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Casual

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Dácio Galvão
Aconteceu na padaria de baixa gastronomia. Falves Silva caminhava quando cruzamos olhares cúmplices através da vidraça. Manhã de luminosidade intensa. Entrou e se abancou na cadeira. Começamos destilar assuntos de interesses comuns. Zero sobre política feijão com arroz. Falamos de linguagens visuais. Não podia ser diferente tratando-se de um artista que ao longo da extensa carreira expressou-se via códigos distintos do designer gráfico. Colagens, desenhos e geometrias conceituais. Sempre processos. Sempre poemas. Quadrinhos.

qq coisa

Carregava na bolsa tiracolo exemplares de fanzines. É o Projeto 51 estampando cinco trabalhos. Abre o zine, Deus não joga Dados, do ano de 2014, na capa e em policromia. Fecha com O Espaço. É o último, na parceria com João Cândido em cartão, madeira e acrílica datando de 2018. Sem títulos mais três. Um datado de 1968, e dois de 1977. Desses últimos Moacy Cirne partilha a autoralidade. Traz apropriações de fragmentos plurilinguísticos. Em meio de vários, dispostos em quadrados limitadores de caracteres e sobrepostos as  figurações destacam-se  “…en Marx al leer”. Noutro, “De la história, que”. E por último, ”Desprovistas de pensam…” todos aplicados sobre formas planas e espaciais.

De quebra do mesmo bisaco salta o livro do escritor Marcos Silva, sobre Cirne. Tomei um susto. Confessei obviamente constrangido que não tinha visto. Mesmo tendo sido alertado pelo autor, não pude me fazer presente ao lançamento. E daí esqueci por completo. Livro importantíssimo. Folhei emocionado. Dei uma geral passando folhas aleatoriamente, me detendo aqui e acolá num parágrafo… Superficialmente me pareceu totalmente à altura do ensaísta e do poeta de altíssima voltagem não devidamente depurado na aldeia local. Estávamos a precisar de um livro assim como esse.  Claro que em alhures de há tempos ele é reconhecido e estudado. Cuba saiu na frente e lhe concedeu o Prêmio Casa de las Américas. Dois amigos militantes -Marcos e Moacy – identificados em causas comuns no humanismo, nas resistências, nas transgressões sociais e políticas instrumentalizadas via literatura artística. Belíssimo par de ases. Naipes de ouro e espada. Para quem quer enxergar brilho e luta!

Pousado no zine pinta a recodificação do poema Limite do seridoense José Bezerra Gomes. Sobrecarregado da radicalidade do poema-minuto ex-líbris do antropófago Oswald de Andrade. No teto da mesma página chama a atenção o conceito de Walter Gropius, fundador da Bauhaus propositor da Nova Objetividade, sugerindo propagação e entendimento: “Quanto mais essa linguagem óptica se espalhar, tanto melhor será compreendida a obra de arte”. E a estética vai se colocando cada vez mais. Dois balões típicos das falas de personagens dos quadrinhos representando o silêncio do homem e da mulher. Gêneros distintos na abordagem própria (masculino-feminino) do corpus textual de Gomes. Há além disso o momento teórico da comparatividade de diálogo possível entre a litografia suprematista russa de  Kazimir Malevich explorando pontos, quadrados, retângulo e o poema não titulado de F Silva. Tudo em banco e preto. A respeito do feito e das gradações criativas dessas formas do artista natalense  Wlademir Dias-Pino escreveu: “a memória inteligente; geometrizada”. Dias-Pino logo entrou no banquete. Sua obra inspirou e ancorou muito o desenvolvimento das pesquisas de Falves. Assimilador direto e indireto.

Animado por ter seu trabalho está sendo sempre requisitado em exposições e em galerias paulistanas esse artista das margens não desiste. Insiste abundantemente com suas ferramentas de lutas em provocar novos pensamentos, comportamentos sensórios, sociais numa guerra de guerrilha insana colaborando para o projeto de se construir uma sociedade pós-utópica mais justa. Tarefa árdua, difícil. Vai e volta e esbarra em Pessoa.

Ah! E a atualidade do “Abaixo a”?  Poema de Cirne, oralizado por ele mesmo no POEMÚSICA, CD do projeto Nação Potiguar, se compondo com Péricles Cavalcanti, Lenora de Barros, Augusto de Campos, Tetê Espíndola…? Trata-se de uma versão fonética-fonológica performática. Mais que propício para o corrente quadro ameaçador de forças obscuras no Brasil e no mundo! Vacina de ponta. Que vocês ouçam. Estou convicto que na padaria as coisas acontecem. Rsrsrs. Grande encontro. Abaixo a… Abaixo a… Abaixo a…

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