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Cerro Corá: onde nasce o Potengi

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BELEZA - No início apenas um filete de água que encanta

De cócoras à sombra de um cajueiro, a agricultora Maria José da Silva, de 55 anos, separa as castanhas para vender. Ela não troca por nada a vida no sitiozinho a 8 km do centro de Cerro Corá, pequena cidade seridoense distante de Natal 190 km. Da terra e dos bichos, Maria José tira o suficiente para prover o sustento da família. Mas o principal motivo de tanto apego por aquele cantinho é a nascente do rio Potengi, que fica a uma caminhada de menos de 20 minutos dali.

O nascedouro do principal rio do Estado do Rio Grande do Norte, na serra de Santana, é motivo de orgulho para a agricultora e todos que vivem em Cerro Corá. “É maravilhoso. Um local como este, tão tranqüilo e bonito, não existe igual”, diz Maria José, que só depois de muito tempo foi descobrir  a existência de um rio que nasce perto de sua casa.

A água brota a 600 metros do nível do mar, em meio a uma exuberante paisagem montanhosa e de vegetação fechada. No início é só um filete que vai tomando corpo serra abaixo. Mais na frente, formam-se pequenas corredeiras sobre as rochas e mini cachoeiras. Nessa época do ano, de estiagem, o volume é fraco e não proporciona o espetáculo do período do inverno, quando a água inunda os chapadões e formam quedas d`’agua, moldando a natureza, num e atraindo visitantes de vários lugares do Brasil e até de outros países.

A nascente do rio Potengi é uma atração turística. Ela está entre as que mais atraem gente no Seridó. Os moradores de Cerro Corá não se servem dela diretamente, apenas os animais, mas a atração gera riquezas à cidade por meio do eco-turismo.

O trajeto até chegar na trilha fechada que leva ao olho d`àgua é todo sinalizado por pequenas placas. Em menos de 20 minutos de caminhada pela trilha que o próprio rio abriu em meio à serra, chega-se à nascente do Potengi. O percurso, no entanto, é íngreme e requer bastante cuidado.  

A equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE fez a trilha com a ajuda do guia turístico Flaviano Elis, da Secretaria de Agricultura, Meio Ambiente e Turismo de Cerro Corá. Essa matéria dá início a uma série sobre o rio, que começa de sua nascente e vai até à foz, em Natal.

Acostumado a fazer o percurso conduzindo visitantes, Flaviano alertou para possíveis surpresas que o local proporciona, além da beleza e sensação de aventura. Não demorou para que uma dessas surpresas aparecessem, e logo no exato local onde o rio Potengi brota. Entre as rochas, apareceu uma cobra coral verdadeira, cujo veneno pode matar em poucos minutos.

O guia disse que cobras ali são muito comuns, principalmente do tipo cascavel, uma das mais peçonhentas do mundo. “Já vimos uma de 1,80 m”, contou. Não tarda e a natureza vai revelando espécies de bichos típicos da região, como sapos e calangos, que aos olhos dos europeus são exóticos e viram uma atração. Flaviano falou que outra vez estava com visitantes holandeses e um deles ficou parado horas fitando uma lagartixa. “Eles ficam encantados”.

Por uma outra trilha, mais aberta, porém mais longa, de 2 km, chega-se à cachoeira do Escorrego, formada pelo Potengi e que também é um atrativo. A trilha é pela parte do sertão, e a entrada fica próxima à entrada da cidade para quem chega de Mossoró.  É a parte mais bonita.

Cidade desperta para o turismo

Cerro Corá dorme cedo e acorda cedo. Quando a noite chega, deitando seu manto negro sobre a serra e trazendo junto com ela o frio, a pequena cidade de pouco mais de 11 mil habitantes começa a se recolher para estar de pé aos primeiros raios da aurora.

De dia, aventurar-se pela trilha íngreme na serra de Santana ou então em meio à paisagem sertaneja que dá no Escorrego são das poucas opções de entretenimento que restam. Nesse período de estiagem, o movimento de gente nos dois lugares é pequeno. Somente caçadores em busca de uma ave ou peba para abater e alguns guris atrás de diversão.

A equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE encontrou pelo caminho os primos Ivanúcio Damião Paez, 18, e Gleydson Cristian Félix, 13. Eles tinham marcado com um grupo de amigos de se encontrar no Escorrego na manhã de quarta-feira. Ivanúcio, que desde pequeno vive em Cerro Corá e conhece cada palmo daquele chão, falou que estava ali porque no município tudo o que se tem para fazer é ir ao Cruzeiro, subir à serra de Santana onde nasce o rio Potengi ou então fazer a trilha até o Escorrego.

