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Cheiro de chuva

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Cláudio Emerenciano  – Professor da UFRN

A natureza em seu esplendor e sua complexidade. Sua inesgotável variedade em beleza, aromas, formas e manifestações. Fonte renovadora de êxtases e deslumbramentos. As conversas de Apuleyo Mendoza com seu amigo Gabriel Garcia Márquez, desvendando sua vida pessoal, sua literatura, suas aventuras políticas, suas "artes" como jornalista e seus sonhos. Intitularam-se "Cheiro de Goiaba" (El olor de la guayaba). Por que?  O título é a expressão mais peculiar e familiar de Aracataca, cidadezinha do interior da Colômbia, onde o escritor nasceu e dali saiu para conquistar o mundo (Madri, Paris, Nova York, Roma, Moscou, Bangkok e Pequim). Aracataca, consagrada universalmente por Macondo em "Cem anos de solidão". Seus habitantes emergiram de sua rotina para dar vida aos personagens do realismo fantástico de Garcia Márquez. Cenário onde predominam, até hoje, as goiabeiras e o odor da goiaba.

O cheiro de chuva. Carrega consigo muitos sentidos. Mensagens múltiplas e universais. Talvez, quem melhor captou os sentimentos que a chuva suscita, foi Ernest Hemingway. Principalmente nesse romance genial, em conteúdo e forma, que é "Adeus às armas" (1929). O autor somente se superaria vinte e três anos depois com outra obra-prima, que lhe valeu o Nobel da Literatura: "O velho e o mar". A chuva me renova sentimentos, sensações e fantasias. Desde a infância. Principalmente quando, nos meses de junho e julho, na casa senhorial do meu avô, em S. José de Mipibu, espantava-me com os ruídos do choque da chuva com o telhado. A casa ainda existe. Pertencia àquela época a João Beckmans Dantas, que durante trinta anos a alugou ao meu avô. O seu pé direito (distância entre o piso e o telhado) era de oito metros. Mas o que mais me sensibilizava era o cheiro da chuva. Aroma de uma mistura de plantas com o barro molhado das telhas, acrescido do cheiro da terra úmida. Sentia-me desfrutar de paz e tranqüilidade. O mesmo me acontecia nas noites de chuva forte em Natal, no Tirol. De abril a junho. Quando, aqui, as chuvas eram intensas, contínuas e quase sem fim. E a cidade, num ambiente de ternura, parecia um bosque verdejante e inexpugnável.

Há dias atrás, surpreendi-me com uns chuviscos onde moro, em Morro Branco. Entardecia. Veio-me aquele cheiro inesquecível e inconfundível. Que desfrutei também, entre 1968 e 1970, com Dadaça, minha esposa, no inverno de Lisboa. Não foi em vão que o embaixador e escritor Dário Castro Alves intitulou seu roteiro cultural, histórico, literário e sentimental de Lisboa, a partir de Eça de Queiroz, de "Era Lisboa e chovia".  No inverno, cafés, restaurantes, museus, bibliotecas, igrejas, teatros, cinemas e casas exalam o cheiro de chuva. Aconchegante.  Ouvir um fado lisboeta, bem diferente do fado coimbrão, é partilhar uma linguagem de amor, saudade e carinho. Eis até hoje a alma de Lisboa. Onde o passado inspira as odes de amor à vida e à cidade.

 Na Europa as chuvas cessam com a chegada da primavera. Mas, curiosamente, retornam e prenunciam o verão; captadas por Shelley nesse verso: "o ruído dos temporais primaveris sobre a grama cintilante; as flores que a chuva dispersou; a tudo teu canto excede". É uma linguagem universal de identidade com a natureza.       

Mestre Ivo

Ticiano DuarteJornalista

Um amigo repórter, com coluna assinada em jornal de grande circulação, indagou-me se me fosse dado escolher o nome da ponte da Redinha, em construção, qual seria o da minha preferência?

Respondi-lhe que, em primeiro plano, não considero a obra, na hora presente, de importância vital para a economia do Estado, mesmo que a mídia governamental procure mostrá-la à opinião pública como imprescindível ao crescimento e desenvolvimento da cidade e dos municípios circunvizinhos. Daí porque se me fosse dado o direito de decidir, optaria pela imediata construção do Aeroporto Internacional de São Gonçalo do Amarante.
Mas para falar sobre a praia da Redinha e a construção da ponte monumental que a ligará a Natal, por mais mérito que tenha a figura do poeta, pintor e cronista Newton Navarro, não se pode deixar de lembrar o mais apaixonado dos seus veranistas, que também a descreveu e evocou em prosa e verso, que foi Francisco Ivo Cavalcanti, carinhosamente conhecido como Mestre Ivo. Menino pobre, nascido em Natal, educado nas escolas mantidas pela Maçonaria, começou a trabalhar com 10 anos de idade, como distribuidor, do então jornal “Diário de Natal”, do combatente jornalista Elias Souto. Foi aprendiz de tipografia, ainda menor de idade, trabalhando no jornal “Gazeta da América” de propriedade do grande Pedro Avelino.

Daí, inicia uma trajetória digna de romance de capa e espada. De luta pela sobrevivência, ao mesmo tempo estudando à noite com muito esforço, aparecendo pela inteligência vibrante, diplomando-se professor primário, em 1910.

Começou a lecionar, em cursos primários particulares, em sua própria residência. Mestre-escola de muitas gerações, praticando caridade, ministrando aulas gratuitas aos estudantes pobres. Nessa missão contou com auxílio de outra grande figura de Natal, o inesquecível médico, Luiz Antônio dos Santos Lima.

Em 1923, formou-se em direito, começando com brilhantismo na profissão de advogado, destacando-se no júri popular, nas audiências cíveis. Era um orador fluente, loquaz. Jornalista planfetário, poeta, escritor, teatrólogo, cronista, ator amadorista. Foi professor da Escola Normal e do velho Atheneu.

Ingressando na maçonaria, assumiu uma liderança, no Rio Grande do Norte. Venerável da Loja 21 de Março. Membro atuante da Loja Evolução II, que congregava na época, os intelectuais da terra: Nestor e Luiz Antônio dos Santos Lima, Kerginaldo Cavalcanti, Deoclécio Duarte, Celestino Pimentel, Luiz Torres e o grande Luiz da Câmara Cascudo.
Foi político militante. Suplente de deputado federal pelo PSD, partido que ajudou a fundar, figurando na sua executiva estadual. Falava em praça pública com veemência, criticando os adversários e pedindo o voto do povo de sua terra.

Publicou diversos livros de poesia e peças teatrais, as quais encenou e participou como ator. Deixou uma prole numerosa, de quatro casamentos. Filhos e filhas que honram a inteligência e cultura do nosso Estado.

Lembro-me da sua presença na cidade, sempre de bom humor, transmitindo alegria e sabedoria. Amava a Redinha, sua paisagem com as suas velhas casas, a travessia pelo rio Potengi em barco de vela, como dizia o poeta Joaquim Cardozo, “sentindo a tarde vir do mar, tão doce e religiosa, como a alma celestial de São Francisco de Assis”. Seu nome anda esquecido, mas a sua alma está viva, povoando a cidade que amou, a praia onde repousava das lutas e canseiras, gostando de apreciar da sua casa de veraneio as nuvens grandes, brancas e sólidas que enfeitavam o céu da Redinha

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