio São Jorge, posteriormente rebatizado de Rio Caraíva no litoral sul baiano.

Considerado o primeiro documento escrito sobre a história do Brasil, a Carta de Caminha traz as primeiras impressões a respeito da fauna, da flora e dos habitantes nativos. Mas o relato de 14 páginas, cujo original está guardado no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa, também traçou coordenadas náuticas, informações e referências sobre relevo, principais distâncias, profundidade do mar, entre outras características do litoral onde o País foi ‘descoberto’.

O livro “Aonde Cabral desembarcou: Bahia ou Rio Grande do Norte – A carta de Caminha solucionada” pode ser adquirido em versão digital através do site www.brasil1500.com. A edição impressa pode ser encontrada em sebos de Natal.
Os doze pontos com referências geográficas destacadas na Carta de Pero Vaz de Caminha:
1. Distância de 670 léguas (3.718 km) das ilhas de Cabo Verde até a Terra de Vera Cruz – a distância de Cabo Verde até o litoral do RN é de aproximadamente 2,5 mil km

2. Profundidade de 19 braças (34,6 metros) a seis léguas (33 km) da costa – uma das três informações que contemplam os dois lugares: RN e BA

3. Profundidade de 9 braças (16,4 metros) a meia légua (2,77 km) da costa – apenas a BA apresenta essa características, no RN a profundidade a essa distância é de apenas 6 metros

4. A foz do rio em frente a medição de 9 braças era bravia devido o mar quebrar na costa – no RN, o mar é tranquilo

5. Arrecifes a 10 léguas (55 km) ao norte deste rio – outro item que corresponde aos dois lugares: Rio do Fogo no RN, e Rio Caraíva na BA

6. No meio deste arrecife havia uma entrada para um porto seguro – item presente na BA e no RN

7. Uma légua deste arrecife, ancoraram navios maiores em 11 braças (20 metros) de profundidade – característica da BA

8. Os navios entraram no porto e ancoraram em 5 braças (9,1 metros) – BA

9. Em uma ilhota próxima ao arrecife foi realizada a primeira missa, anterior à missa em terra – porção de terra encontrada apenas na BA

10. Próximo ao arrecife, um rio de pequena largura, não maior que um mancal de navio – BA

11. A dois tiros de besta (cerca de 500 metros) de distância deste rio foi posta uma cruz e realizada a segunda missa – BA

12. A latitude da Terra de Vera Cruz é cerca de 17º os sul da linha do Equador, paralelo que corresponde ao litoral sul da Bahia – o RN está na latitude 5º sul

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