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Chavismo enfrenta teste das urnas

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Fabiola Sánchez – Associated Press

Ocumare de Tuy, Venezuela – Chavista convicta, Yuraima Rondón mostra com orgulho a tatuagem que leva no braço esquerdo do falecido presidente Hugo Chávez. Mas treme cada vez que escuta o sucessor de Chávez, Nicolás Maduro, prognosticar o “caos” e a “violência” caso a oposição vença a eleição parlamentar deste domingo (6).

Dona de casa desempregada de 38 anos, Rondón diz que teve de trocar o número do telefone, diante do assédio de que foi vítima por parte de seus “ex-camaradas”, quando saiu em um vídeo em meados de outubro junto com o líder opositor e ex-candidato presidencial Henrique Capriles, apoiando uma mudança. Ela afirma que os chavistas a veem com desprezo e a chamam de “traidora” e “vende pátria”.
Governo prega que vitória da Oposição levará Venezuela ao caos
“No dia seguinte ao vídeo não pude sair da minha casa porque só chorava, pela quantidade de mensagens que me mandavam chamando-me de traidora”, disse a mulher enquanto chorava, desconsolada.

Incidentes como esses, somados à retórica incendiária dos governistas, elevaram o temor à medida que se aproximaram as eleições deste domingo, nas quais pela primeira vez a oposição figura como favorita para tomar o controle do Parlamento, ou Assembleia Nacional, onde poderia promover mudanças profundas.Setores mais radicais da oposição poderiam, inclusive, tramitar um referendo revogatório do mandato de Maduro, cuja popularidade tem caído fortemente.

O governo venezuelano se mostra cada vez mais preocupado pela quantidade de pessoas como Rondón, que apoiaram firmemente Chávez, mas estão dando as costas para sua revolução. Esse bloco de eleitores é uma das principais preocupações governistas, porque as pesquisas preveem uma enorme vantagem da oposição e um triunfo avassalador. Isso talvez não dê, porém, maioria absoluta para os oposicionistas na Assembleia, porque o sistema eleitoral favorece distritos rurais pouco povoados em detrimento das zonas urbanas onde a oposição é mais forte.

A preocupação que domina no governismo se faz evidente nos comentários do próprio Maduro. “Caso se dê esse cenário” de triunfo opositor, disse Maduro no fim de outubro, “a Venezuela entraria em uma das etapas mais turvas e comovedoras de sua vida política e nós defenderíamos a revolução, não entregaríamos a revolução e a revolução passaria a uma nova etapa”.

“Não haveria orçamento nem para uma escola funcionar”, disse na última terça-feira o presidente em seu programa de TV, “Em Contato com Maduro”. “Eu me lançaria às ruas com o povo”, acrescentou. “Não aceitaria que tirassem os recursos para alimentação, moradias e as grandes missões. Com a Constituição na mão me declararia em rebeldia total, com o povo mobilizado.”

Esse tipo de retórica não faz nada mais que aumentar a tensão em um país muito polarizado, que enfrenta uma série crise econômica, caracterizada por uma inflação galopante e severos problemas de escassez de alimentos e outros produtos básicos.

“Aqui não há medo, o que há é terror, porque as pessoas te dizem que vão perder seus benefícios”, afirmou Servando Carbone, coordenador nacional da Federação de Trabalhadores do Setor Público e dirigente da União Nacional de Trabalhadores, ao indicar que recebeu ao menos 50 denúncias de funcionários públicos ameaçados recorrentemente nas últimas semanas pelos seus chefes para que votem nos governistas e reúnam outros dez eleitores, já que do contrário serão demitidos ou perderão suas casas e outros benefícios.

Carbone disse que muitos dos denunciantes não vão às inspetorias do Ministério do Trabalho nem aos meios de comunicação, por temor de perder o trabalho ou sofrer outras represálias. “As pessoas têm medo porque o presidente da República gerou um medo. Ele acredita que vai conseguir que as pessoas não votem. O que está gerando é que as pessoas tenham muito mais raiva.”

