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Centro de Natal vive fuga de empreendimentos

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Cláudio Oliveira
Repórter

Enquanto esperam o ônibus de volta para casa após um dia de aulas na cinquentenária Escola  Winston Churchill, na Cidade Alta, zona Leste de Natal, um grupo de estudantes discute o que será instalado na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua João Pessoa, local onde, até o ultimo dia 11 funcionava a loja de vestuário da rede C&A. O prédio fechado contrasta com as obras que estão sendo realizadas para a nova calçada e para a nova parada de ônibus. O que os estudantes ainda não compreendiam é que aquele cenário retrata um problema urbanístico que mexe tanto com a economia de um dos bairros mais antigos da cidade, quanto com a memória afetiva de quem por lá transita, mora ou trabalha há décadas. Nos três primeiros meses de 2022, aquela área comercial da cidade registrou a abertura de apenas um empreendimento, enquanto outros onze fecharam as portas.
Saldo de empresas no bairro da Cidade Alta desde 2018 é de 36 lojas a menos, segundo a Junta Comercial. Novo Plano Diretor vai tentar resgatar o bairro
“O comentário agora é qual loja vai ficar no local. Todo mundo está curioso para saber. Eu acho que poderia ser um mini shopping, ou um cinema, algo pra gerar entretenimento”, opinava a estudante Ariely Silva, 15, com as amigas Keteliyn Tavares, 16, e Mirlane Graziely, 16. “Mesmo com o fechamento dessa loja, eu vejo que o Centro ainda é um lugar popular, movimentado, agradável de estar e importante para o comércio”, avaliava o amigo delas, Elias Oliveira, 16.

Nas condições descritas na abertura dessa reportagem, a dúvida não é apenas saber o que funcionará naquele local, como se questionavam os estudantes, mas se o Centro de Natal voltará a ser uma área pujante ou ficará cada vez mais decadente a exemplo do bairro da Ribeira. Os jovens, no entanto, não estão errados em suas colocações. Há sim a curiosidade em se saber se uma outra grande loja ocupará o local, porém, mais que isso, se o Centro de Natal resistirá ao crescimento da cidade que tem levado lojistas para outros bairros.

Os números da Junta Comercial do Rio Grande do Norte (Jucern) apontam para uma realidade desanimadora que pode ser vista já na principal via, a Avenida Rio Branco, com uma sequência de portas fechadas em pleno horário comercial.

De 2018 a 2022, o número de empresas que deram baixa na Junta foi superior ao das que iniciaram as atividades. Foram 211 contra 175 na Cidade Alta. Nesta conta estão de fora as empresas que não fecharam, mas que podem ter mudado endereço para outras partes da cidade. Não foi possível identificá-las nas informações colhidas com a Junta Comercial.

O fato de, em 2022, haver o registro de 11 empresas encerrando operações e apenas uma iniciando, pode colocar a Cidade Alta, que também compreende o Centro de Natal, como o bairro que mais encerrou atividades comerciais nestes três primeiros meses do ano na capital, já que, para cada uma empresa aberta, onze pararam de operar.

Durante o ano de 2021, quando o estado se recuperava da primeira onda da pandemia da covid-19, a situação era bem melhor, com mais empreendimentos abertos (43) do que fechados (39). Foi, inclusive, o melhor ano, em comparação com os três anteriores. Em 2018 e 2019 o número de empresas que deram baixa na Jucern superou as que abriram. Foram 43 abertas em 2018 e 37 no ano pré-pandemia. O número de negócios encerrados ficou estável em 55 e 56, respectivamente. Apesar da decretação da pandemia em 2020, os número de aberturas melhorou, subindo para 51. O de fechamentos caiu para 50.

Em comparação com os dez bairros da cidade que mais abriram e fecharam empresas desde 2018, a cidade Alta é o único que apresenta saldo negativo entre abertura e fechamento, ficando atrás de vizinhos como Lagoa Nova (577 abertos/415 fechados), Alecrim (545 abertos/458 fechados) e Tirol (290 abertos/195 fechados). Até a Ribeira, mais antigo bairro da capital, que do ponto de vista econômico e de entretenimento caiu no ostracismo, conseguiu ter mais negócios abertos (36) do que fechados (28) no período.