“Não tem mais nada”, disse, e logo tratou de informar que no inverno a paisagem muda. O pequeno fluxo de água ganha volume com as chuvas e desce pelas rochas em correntezas e cachoeiras, num espetáculo que faz a festa dos moradores e visitantes que chegam aos bocados na cidade para o Festival de Inverno, na última semana de maio. “Agora tá sem água, mas depois é muito bonito. Enche de gente pra ver”.   

Início da exploração turística

O filete de água cristalina que brota em meio à paisagem montanhosa da Serra de Santana passou a ser explorado turisticamente por volta de 2001. Hoje, é uma das atrações mais visitadas da pequena Cerro Corá, ao lado do Vale Vulcânico e das pinturas rupestres.

O “tesouro” foi descoberto com a ajuda do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), que ao procurar um novo foco para o município explorar economicamente, além da agricultura, identificou como potencialidades as belezas naturais do lugar.

A trilha da nascente do Potengi integra o roteiro turístico Seridó. O passeio tem seu pico durante o Festival de Inverno, evento cultural realizado desde 2002 pela Prefeitura, por meio da Secretaria de Agricultura, Meio Ambiente e Turismo. Na edição 2006, o município recebeu no período cerca de 20 mil visitantes. Gente de outros estados do Brasil e também de fora do país que estão descobrindo os muitos encantos naturais do interior do Rio Grande do Norte.

O próximo festival é só na última semana de maio, mas muitas casas já estão reservadas para os visitantes. Como o município conta com uma única pousada, os moradores hospedam em suas casas os que chegam de fora. Essa alternativa, pensada pelo Sebrae para desenvolver o turismo nas cidades sem infra-estrutura de hotel como Cerro Corá, termina por propiciar a troca direta de vivências culturais diferentes. É o programa Cama, Café e Rede. 

Passeio é uma aula de geografia  

O passeio promovido pela prefeitura de Cerro Corá até a nascente do Potengi é uma aula de história e geografia. Começa pelo meio de transporte. Até chegar à trilha, cujo acesso só é possível a pé, o veículo usado é o pau-de-arara, caminhão coberto de lona muito popular no Nordeste.

A maior parte dos 8 quilômetros do trajeto até a entrada da trilha é de barro, um caminho estreito e pedregoso que corta o assentamento Santa Clara até chegar ao acolhedor sítio de Maria José da Silva (a alegre agricultora do início da reportagem).

Durante a expedição, o guia turístico Flaviano Elis, de 23 anos, bolsista na Secretaria de Agricultura, Meio Ambiente e Turismo, vai falando sobre a história, geografia, clima e economia da cidade. Uma parte de Cerro Corá é sertão, e outra, serra. Por isso, há lugares no município acima do nível do mar 520 metros e outros a 730 metros de altitude. A cidade é bastante arejada, chegando a apresentar temperaturas de até 11 graus no inverno.

Favorecida com os recursos hídricos, a parte da serra centraliza a economia, baseada principalmente na castanha, mandioca e fruticultura. Conta-se que Cerro Corá foi colonizada por famílias paraibanas. O nome já foi Barro Vermelho, porque os primeiros habitantes dançavam forró sobre o chão de pedras avermelhadas e terminavam com a roupa da cor de barro. “Depois passou a ser Caraúbas, mas como já existia outro município no Estado com o mesmo nome, teve que mudar”, fala Flaviano Elis. O topônimo atual teria sido tirado da cidade homônima do Paraguai onde um dos líderes da revolução paraguaia foi encontrado morto.

Dona Adriana de Holanda, mulher influente e de origem portuguesa, teria avistado, quando procurava água para o rebanho de gado, patos voando sobre a serra. Ao se aproximar, descobriu a nascente do Potengi.  

Em agradecimento a Sant’Ana, ela teria doado ao povo toda a parte de cima. A exuberante serra pega oito municípios, mas é só em Cerro Corá que nasce o rio Potengi.

Um rastro sinuoso na areia

No primeiro município onde passa depois do nascedouro, o rio Potengi é apenas um rastro sinuoso na areia, um vestígio que não deixa apagar a lembrança de épocas de fartura de peixe e de alegria que só vem com as chuvas.  

Nesse período em São Tomé tudo o que se vê, além do leito seco, são alguns poucos poços, mesmo assim a água, de tão suja, não é usada nem para os porcos de um pocilga próxima dali.

Os agricultores Manoel Ananias, 48, e José Fernandes, 45, lembram da última vez que tudo encheu d’água. Foi na cheia de 2004, quando choveu forte em quase todo o RN. “Rapaz, esse rio é muito rico. Em ano de inverno bom, é tanto do peixe e o povo tomando banho.  As cachoeiras fazem uma zoada grande, que de longe se escuta”, diz José Fernandes.    

Para Ananias, o Potengi estando com peixe não tem rio melhor nem mais bonito no mundo. “Do jeito que está, sem chuva, não tem nada, vida nenhuma. Mas Deus há de prover”.  

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