As autoridades negam as denúncias da oposição e a procuradora-geral, Luisa Ortega Díaz, disse na quinta-feira que o Ministério Público até o momento não registrou nenhuma denúncia de funcionários públicos que tenham recebido supostas ameaças dos chefes para votar a favor do governo e fotografar seus votos, tal como denunciado por alguns opositores.

Ameaças oficiais
Consultor político, Edgar Gutiérrez afirmou que a questão do medo está presente há vários anos no país, refletido em recorrentes denúncias de perseguição, ameaças e chantagens a funcionários públicos e empregados do setor privado. Mas ele assegurou que a intimidação governista “ganhou força” ante a perspectiva de uma derrota eleitoral do governismo.

O quadro, segundo Gutiérrez, levou algumas importantes figuras do governo a lançar nas últimas semanas fortes advertências sobre a possibilidade de um triunfo opositor levar o país ao caos ou a uma piora das condições de vida dos setores mais pobres, pela retirada de programas sociais.

Rondón diz que decidiu apostar na mudança “porque estou vendo que este país na realidade está se afundando e me angustia muito que isso arraste minha família.

Análise
“Oposição vencerá eleições”

São Paulo – A oposição vencerá as eleições legislativas deste domingo na Venezuela e, caso não ocorra uma grande fraude, deve atingir pelo menos a maioria simples na Assembleia Nacional, ainda que sua capacidade para moldar a dinâmica política do país seja limitada. A avaliação é da consultoria Eurasia Group, que divulgou relatório sobre o cenário político venezuelano às vésperas da votação, na qual os oposicionistas aparecem à frente nas pesquisas.

A consultoria lembra que a oposição teria o poder de conduzir o processo legislativo e enfraquecer o presidente Nicolás Maduro apenas se obtiver uma “maioria qualificada”, de dois terços do Legislativo. “O governo pode tentar impedir isso manipulando o resultado, portanto o risco de uma eleição contestada não deve ser minimizado”, diz. Segundo a Eurasia, a eleição não deve significar o fim da atual crise política e econômica, portanto as condições venezuelanas “continuarão a piorar”.

Na avaliação da Eurasia, as pesquisas mais confiáveis dão à aliança opositora Mesa de la Unidad Democrática (MUD) liderança de mais de 10 pontos porcentuais nas intenções de voto. “Isso não é surpreendente, já que a economia está em frangalhos e os eleitores culpam o governo por seus infortúnios”, diz. O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que a economia venezuelana contraia 10% em 2015 e as estimativas privadas mostram inflação superando 200% neste ano, lembra a consultoria.

Ainda que os governistas tenham se recuperado um pouco em pesquisas recentes, os oposicionistas seguem à frente nas intenções de voto. A Eurasia lembra, porém, que o sistema eleitoral foi redesenhado na Venezuela, dando um peso desproporcional a áreas menos povoadas onde o governista Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV) tem mais força. Em 2010, por exemplo, a MUD conseguiu 47% dos votos, porém apenas obteve 39% das cadeiras, enquanto o PSUV ficou com 48% dos votos e levou 59% das cadeiras.

A consultoria diz que, caso a oposição consiga apenas a maioria simples – 84 das 165 cadeiras -, Maduro pode buscar uma lei que lhe permitirá governar por decreto, contornando o Legislativo, e a oposição não teria força para impedir isso. Já se a oposição conseguir três quintos (101 cadeiras), mesmo que Maduro conseguisse aprovar essa lei antes da nova posse dos deputados, estes poderiam revogá-la ao assumir. Caso a oposição conseguisse dois terços dos postos no Legislativo, poderia aprovar reformas constitucionais, convocar uma Assembleia Constituinte, modificar leis orgânicas e retirar membros da Suprema Corte. “Isso é importante porque o controle deste tribunal será crucial para Maduro manter o controle da agenda política”, afirma a Eurasia. A consultoria acredita que o governo usará a intimidação e gerará confusão nos eleitores, “limitando sua habilidade de votar”.

“Independentemente do que ocorrer, a dinâmica política e econômica piorará após a eleição, dificultando a posição dos dois lados e tornando menos provável qualquer correção séria na política econômica”, diz a consultoria. A Eurasia acredita que uma derrota elevará as divisões na base governista, mas não avalia que isso possa levar a um esforço conjunto para depor Maduro.

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