Lojistas defendem mais incentivo para o bairro
Na Avenida Rio Branco, a mesma que abrigou até o último dia 11, por quase 30 anos a loja C&A, há lojistas e empresários cuja história de vida se confunde com a das últimas décadas do Centro de Natal. Na visão deles, as mudanças que chegam com o crescimento da cidade, atraindo os empreendimentos para outros bairros, não seriam suficientes para levar aquela histórica área comercial à decadência.
Trabalhadores lamentam 'decadência'. 'Vai ser difícil voltar ao que era', diz Marcelo Eduardo
Desde a adolescência, em meados dos anos 1980, o sapateiro, Marcelo Eduardo, 54, frequenta a Cidade Alta, seja para trabalhar ou socializar e, ao longo das décadas, viu as transformações que a região tem passado. “As coisas vão evoluindo. Os lojistas vão procurando outros pontos, como shoppings e, como nada é feito, a Cidade vai morrendo. Vai ser muito difícil voltar a ser o que era antes. Porque falta uma gestão voltada para recuperar essa parte da cidade”, dizia, do seu local de trabalho, na praça  John Kennedy, cruzamento da Avenida Rio Branco com a Rua João Pessoa, que abrigou na década de 1920 o badalado Café Grande Ponto, local que se tornou referência nas décadas seguintes para quem queria ver e ser visto na cidade.

Com vocação para o comércio, o Centro de Natal também é berço da história e da cultura da cidade. Abriga diferentes tipos de estabelecimentos comerciais e de serviços, desde os grandes magazines, até os tradicionais sebos. O sebista e editor  Abimael Silva, trabalha por lá desde a década de 1970 e mantém na Rio Branco o seu sebo em funcionamento.

Ele afirma que compreende o processo de decadência do Centro da capital. “A palavra exata é decadência. A prova maior é a saída das grandes empresas. O Centro, antigamente, era onde estava a efervescência da cidade. Mas esse esvaziamento se deve também à saída dos órgãos públicos. Saíram as secretarias municipais e agora o Tribunal de Justiça também vai mudar para outro bairro”, relembrou.

Ele ressalta que a falta de investimentos do poder público compromete a atração de empreendimentos para todas as vias, visto que o bairro não se resume apenas à Avenida Rio Branco. Mas cada um também pode contribuir, na sua visão do caso. “Vou contribuir com uma antologia poética, escrevendo em cada quadrado da calçada um poema de um autor potiguar e também continuo promovendo o lançamento de livros. É uma forma de mostrar uma das vocações do nosso Centro”, disse.

A revitalização de espaços como o Beco da Lama e o Espaço Ruy Pereira, são algumas tentativas de revitalizar a Cidade Alta, assim como a recuperação da praças. O aumento de policiais circulando na área e as obras de padronização das calçadas, paradas de ônibus e abertura de mais vagas de estacionamento também tendem a contribuir para tanto.

Plano Diretor

Requalificar o Centro da cidade com programas voltados para o uso residencial poderá ajudar a recuperar o comércio do Centro de Natal. O novo Plano Diretor de Natal prevê essa requalificação e reconhece a Cidade Alta e a Ribeira como Áreas Especiais de Requalificação Urbana (AERU), com índices urbanísticos próprios, destinadas à requalificação destes bairros históricos.

A arquiteta Sophia Motta explica que a pandemia da covid-19 aprofundou a crise dos centros urbanos. “A ausência do uso residencial foi sentida neste novo contexto e sua importância evidenciada e entendida como essencial para a manutenção das atividades da vida cotidiana como comércio de bairro, ocupação dos espaços públicos, movimento das pessoas nas ruas que contribui para a sensação de segurança”, explicou.

Segundo ela, essa preocupação desencadeou diversos movimentos no país, com cidades lançando programas urbanísticos com intuito de recuperar o papel residencial das suas áreas centrais. Em  São Paulo/SP, o “Requalifica Centro” oferece incentivos fiscais para a reforma de edifícios antigos na região. Já no “Aluguel no Centro”, o governo do Maranhão paga 80% do valor do aluguel de imóveis com condições de habitação na região central de São Luís.

“Pensar programas como esses para Natal é um caminho para trazer de  volta a vitalidade e requalificar a Cidade Alta. O novo Plano Diretor de Natal já aponta caminho nesse sentido de aumentar o potencial para que as áreas como essa sejam redesenvolvidas”, destaca Sophia Motta.

“O novo Plano Diretor prevê melhoramento dos edifícios e isso vem pra ajudar na melhoria do comércio. Sempre defendi que precisamos trazer turistas para o Centro de Natal. Precisamos de movimento, de gente no Centro”, diz o empresário Delcindo Mascena, idealizador do movimento Viva o Centro de Natal.

Números
Comércio na Cidade Alta
Cidade Alta
2018:
Abertura: 43
Fechamento: 55

2019
Abertura: 37
Fechamento: 56

2020
Abertura: 51
Fechamento: 50

2021
Abertura: 43
Fechamento: 39

2022 (até março)
Abertura: 1
Fechamento: 11

De 2018 a 2022:
211 fechadas
175 abertas

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