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Cartão SUS nunca saiu do papel

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Sara Vasconcelos – repórter

Saber quem está sendo atendido na rede pública de saúde, por quem, aonde, como e com quais resultados. Tudo isso com apenas um documento. É esta a proposta do cartão nacional de saúde, conhecido popularmente como cartão SUS. O sistema, criado em 1996 e implantado a partir de 1999, pelo Ministério da Saúde para garantir maior controle da prestação de serviços e qualificar o acesso dos usuários a estes, na prática, atende somente a uma finalidade: “controlar” o repasse de recursos aos municípios.

Ministério nunca normatizou emissão do documento e cortou créditos para informatização“Hoje o cartão é mais um instrumento burocrático,  destinado a captação dos valores financeiros, que um mecanismo para a  regulação dos atendimentos”, define a coordenadora de planejamento e regulação da Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) Terezinha  Guedes Rêgo. O cartão é exigido para ter acesso a exames e atendimentos de alta complexidade, custeados por verbas federais.

A desvirtuação do sistema que há onze anos prometia revolucionar o atendimento médico da rede pública de saúde –  a partir da a identificação do usuário e a possibilidade real de organizar a gestão a partir das necessidades da população e dos fluxos dos usuários no interior do sistema de saúde – se deve a deficiências de estrutura e pessoal  nas unidades de saúde. A precariedade se sustenta no abandono gradual de metas e atribuições por parte do próprio idealizador, o Ministério da Saúde. O órgão até hoje não  institucionalizou o procedimento.

Há cerca de três anos, lembra a coordenadora, o Ministério da Saúde extinguiu o financiamento, via Caixa Econômica Federal, para confecção dos cartões PVC (definitivos), que além do número de identificação do usuário do SUS traz o código de barras.  O cartão é financiado por verba ministerial. Por unidade, o MS repassa R$ 1,00 aos municípios. As demais despesas cabe ao município.

No Rio Grande do Norte, segundo dados do DATASUS foram emitidos 3.543.521 cartões, dos quais 2.192.908 em caráter definitivo e os demais de forma provisória. O número ultrapassa a totalidade dos habitantes do Estado, embora nem todos os potiguares possuam o documento.

A conta é explicada pela coordenadora de regulação da Sesap: o número não corresponde a realidade, devido a duplicidade de registros e não cancelamento dos cartões provisórios. “É comum encontrar um usuário com até cinco cartões. Com informações diversas sobre endereço. Isso prejudica a alimentação dos dados do paciente”, afirma Terezinha  Rêgo. A coordenadora avalia que para corrigir não só essa, como outras disparidades, é necessário o empenho dos três entes de governo, a partir da reformulação e institucionalização do sistema.

Em Natal, segundo informações da base de dados do SUS, o número de usuários com cartões definitivos (402 mil usuários) não chega a  metade da população da capital, que é de 806 mil habitantes. O número de cartões provisórios chega a 318.877. O segundo maior município do Estado, Mossoró, tem 190 mil cartões definitivos e 138 mil provisórios, enquanto em Parnamirim, são 105 mil e 60 mil cartões emitidos, respectivamente.

Em alguns municípios a diferença entre os provisórios e definitivos são mais distantes e possivelmente mais reais. Como  Goianinha, que tem 23.458 cartões definitivos e 6.400 provisórios, ou Parelhas, com 20.583 definitivos e 4.450 provisórios. Já Ipueira são 2.179 para 321 e Lagoa Salgada, 7.272 para 924, além de Pedra Grande, de 4.131 para 642.

A emissão, assim como a aquisição de equipamentos e capacitação de técnicos para fazer o cadastramento de usuários, é de competência da secretaria de saúde de cada município, sendo coordenada em nível estadual. Caberia ainda ao Ministério a aquisição de máquinas de leitura dos cartões definitivos, o que também não ocorreu. Sem o equipamento para leitura do código barras, a leitura dos dados é feita por meio de busca por nome completo e número do CPF, possibilitando a emissão descontrolada.

A coordenadora do cartão SUS da Secretaria de Saúde de Natal Suzy Attameda, não soube precisar o investimento na área referente a manutenção e reposição de equipamentos como computador, impressora, internet e o papel oficio, onde é impresso o cartão. “Até receber o permanente, o usuário aguarda cerca de três meses sem prejuízos ao atendimento. O número do provisório é suficiente para garantir acesso aos serviços”, garante.

Unidades sem estrutura  para emitirem documento

De acordo com a legislação, todo brasileiro tem direito ao cartão de usuários do SUS e qualquer unidade de saúde é ponto de cadastramento e emissão. Mas quem busca o documento se depara com outro cenário. Para constatar as dificuldades, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE percorreu alguns postos de saúde em busca de fazer um cartão e encontrou o serviço suspenso em parte dos postos de saúde visitados. O motivo, as unidades não estão equipadas com computadores, impressoras, cartuchos de impressão e acesso à internet.

Mesmo sem orientação expressa, as unidades trabalham com  restrição do cadastramento somente aos usuários que moram no bairro em que o posto de saúde está situado. Apesar de morar em Tirol, a repórter  conseguiu fazer o cartão no posto de saúde de Nova Descoberta. Isto porque no Posto São João, da Romualdo Galvão, o cadastramento foi transferido para o Distrito Sanitário Sul, em Nova Descoberta, por não haver recursos para aquisição de cartuchos de impressão, como informou atendente.

O cartão provisório foi emitido em cerca de dez minutos, com promessa de entrega de definitivo em até 48 horas – tempo estimado para os dados serem lançados no sistema do Ministério da Saúde.

O supervisor comercial Frank Cunha de Carvalho, não teve a mesma sorte que a equipe. Há dois dias, ele iniciou uma peregrinação para conseguir uma drenagem de pulmão, em caráter de emergência, para a esposa Geiza Rocha Oliveira. O casal cearense já possui o documento emitido no Estado de origem, mas apesar de o  documento ser “nacional”, para que  Geiza seja atendida no Hospital Universitário Onofre Lopes foi necessário fazer um novo.

“É um absurdo que um cartão do sistema nacional seja rejeitado de uma cidade para outra”, desabafa o supervisor que aguardava na sede da secretaria municipal de saúde para retirar a nova identidade do SUS. A Secretaria é um dos poucos lugares em que o serviço de cadastramento é oferecido e o único, nos casos de troca de município.

A coordenadora do cartão SUS na SMS Suzy Attademo explica que uma nova emissão é necessária devido a câmara de compensação que não ocorre de forma direta. Ou seja, para que os valores do procedimento seja repassado pelo Ministério da Saúde para o município que o realizou é preciso que o cartão seja lotado naquela cidade “Do contrário, quem vai receber é a prefeitura de origem do cartão e não quem prestou assistência”, argumenta Attademo.

A deficiência de estrutura e pessoal motivou a suspensão do serviço também na unidade de saúde de Lagoa Nova, há cerca de um ano. Nos poucos onde funciona, a oferta é limitada. Como na Unidade de Saúde do Alecrim, onde o acesso é feito  por distribuição de fichas apenas às quartas e quintas-feiras, segundo informou funcionário que preferiu não se identificar. Segundo a responsável pelo cartão SUS na Sesap, Betânia Lopes de Lima, chegaram ao setor denúncias de que por dia de atendimento são feito apenas oito cartões e no máximo, dois por família. “É ilegal mas tem vários item que impedem a ampliação, como falta de pessoal, acesso lento a internet. A Sesap não tem como interferir. É uma questão de gerencia e cabe a Prefeitura regularizar”, observa.

Apesar de exigido, a recepcionista Fabíola Siqueira Nunes, 31, moradora do Planalto disse não só desconhecer como também nunca ter precisado apresentar a identidade do SUS. Os serviços  que ela precisou são em pronto-socorro considerados de urgência e por isso não houve impedimento.

O chefe do setor de informática da SMS Valderi Neves Beconte, estima que em até 60 dias o acesso a internet será solucionado. O prazo consiste na mudança do tipo conexão, que passa de linha discada para rádio, aguardando apenas a criação de um link por parte da empresa Cinte, vencedora da licitação para gerir o provedor. Beconte garante que todas as unidades possuem computadores e impressoras.

Ministério da saúde

A reportagem encaminhou entrevista por e-mail ao Ministério de Saúde, a pedido da assessoria de imprensa do órgão, que se limitou a emitir a seguinte nota em resposta aos questionamentos (nota na íntegra):

“O Ministério da Saúde está trabalhando para a consolidação efetiva do Cartão Nacional de Saúde. Em uma primeira etapa, o projeto prevê que o Ministério da Saúde desenvolva um sistema que possa receber informações das redes existentes em outros estados e municípios. Isso permitirá consolidar as informações nacionais sobre pacientes e atendimentos realizados no país. A próxima etapa seria a implementação de recursos de gestão e prontuário eletrônico, que permitem o acompanhamento do estado de saúde do cidadão e, por exemplo, avaliação das equipes e unidades de saúde em atuação.

A ideia é instituir um cartão com um número nacional de identificação do usuário e que contenha outras informações básicas. Para tanto, é preciso aperfeiçoar a plataforma tecnológica, possibilitando a integração e a comunicação dos sistemas públicos de saúde (União, estados e municípios). Esta política de integração é fundamental para a prestação de um atendimento de qualidade dentro de um sistema universal como o SUS.”

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